segunda-feira, 24 de junho de 2013

A volta à religião como fim da rebeldia

"A primeira - e, no fundo, a única - condição das minhas pesquisas é a de preservar aquilo mesmo que me esmaga, e de respeitar, conseqüentemente, o que julgo haver ali de essencial. Acabo de defini-lo como uma confrontação e uma luta sem descanso.

E enfrentando até o fim essa lógica absurda, tenho de reconhecer que essa luta pressupõe a total ausência de esperança (que não tem nada a ver com o desespero), a recusa contínua (que não se deve confundir com a renúncia) e a insatisfação consciente (que não acertaríamos em associar à inquietude juvenil). Tudo o que destrói, escamoteia ou ludibria essas exigências (e, em primeiro lugar, o consentimento que destrói o divórcio) arruína o absurdo e desvaloriza a atitude que então se pode propor. O absurdo só tem sentido na medida em que não se consente nisso.

Existe um fato evidente que parece inteiramente moral: é que um homem é sempre a presa de suas verdades. Uma vez reconhecidas, ele não saberia se desligar delas. E é preciso pagar um tanto por isso. Um homem que tomou consciência do absurdo se vê atado a ele para sempre. Um homem sem esperança e consciente de sê-lo não pertence mais ao futuro. Isso está na ordem. Mas está igualmente na ordem que ele se esforce por escapar ao universo de que é criador. Tudo o que vem acima só tem sentido precisamente com a consideração desse paradoxo. Nada pode ser mais instrutivo, sob esse aspecto, do que examinar agora a maneira pela qual os homens que identificaram o clima do absurdo - a partir de uma crítica do racionalismo - levaram adiante as suas conseqüências.

Ora, para me ocupar, com esse fim, das filosofias existenciais, vejo que todas - sem exceção - me propõem a fuga. Por um raciocínio singular, que parte absurdo sobre os escombros da razão, em um universo fechado e limitado ao humano, eles divinizam aquilo que os esmaga e encontram uma razão de esperar naquilo que os desguarnece. Essa esperança forçada é, em todos eles, de caráter religioso."
Albert Camus em Mito de Sísifo 


"Uma literatura precipitada e eivada de erros encarregou-se de fazer que a inteligência humana descambe para as mais torpes idéias, que eram apresentadas como o que de mais alto havia alcançado o espírito humano, verdadeiras fulgurações da verdade imortal. Anunciou-se a morte de Deus com ênfase, o fim da religião como algo próximo. Mas, ao mesmo tempo, as mais espantosas conversões abalavam o mundo. No campo da ciência, hoje, não se conhece nenhum grande sábio, realmente grande, que seja ateu. Podem alguns serem bafejados pela publicidade, aliás esta está sempre pronta para incensar as mediocridades, mas quem conhece e pode aquilatar os verdadeiros valores sabe perfeitamente que o campo do ateísmo perde constantemente os melhores elementos, e só aumenta o número de mediocridades. Estas mesmas, ao despertarem para a luz, afastam-se do negativismo e do barbarismo das idéias primárias, e vão buscar novos horizontes. Sem dúvida as igrejas pouco têm contribuído para tais fatos. Grande parte dos convertidos não foram guiados por mãos de sacerdotes, embora haja muitos que realizaram impressionantes conversões. A maior parte dos convertidos o foram espontaneamente, por sua própria ação, por se lhes ter um dia clareado a mente e compreendido que o ateísmo, o materialismo, o positivismo e doutrinas dessa espécie não se mantinham em pé, quando passavam pelo crivo de uma crítica filosófica séria."
Mário Ferreira dos Santos em Invasão Vertical dos Bárbaros 

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