terça-feira, 23 de julho de 2013

Aforismos de Nicolás Gómez Dávila

Aforismos de NÍCOLAS GÓMEZ DÁVILA


O ironista desconfia do que diz sem crer que o contrário seja certo.
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Temos necessidade de que nos contradigam para afinarmos nossas idéias.
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A literatura toda é contemporânea para o leitor que sabe ler.
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A prolixidade não é excesso de palavras, mas sim escassez de idéias.
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O homem mais desesperado é somente o que melhor esconde sua esperança.
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Dos seres que amamos sua existência nos basta.
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Quem critica ao burguês recebe duplo aplauso: o do marxista, que nos julga inteligentes porque corroboramos seus prejuízos; o do burguês, que nos julga acertados porque pensa em seu vizinho.
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Vencer a um idiota nos humilha.
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Como pode viver quem não espera milagres?
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Pensar que só importam as coisas importantes é sintoma de barbárie.
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Vivemos porque não nos vemos com os olhos que os demais nos vêem.
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Entre a anarquia dos instintos e a tirania da ordem, estende-se o fugitivo e puro território da perfeição humana.
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O tom professoral não é próprio do que sabe, senão do que tem dúvidas.
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Ninguém pensa seriamente enquanto a originalidade lhe importa.
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A “psicologia” é, propriamente, o estudo do comportamento burguês.
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Amor é o ato que transforma a seu objeto de coisa em pessoa.
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O homem vive a si mesmo como angústia ou como criatura.
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O que distancia de Deus não é a sensualidade, mas a abstração.
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O estado moderno fabrica as opiniões que recolhe depois respeitosamente com o nome de opinião pública.
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Amar é compreender a razão que teve Deus para criar ao que amamos.
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Amar é rondar sem descanso em torno da impenetrabilidade de um ser.
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A verdade está na história, mas a história não é a verdade.
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A Bíblia não é a voz de Deus, senão a do homem que o encontra.
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Educar a alma consiste em ensinar-lhe a transformar em admiração sua inveja.
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Crer é penetrar nas entranhas do que meramente sabíamos.
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O pior vício da crítica de arte é o abuso metafórico do vocabulário filosófico.
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A hipocrisia não é a ferramenta do hipócrita, senão sua prisão.
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Só o imbecil não se sente nunca co-partidário de seus inimigos.
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A imparcialidade é filha da preguiça e do medo.
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O amor à pobreza é cristão, mas a adulação ao pobre é mera técnica de recrutamento eleitoral.
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A estatística é a ferramenta daquele que renuncia a compreender para poder manipular.
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A grandiloqüência das teorias estéticas cresce com a mediocridade das obras, como a dos oradores com a decadência de sua pátria.
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A inteligência não consiste no manejo de idéias inteligentes, mas no manejo inteligente de qualquer idéia.
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Toda reta leva direto a um inferno.
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As “soluções” são as ideologias da estupidez.
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A crença na solubilidade fundamental dos problemas é característica própria ao mundo moderno. Que todo antagonismo de princípios é simples equívoco, que  haverá aspirina para toda cefaléia.
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A ética deve ser a estética da conduta.
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Se o burguês de ontem comprava quadros porque seu tema era sentimental ou pitoresco, o burguês de hoje não os compra quando têm tema pitoresco ou sentimental. O tema segue vendendo o quadro.
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Todo o que faça sentir ao homem que o mistério o envolve torna-o mais inteligente.
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Ensinar exime da obrigação de aprender.
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O otimismo inteligente nunca é fé no progresso, mas esperança no milagre.
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O homem inteligente costuma fracassar, porque não se atreve a crer no verdadeiro tamanho da estupidez humana.
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A superficialidade consiste, basicamente, no ódio às contradições da vida.
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O impacto de um texto é proporcional à astúcia de suas reticências.
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Não há verdade que não seja lícito estrangular se há de ferir a quem amamos.
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O sacrifício da profundidade é o preço que exige a eficácia.
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Já não existem anciões senão jovens decrépitos.
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A inveja não é vício de pobre, mas de rico. Do menos rico ante o mais rico.
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O cinismo não é indício de agudeza mas de impotência.
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As duas asas da inteligência são a erudição e o amor.
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A imaginação não é o lugar onde a realidade se falsifica, mas onde se cumpre.
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A vulgaridade não é um produto popular senão um subproduto da prosperidade burguesa.
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O que significa a beleza de um poema não tem relação alguma com o que o poema significa.
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A pessoa que não seja algo absurda resulta insuportável.
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“Encontrar-se”, para o moderno, quer dizer dissolver-se em uma coletividade qualquer.
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Os problemas metafísicos não acossam ao homem para que os resolva mas para que os viva.
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A feiúra do rosto moderno é um fenômeno ético.
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Chamam-se progressos os preparativos das catástrofes.
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A sensibilidade não projeta uma imagem sobre o objeto, mas uma luz.
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A função didática do historiador está em ensinar a toda época que o mundo não começou com ela.
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Aprender a morrer é aprender a deixar morrer os motivos de esperar sem deixar morrer a esperança.
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A poesia resgata as coisas ao reconciliar na metáfora a matéria com o espírito.
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Uma resenha de literatura contemporânea nunca permite saber se o crítico crer viver no meio de gênios ou se prefere não ter inimigos.
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O anonimato da sociedade moderna obriga a todo o mundo a pretender-se importante.
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Ao divorciar-se religião e estética não se sabe qual se corrompe mais depressa.
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Os museus são o castigo do turista.
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Problema que não seja econômico não parece digno, em nosso tempo, de ocupar um cidadão sério.
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O moderno não tem vida interior: apenas conflitos internos.
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A lei é o método mais fácil de exercer a tirania.
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Só o inesperado satisfaz plenamente.
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A vida é um combate cotidiano contra a estupidez própria.
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O individualismo é o berço da vulgaridade.
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A estupidez se apropria com facilidade do que a ciência inventa.
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Ao repudiar os ritos, o homem se reduz a animal que copula e come.
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As pessoas sem imaginação nos congelam a alma.
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Só a religião pode ser popular sem ser vulgar
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A fé não é uma convicção que possuímos, mas uma convicção que nos possui.
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Os ritos preservam a fé, os sermões minam a fé.
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O calor humano em uma sociedade diminui à medida que sua legislação se aperfeiçoa.
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A moda, mais ainda que a técnica, é causa da uniformidade do mundo moderno.



Tradução de Wanderson Lima

 [In: DÁVILA, Nícolas Gómez. Escolios a un texto implícito (selección). Bogotá - Colômbia:
Villegas editores, 2002]


Abaixo, segue outros aforismos traduzidos por um autor desconhecido:


“Entrar em compromisso é sacrificar um bem distante a uma urgência imediata.”
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“Para Deus existem apenas indivíduos.”
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“Todo o objectivo que não seja Deus desonra-nos.”
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“Uma “sociedade ideal” será o cemitério da grandeza humana.”
-“O indivíduo encolhe na proporção do aumento do Estado.”
-“A autenticidade do sentimento depende da clareza do pensamento.”
-“A recusa da preocupação é a marca da besta.”
-“Aquele que renuncia parece fraco aos olhos daquele incapaz de o fazer.”
-“A genuína aliança com uma ideia ultrapassa motivações sociais e psicológicas.”
-“ Vulgaridade consiste em pretender ser o que não se é.”
-“O interlocutor incoerente é mais irritante que o hostil.”
-“Um filósofo que adopta noções científicas predetermina as suas conclusões.”
-“Depender apenas de Deus é a nossa verdadeira autonomia.”
-“A violência não é necessária para destruir uma civilização. Cada civilização morre pela indiferença em relação aos valores únicos que a criaram. ”
-“A perfeição é o ponto onde coincidem aquilo que temos a possibilidade de fazer, aquilo que queremos fazer e aquilo que devemos fazer.”
-“O homem moderno não ama mas procura refúgio no amor; não tem esperança mas quer refugiar-se na esperança; não acredita mas quer refúgio no dogma.”
-“O homem moderno destrói mais quando constrói do que quando destrói.”
-“A literatura contemporânea, em toda e cada época, é o pior inimigo da cultura. O tempo limitado do leitor é desperdiçado lendo mil livros que embotam o sentido crítico e arruínam a sua sensibilidade literária.”
-“Numa era onde os mídia difundem incontáveis disparates, o homem educado é definido não pelo que sabe mas pelo que desconhece. ”
-“As ideologias políticas contemporâneas são falsas no que afirmam e verdadeiras no que negam.”
-“Todas as épocas exibem os mesmos vícios mas não todas as virtudes. Todas as eras têm cabanas mas apenas em algumas existem palácios.”
-“A tragédia moderna não é a da derrota da razão mas do seu triunfo.”
-“O homem moderno é um prisioneiro que se julga livre porque se recusa em tocar nas paredes do seu calabouço.”
-“Ter opiniões é a melhor forma de escapar à obrigação de pensar.”
-“A Igreja tinha a função de absorver os pecadores; hoje incumbe-se de absolver os pecados.”
-“A civilização parece ser a invenção de uma espécie agora extinta.”
-“A punição para o idealista consiste no triunfo da sua causa.”
-“Ser civilizado consiste em conseguir criticar aquilo em que se acredita sem deixar de acreditar.”
-“O objectivo da filosofia não é pintar novos objectos mas dar aos objectos familiares a sua verdadeira cor.”
-“Aqueles que começam por proclamar que o nobre é desprezível acabarão por proclamar que o desprezível é nobre.”
-“Toda a solução parece trivial para quem não entendeu o problema.”
-“O homem culto tem a obrigação de ser intolerante.”
-“A estupidez num homem velho imagina-se a si mesma como sabedoria; num adulto, como experiência; e na juventude como genialidade.”
-“De Deus não falamos com qualquer rigor e seriedade excepto na poesia.”
-“A imaginação é o único lugar no universo onde é possível viver.”
-“O optimismo nunca é fé no progresso mas esperança num milagre.”
-“A importância de um acontecimento é inversamente proporcional ao espaço que ocupa nos jornais.”
-“Um indivíduo que se declara membro de um grupo, pede em nome do grupo aquilo que se envergonha de pedir em próprio nome.”
-“Ter um diálogo com aqueles que não partilham connosco as premissas básicas não é mais que uma estúpida forma de passar o tempo.”
-“A fé não é o conhecimento de um objecto mas a comunhão com ele.”
-“A poesia morreu, asfixiada por metáforas.”
-“É injusto repreender os escritores hodiernos pelo mau gosto quando a própria noção de gosto morreu.”
-“Se acreditamos em Deus não devemos dizer “Acredito em Deus”, mas “Deus acredita em mim.””
-“A fúria dos imbecis é menos assustadora que a sua benevolência.”
-“”Ser útil à sociedade” é a ambição, ou desculpa, de uma prostituta.”
-“Quem nos trai nunca nos perdoará a sua traição.”
-“Toda a sociedade não-hierárquica está dividida em duas.”
-“Os inimigos do mito não são os amigos da realidade mas da trivialidade.”
-“O racista inquieta-se porque suspeita em segredo que todas as raças são iguais. O anti-racista inquieta-se porque suspeita em segredo que não são.”
-“As hierarquias são celestiais. No inferno todos são iguais.”
-“Os imperativos, éticos ou estéticos, devem ser negativos. Imperativos positivos apenas aumentam a impostura.”
-“A vontade de ser original é uma afectação causada pela falta de talento.”
-“A alma moderna é uma paisagem lunar.”
-“No idioma da arquitectura moderna nada de complicado pode ser dito.”
-“O pecado do homem abastado não é a sua riqueza mas o seu apegamento a ela.”
-“Ideias da esquerda dão origem a revoluções. Revoluções dão origem às ideias da direita.”
-“A verdade é tão subtil que nunca inspira tanta confiança como uma tese errada.”
-“A adaptação ao mundo moderno requer uma sensibilidade esclorosada e um carácter degradado.”
-“A opinião pública nos dias de hoje não é a soma das opiniões privadas. Pelo contrário, as opiniões privadas é quê são o eco da opinião pública.”
-“O excesso de polidez paralisa; a sua falta brutaliza.”
-“Não ter noção da putrefacção do mundo moderno é sintoma de contágio.”
-“Existe uma iliteracia da alma que nenhum diploma pode curar.”
-“O leitor genuíno lê por prazer os livros que os outros apenas estudam.”
-“A diferença entre “orgânico” e “mecânico” em matérias sociais é moral: o “orgânico” é o resultado de inumeráveis actos humildes; o “mecânico” é o resultado de um único e decisivo acto de arrogância.”
-“Dizer que ”o gosto é relativo” é uma desculpa adoptada nas épocas onde reina o mau gosto.”
-“Os objectos modernistas não possuem vida interna; apenas conflitos internos.”
-“A mecanização brutaliza porque faz as pessoas acreditarem que o universo é inteligível.”
-“A falta de transparência é o primeiro sintoma de declínio de uma língua.”
-“Falsificar o passado é o método que a Esquerda usa para produzir o futuro.”
-“A sede modernista de originalidade faz o artista medíocre acreditar que o segredo da originalidade é simplesmente ser diferente.”
-“Mais irritante que a estupidez vulgar é a verborreia de vocabulário científico.”
-“As pessoas modernas acreditam viver num ambiente de pluralidade de opiniões, quando o que de facto reina é uma unanimidade asfixiante.”
-“Em filosofia, uma simples questão ingénua basta para todo um sistema entrar em colapso.”
-“Para o moderno progressista a nostalgia é a suprema heresia.”
-“Nada se torna mais rapidamente obsoleto que o moderno mais arrojado.”
-“A claridade na exposição é o único sinal incontroverso de maturidade de uma ideia.”
-“Se a filosofia não resolve nenhum problema científico, a ciência, por sua vez, não resolve nenhum problema filosófico.”
-“Uma das maiores catástrofes intelectuais reside na apropriação dos conceitos e vocabulário científico por inteligências medíocres.”
“As verdades não são relativas. Relativas são as opiniões sobre a verdade.”


Nícolas Gómez Dávila nasceu em Bogotá, Colômbia, em 1913 e morreu naquela mesma cidade em 1994. Educou-se em Paris e, voltando a seu país natal, passou a  maior parte da vida entre seu ciclo de amigos e sua biblioteca, composta de mais  30.000 volumes nos idiomas originais. Sua obra concisa – composta, basicamente, de  três livros de aforismos (que ele preferia denominar “escólio”) e um livro de prosa  corrente – foi notoriamente concebida com lentidão e rigor, numa prosa clara e de  riqueza estilística incomum. Enquadrava-se a si mesmo na linhagem de Pascal e  Nietzsche, sendo que com este último a parecença era acima de tudo estilística. De  acordo com Franco Volpi, um de seus melhores intérpretes, a obra de Goméz Dávila,  “por seu pessimismo exasperante, a intransigência de seus juízos, e a escandalosa arrogância de seus dogmas recorda a Cioran ou a Carasco, mas não se nutre de amargura ou niilismo, senão de fé e férreas certezas. Tem em comum com  pensadores como De Maistre ou Donoso Cortés, a indestrutível convicção nas verdades tradicionais, mas não tem a periodicidade vasta e lenta da prosa do Oitocentos, ao contrário está cheia de ânimo, de desencanto, de espírito rebelde e de lucidez” (In: Um ángel cautivo caido en lo tiempo).


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