quarta-feira, 31 de julho de 2013

O Progresso (Oswald Spengler)

Cada maquina serve um processo, e deve sua existência ao pensamento a respeito desse processo. Todos os nossos meios de transporte se desenvolveram da ideia de movimentar um carro, de remar, de navegar a vela e não do simples conceito de carro ou de barco. Os próprios métodos são armas. E consequentemente a técnica não é uma parte da economia, do mesmo modo que a economia (ou a guerra ou a política) não pode ser considerada uma parte da vida existente por si mesma. Todos esses são apenas aspectos de uma vida ativa, lutadora e cheia. Não obstante, da guerra primeva das bestas extintas emerge um caminho que leva aos processos dos modernos inventores e engenheiros, do mesmo modo que da cilada, a mais antiga de todas as armas, sai uma estrada que conduz ao desenho das maquinas com que hoje fazemos guerra a Natureza, superando-a em estratagemas.




Ao movimento nesses caminhos se da o nome de Progresso. Foi essa a grande epigrafe do século passado (sec. XIX). Os homens viam a historia a sua frente como uma rua pela qual a “humanidade” marchava corajosa e sempre para a frente; e com “humanidade” queriam designar as raças ou, mais exatamente, os habitantes de suas grandes cidades, ou, com maior precisão ainda, os “educados”.
Mas... marcha para onde? Por quanto tempo? E... depois?

Era um pouco ridícula essa caminhada rumo do infinito, dum alvo em que os homens não pensavam seriamente, dum objeto que ninguém concebia com nitidez ou, para falar a verdade que ninguém ousava imaginar. Porque um alvo é um fim. Ninguém faz uma coisa sem pensar no momento em que atinge o que deseja. Ninguém começa uma guerra ou uma viagem ou mesmo um simples passeio sem pensar na direção ou na conclusão. Todo o ser humano realmente criador conhece e teme o vazio que se segue a terminação de uma obra.

A evolução implica em cumprimento – cada evolução tem um principio e cada cumprimento é um fim. A velhice está implícita na juventude; o nascimento no perecimento; a morte na vida. Porque o animal, cujo pensamento está preso ao presente, conhece ou fareja a morte como alguma coisa que está no futuro, alguma coisa que não o ameaça. Ele apenas conhece o medo da morte no momento de ser morto. Mas o homem, que tem o pensamento emancipado das cadeias do aqui e do agora, do ontem e do amanha, investiga o “uma vez” do passado e do futuro, e o seu triunfo ou derrota final ante o medo da morte depende da profundidade ou superficialidade de sua natureza. Conta velha lenda grega, sem a qual não existiria a Ilíada, que, tendo a mãe de Aquiles oferecido a este a escolha de uma vida longa e vazia ou uma vida breve mas cheia de feitos e de fama, ele preferiu a segunda.

O homem era e é demasiadamente superficial e covarde para suportar a ideia da mortalidade de todas as cosias vivas. Ele a envolve no otimismo cor-de-rosa do progresso, amontoa sobre ela as flores da literatura, fica a rastejar por trás de uma muralha de ideais para não enxergar nada. Mas a transitoriedade, o nascimento e o passamento, é a forma de tudo quanto tem realidade – desde as estrelas, cujo destino para nós é incalculável, até o efêmero formigueiro de nosso planeta. A vida do individuo, seja ele animal, planta ou homem, é tão perecível como a dos povos e das Culturas. Cada criação está predestinada à decomposição; todo o pensamento, todo o descobrimento, todo o feito estão condenados ao esquecimento. Aqui e ali, por toda a parte vislumbramos cursos da historia de grandioso destino e hoje desaparecidos. Vemos em torno de nós ruinas das obras “que fora”, de culturas mortas. No descomedimento de Prometeu, que ergueu as mãos para os céus para submeter as potencias divinas ao homem, estava implícita a queda. Que é feito, pois, dessa palavrosa alusão as “realizações imorredoiras”?

A historia do mundo tem um aspecto completamente diferente daquele que nosso século permite sonhar. A historia do homem, comparada a do mundo animal e vegetal deste planeta – para não falar na vida dos mundos estelares, - é realmente breve. É uma ascensão e um declínio de uns poucos milênios um período que não tem a menor importância na historia da terra mas que, para nós que nascemos com ele, está cheio de força e grandeza trágicas.  E nós, seres humanos do século vinte, descemos a encosta vendo a descida. Nossa faculdade de perceber a historia, nossa capacidade de escreve-la, é um sinal revelador de que nosso caminho se dirige para baixo. Nos picos das Culturas superiores, no momento em que estas se acham em transito para a civilização, esse dom de penetrante conhecimento lhes aparece por um instante, mas só por um instante.

Entre os enxames das estrelas “eternas” intrinsecamente não importa qual seja o destino deste pequeno planeta que segue seu curso por breve tempo em algum lugar do espaço infinito. Ainda mais insignificante é aquilo que em sua superfície se move durante alguns instantes. Mas cada um de nós, intrinsecamente um nada, se vê lançado nesse universo rodopiante por um minuto indizivelmente breve. Por isso este mundo em miniatura, esta historia universal, é algo de suprema importância. E, o que é mais, o destino de cada um desses indivíduos não consiste apenas em, por seu nascimento, terem sido eles trazidos para dentro desta historia universal, mas sim em haverem aparecido num determinado século, num determinado povo, numa determinada religião, numa determinada classe. Não está ao nosso alcance escolher entre ser filho dum camponês egípcio de 3.000 a.C., de um rei persa ou então de um vagabundo de nossos dias. A esse destino temos apenas que nos adaptar. Ele nos condena a certas situações, concepções e ações. Não existe “o homem em si” tal como querem os filósofos, mas apenas homens de uma época, de uma localidade, de uma raça, de uma índole pessoal, homens que travam batalha com um dado mundo e acabam vencendo ou sucumbindo, enquanto o universo ao redor deles segue lentamente o seu curso com uma indiferença divina. Essa batalha é a vida – a vida, sim, no sentido nietzschiano – uma luta torva, impiedosa e sem quartel, que nasce da vontade-de-poder.

Trecho do livro "O Homem e a Técnica" por Oswald Spengler

terça-feira, 30 de julho de 2013

Entrevista para do Documentário "O Segundo Batismo da Rus"

Vladimir Putin deu uma entrevista para os criadores do documentário O Segundo Batismo da Rus, que foi exibido no canal de televisão, Rossia, em 22 de julho.


O Segundo Batismo da Rus é um documentário de longa-metragem sobre o ressurgimento da Igreja Ortodoxa Russa na Rússia nos últimos 25 anos. O filme dá uma apresentação detalhada das principais etapas da reconstrução da igreja na Rússia a partir de 1988, quando o país marcou o 1000 º aniversário do Batismo da Rus, até hoje.


                                                                        ***

Pergunta: Nós ainda lembramos os momentos em que você poderia estragar suas perspectivas de carreira se você tivesse seu filho batizado e tenha sido descoberto. Você poderia enfrentar problemas na universidade também, sem mencionar a situação em 1920-30s, quando o clero e leigos igualmente enfrentaram a repressão. Quais são as lições que você acha que devemos aprender com os anos de perseguição contra a igreja?


Vladimir Putin: Eu senti os efeitos desses tempos também. Minha mãe me batizou e manteve o segredo de meu pai, que era um membro do partido comunista. Ele não era um oficial do partido de qualquer espécie, apenas trabalhava em uma fábrica, mas ele era uma espécie de organizador popular em sua oficina de fábrica. Enfim, minha mãe, supostamente sem deixar que ele descobrisse, me batizou, fez isso em segredo, e por isso a minha família também sentiu as limitações daqueles tempos.

Eu acho que a lição a ser aprendida é bastante simples. Em todos os momentos mais críticos da nossa história, o nosso povo olha para as suas raízes, aos seus fundamentos morais e valores religiosos. Todos nós sabemos que quando a Grande Guerra Patriótica (Segunda Guerra Mundial) começou, o primeiro a anunciar o início da guerra ao povo soviético foi Molotov, que se dirigiu à nação usando a palavra "cidadãos". Mas quando Stalin, em seguida, dirigiu-se à nação, apesar de sua linha-dura, se não brutal postura contra a igreja, ele escolheu uma forma completamente diferente para endereçar-se: "Irmãos e irmãs". Houve um tremendo significado nessa escolha de endereço. Estas não eram apenas palavras, mas um apelo aos corações e almas das pessoas, para a sua história e as suas raízes, de modo a trazer para casa a grandiosidade e a tragédia do desenrolar dos acontecimentos, e para despertar as pessoas, mobilizá-los para aumentar  o sentimento de defesa para sua terra natal. Foi sempre assim, quando o país enfrentou dificuldades e sofrimentos, mesmo durante os anos do estado ateísta, pois o povo russo não conseguia sobreviver sem esses fundamentos morais.

Pergunta: Os líderes da Igreja e as pessoas envolvidas na vida da igreja chamam os 25 anos que se passaram desde que foi celebrado o 1000 º aniversário do Batismo da Rus de um "Segundo batismo da Rus". As relações entre a Igreja e o Estado realmente passaram por mudanças ao longo deste tempo e assumiu uma nova substância. Você acha que é justo falar de um "Segundo Batismo da Rus, e você observa evidencias que faria essas palavras justificadas?


Vladimir Putin: Eu não quero discutir com aqueles que falam de um Segundo Batismo da Rus, mas eu, pessoalmente, não diria que este é o caminho mais adequado para descrever o que aconteceu durante este tempo. Eu diria que, em vez disso, temos visto um retorno às nossas raízes, e isso levanta a questão, claro, por que isso aconteceu. Nossa geração se lembra do código moral dos construtores do comunismo. Essencialmente, era apenas uma versão simplificada dos princípios religiosos partilhados por praticamente todas as religiões tradicionais do mundo.

Mas quando esse mesmo código moral simplificado desapareceu, as pessoas encontraram-se presos em um imenso vácuo moral e espiritual, e que a única maneira de preenchê-lo era retornar aos autênticos e verdadeiros valores. Esses valores foram, inevitavelmente, de natureza religiosa.

Não há, portanto, nada de surpreendente no fato de que as pessoas começaram a procurar  suas raízes, os valores religiosos e espirituais. Este foi um processo de renovação natural para o povo russo. Eles fizeram isso de forma espontânea, sem estímulo de fora, das autoridades ou da igreja. A igreja estava incapaz de incitar alguém naquele momento. Ela estava em um estado lamentável.  No lado material, as autoridades soviéticas tinham roubado mais profundamente do que roubou algum outro, no lado organizacional e espiritual também estavam em uma situação muito seria. Foi um movimento espontâneo das próprias pessoas voltarem às suas raízes.


Pergunta: Senhor Presidente reuniu-se com Metropolitano Lavr, o chefe da Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia. Essa foi sua iniciativa ou foi um pedido dele?  O que provocou essa reunião, e esse foi um momento decisivo para reunir a igreja?


Vladimir Putin: Foi mais minha iniciativa, realmente, mas para minha surpresa, a Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia e o próprio Metropolitano Lavr respondeu com apoio e compreensão. Eu digo que foi para minha surpresa, porque as relações entre a Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia e as autoridades soviéticas sempre tinha sido, no mínimo, tensas, por razões óbvias, e eu estava um pouco surpreso no momento em quão prontos eles estavam a responder ao minha iniciativa, mas após a primeira reunião, em Nova York, se bem me lembro, eu imediatamente entendi por que eles estavam respondendo desta forma.

Eu percebi que os Primazes da Igreja Ortodoxa Russa fora da Russia eram o verdadeiro povo russo. Eles podem viver longe de sua terra natal, mas eles mantêm os seus interesses em seus corações. Eles perceberam que havia chegado a hora de reunir toda a nação russa, para juntar todos os povos da Rússia, todos os diversos grupos étnicos que são unidos pela fé ortodoxa. Como você deve saber, os passaportes emitidos durante o Império Russo não classificava as pessoas por grupo étnico, mas pelo sua fé religiosa.

Os Primazes da Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia,  pessoas que conheceram muitas provações e tribulações da vida e que enfrentou grandes desafios e dificuldades, obviamente, chegaram à conclusão que chegara o momento de se reunir. A Igreja Ortodoxa Russa desempenhou um papel único no nosso povo e na história do país, afinal. Essencialmente, foi depois de adotar o cristianismo como uma religião ortodoxa que a nação russa começou a emergir como uma nação unificada e começou a construir um Estado russo centralizado.

Nos fundamentos da nação russa e o estado russo centralizado são os mesmos valores espirituais que unem toda a parte da Europa agora partilhada pela Rússia, Ucrânia e Belarus. Este é o nosso espaço espiritual, moral e de valores comuns, e isso desempenha um papel muito importante na união das pessoas. Naturalmente, a Igreja Ortodoxa Russa por si e a Igreja Ortodoxa Russa fora da  Rússia sentem  isso em seus corações e começaram a aproximar-se uns dos outros. A tarefa das autoridades aqui foi simplesmente apoiar este processo.


Pergunta: Durante sua conversa com o Metropolita Lavr você disse: "Eu quero deixar muito firme e claro que as autoridades jamais interferirão nos assuntos da igreja." Você foi muito convincente. Você mencionou o papel unificador da Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia. Após o colapso da União Soviética e com o surgimento de novos países na Ásia Central e Oriental, no Cazaquistão, a Igreja Ortodoxa tem um papel ainda mais unificadora hoje, de reunir as pessoas em toda a área pós-soviética.


Vladimir Putin: Existem diversas áreas onde a Igreja e o Estado pode trabalhar junto. Acima de tudo, isso inclui ensinar nossos jovens valores morais e espirituais, apoiando a família como uma instituição, criar os filhos, apoiando aqueles que necessitam de auxílio especial  e assistência. Eu não estou falando apenas sobre os doentes ou pessoas com deficiência, mas também de pessoas nas prisões, por exemplo. Eles precisam de apoio moral também. A igreja é um parceiro natural para as autoridades do Estado em tais áreas.


A igreja também tem outro papel muito importante a desempenhar dentro da própria Rússia - a criação de condições para a paz e harmonia inter-religiosa e inter-étnica. A este respeito à importância da igreja vai além das dimensões da Federação Russa de hoje, porque também nos ajuda a construir um bom relacionamento com as pessoas em outros países, sobretudo na área pós-soviética, é claro. Eu já mencionei as raízes morais e espirituais históricas comuns que partilhamos com os povos da Ucrânia e da Bielorrússia. Essencialmente, temos uma igreja comum, uma fonte espiritual comum e um destino comum. Quanto aos outros países da região pós-soviética e os seus povos, a Igreja pode desempenhar um papel muito construtivo e positivo também.

domingo, 28 de julho de 2013

Treinamento Técnico vs Educação

Vamos estudar a relação da tecnologia em outro campo: dentro da organização das escolas e universidades. Conforme o técnico entra neste campo, ele converte todas as instituições de ensino para seu interesse, ou seja, ele promove a formação técnica, que, como ele afirma, é o único atualizável, o conhecimento útil, prático.

As importâncias das reformas nesse sentido não devem ser subestimadas. Eles constituem um ataque direto contra a idéia de uma "educação encíclica" (encyclios disciplina) que prevaleceu na época clássica e medieval. As consequências desse ataque não é, obviamente, composto apenas no declínio do papel da gramática na educação, no retiro de astronomia e música, no desaparecimento de dialetos e retórica. Esse corte, do que uma vez foi as sete artes liberais [1], apenas a aritmética e geometria sobreviveram, o que não significa nada. A ciência técnica que vem a uma posição de supremacia é tanto empírica e causal. Suas incursões na educação significa a vitória do conhecimento factual sobre o conhecimento integrado. O estudo das línguas antigas é empurrado para o fundo, e assim desaparecem os meios para entender a cultura em sua totalidade. A capacidade lógica do aluno, sua capacidade de dominar a forma de conhecimento está enfraquecida. Conhecimento factual é empírico e assim, tão infinito quanto são as filas intermináveis de causas e efeitos em que é descrito. Nós muitas vezes nos  encontrarmos com um orgulho na acumulação ilimitada de conhecimento factual, o que tem sido comparada a um oceano em que o navio da civilização orgulhosamente navega. Mas este oceano é um tenebrosum mare ("um mar escuro"); um conhecimento que se tornou ilimitado tornou-se também sem forma. Se para a mente humana todas as coisas são igualmente valoráveis, então o conhecimento perde todo o valor. Portanto, pode-se concluir que este conhecimento factual acabará por afogar-se no oceano de seus fatos. Hoje os esforços humanos mais valorosos são inundados pela maré crescente de fatos. Não seria surpreendente se, por estamos cansados dessa vastidão de conhecimento, sentíssemos uma sensação de um peso esmagador sobre nossas costas.

Onde a ênfase é colocada sobre os fatos, à educação se esforça para um conhecimento manual, transmitido para o aluno por meio de pesquisas, perfis, gráficos e estatísticas da matéria. A verdadeira educação é incompatível com este tipo de conhecimento e com este método de ensino, para o empirismo bruto que essa formação tem se tornado, pode ser visto apenas como um empilhamento mecânico de fatos. Esta formação estabelece nenhum fundamento. Ele contém nenhum princípio formação que seria superior a, e que dominaria, o assunto.

Esse ditado duvidoso que diz: "Conhecimento é poder", é menos válido hoje do que sempre foi, pois o conhecimento desse tipo é exatamente o oposto do poder mental, na verdade, ele enerva completamente a mente. Universidades entram em declínio na medida em que o progresso técnico se espalha para as escolas secundárias. A universidade torna-se um centro de formação técnica e serva do progresso técnico. Tecnologia, por sua vez, não deixa de oferecer doações generosas e novos institutos são criados nas universidades que trabalham arduamente para a transformação das universidades em conglomerados de laboratórios especializados.

Deve-se notar aqui que a idéia clássica da educação encíclica, confinada como era para a formação da cultura e da sabedoria, está em forte oposição à idéia de uma enciclopédia das ciências, isto é, um conhecimento que é disposto por ordem alfabética como um dicionário ou enciclopédia. A idéia de uma enciclopédia das ciências pertence ao século XVIII. Conhecimento nessa descrição tem sido o precursor de toda a ciência moderna técnica. É o conhecimento de um Diderot, um D'Alembert, La Mettrie, que declarou que todo o pensamento filosófico ser nulo e sem efeito, que em obras como Histoire Naturelle de l'ame e L'homme a máquina defende um empirismo em que tudo é explicado em termos de reflexos causais entre cérebro e corpo. O pensamento de Hume, seu contemporâneo Inglês, é mais forte e mais fino, mas sua doutrina da associação de idéias, e os princípios de todas as associações possíveis (ele assume a similaridade, contigüidade no tempo e no espaço, e causa ou efeito) levam para o mesmo resultado (Philosophical Essays Concerning Human Understanding and An Enquiry Concerning Human Understanding). De acordo com Hume, as percepções não necessitam de uma substância que os transporta, ele diz que todas as substâncias são apenas compostas de conceitos simples e pensamento. Tais teorias de pensamento associativo sempre tendem a fazer associações materialmente independentes. Hume pode ser considerado o pai espiritual de Ulisses, de Joyce, um livro que faz associação independente, e destrói toda a ordem intelectual tão radicalmente que nada é deixado, senão uma grande pilha de lixo de associações.


Trecho do livro "O Fracasso de Tecnologia" - Friedrich Georg Jünger

Friedrich Georg Jünger (1 de Setembro de 1898, Hannover - 20 de julho 1977, a Überlingen) foi um poeta alemão, autor, ensaísta e crítico cultural. O irmão mais novo de Ernst Jünger, ele se ofereceu para o serviço militar em 1916 e ficou gravemente ferido na Batalha de Langemarck. Após a Primeira Guerra Mundial, ele estudou direito e cameralismo nas universidades de Leipzig e Halle-Wittenberg.

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[1]
As sete Artes Liberais

Foi durante o reinado de Carlos Magno que as Sete Artes Liberais tornaram-se um curiculo disciplinar, para fins de ensino. Organizadas por Alcuino, capelão – mor daquele rei, as disciplinas foram divididas em duas partes: o trivium (retórica, gramática e lógica) e o quadrivium (aritmética, música, geometria e astronomia). Essa divisão já vinha sendo aplicada desde os tempos de Aristóteles, e durante o Império Romano, esse era o currículo que orientava o aprendizado dos cidadãos bem educados de Roma. 

As Sete Artes Liberais estão vinculadas a outros conhecimentos tradicionais e apresentam grandes simetrias com outras disciplinas, especialmente a astronomia. Nesse sentido, é possível fazer uma analogia com o simbólismo dos planetas, relacionando a retórica com Vênus; a gramática com a Lua; a lógica com Mercúrio; a aritmética com o Sol; a música com Marte; a geometria com Júpiter e a astronomia com Saturno. 



Nos tempos de Roma, e mais tarde, durante a época de Carlos Magno, o estudante das Artes começava a sua vida escolar aos catorze anos, estudando, em primeiro os chamados “três caminhos” do trivium, que o monge Pedro Abelardo (1079-1142) chamava de os três componentes da ciência da linguagem. Essa tríplice disciplina era composta pela gramática (a ciência de falar sem erro), a dialética, (a aprendizagem que consiste em saber distinguir o verdadeiro do falso), e a retórica, que é a disciplina que nos ensina a arte da persuasão

O trivium era o que poderíamos chamar, numa analogia com a educação moderna, o primeiro grau do aprendizado. De fato, para o aluno poder aprender outras coisas era preciso primeiro aprender a falar, a escrever e a pensar. Por isso tinha que aprender gramática, retórica e dialética. Sem esses conhecimentos, dificilmente o estudante conseguiria acompanhar o difícil e rigoroso método escolástico de ensino, que se fundamentava principalmente na lógica de Aristóteles. Depois vinha o quadrivium, como uma espécie de segundo grau, para complementar o aprendizado do estudante. Em algumas escolas americanas, especialmente aquelas que seguem o modelo clássico, ainda se trabalha com um currículo semelhante, para os alunos que desejam tornar-se Master-of-Arts. No Brasil, até algumas décadas atrás, o chamado ensino clássico também guardava alguma semelhança com esse modelo.

A importância do trivium é que cada elemento contém potencialmente as habilidades filosóficas exigidas para a vida intelectual madura. É uma pena que esse sistema tenha sido banido das escolas brasileiras, substituído por um currículo que só sobrecarrega a mente do aluno com  informações, ( muitas vezes inúteis para a careira que ele escolheu, ou mesmo para os seus projetos de vida) sem ensiná-lo a usá-las adequamente. 

original

sábado, 27 de julho de 2013

Dostoiévski e sua Teologia

DOSTOIÉVSKI E SUA TEOLOGIA











I. Introdução

Alfred Einstein declarou: "Dostoiévski me dá mais do que qualquer outro pensador." Nicholas Berdiaev foi professor de filosofia na Universidade de Moscou até ser expulso pelo regime comunista em 1922. Berdiaev testemunhou que Dostoiévski "agitou e levantou minha alma mais do que qualquer outro escritor ou filósofo fez... foi quando me virei para Jesus Cristo pela primeira vez”. Alguns afirmam que “Os Irmãos Karamazov” e “Crime e Castigo” são uns dos maiores romances já escritos. Alguns pensadores dentro do campo cristão afirmaria que Dostoiévski é um dos nossos, dando assim, um valor especial para um estudo como este.

II. Uma Breve Biografia

Fiódor Dostoiévski (1821-1881) era filho de um medico Ortodoxo Russo ultra rigoroso. Ele costumava chamar seus filhos (por exemplo, de estupido), quando eles erravam suas declamações. Obrigava sues filhos ficarem atentos quando falava ele. Assim, o jovem Dostoievski não recebeu uma imagem muito precisa de Deus, o Pai, de seu pai humano rigoroso.

Quando Dostoiévski tinha 18 anos, um dos eventos mais marcantes de sua vida ocorreu. Seu severo pai foi brutalmente assassinado por seus próprios servos. O cadáver ficou no campo, durante dois dias, e a polícia nunca realizou uma investigação ou fez qualquer prisão. Há evidências de que o jovem Dostoiévski sentiu-se culpado, com uma espécie de cumplicidade, neste crime - apenas, talvez, como um desejo de morte. Todos os quatro grandes romances de Dostoiévski giram em torno de um assassinato e Os Irmãos Karamazov é construído em torno de parricídio.

Dostoiévski acertou em cheio no seu primeiro romance, Gente Pobre. O principal crítico literário da época, Belinksy, anunciou que uma nova estrela surgira no horizonte literário. Entretanto, o fato de que os próximos trabalhos do Dostoievski tenham sido mais voltados ao psicológico pessoal ao invés de focado no social, o radical Belinksy e outros escritores russos começaram a ser mais severos em suas criticas.

Eventualmente Dostoiévski se envolveu no redemoinho sócio-politico de sua era. Ele entrou em um grupo conhecido como O Circulo Petrashevsky, composto de ateístas e revolucionários (durante o período pré-comunista). Eles planejavam publicar propagandas antigovernamentais em uma prensa escondida. Então a policia chegou. Dostoiévski foi preso no Forte Pedro e Paulo e uma investigação de quatro meses foi conduzida. Vinte e uma pessoas desse grupo foram sentenciados a morte. 

Em 22 de dezembro, 1849, as 8 da manha, Dostoiévski e seus compatriotas foram preparados e levados para frente do esquadrão de fuzilamento. Eles seriam executados de três por vez. No ultimo momento um enviado do Czar, galopando a cavalo, anunciou que as sentenças foram diminuídas. Foi como se tivessem garantido ao escritor uma nova vida. 

Entretanto, quatro anos de prisão, na Sibéria, esperava por ele. Correntes pesadas foram amarradas em seus calcanhares. O trenó dos prisioneiros era dirigido (algumas vezes em -40 C) no meio da Sibéria para a prisão em Omsk. Dostoiévski relembrou sua vida infestada de piolhos e sua viagem imunda, o cemitério dos vivos em sua obra Recordações da Casa dos Mortos. Após seu lançamento, seguiu para quatro anos de serviço militar perto da fronteira da China. O único livro que Dostoiévski era permitido ler na prisão era O Evangelho, o qual ele preservou ate seu dia de morte. 

Depois de cerca de dez anos na Sibéria, Dostoiévski voltou para a sociedade. Ele foi o autor de uma dúzia de romances, muitas vezes enquanto ele estava em dívida ou beirando a fome. Em 1880, ele deu um grande discurso em homenagem ao poeta, Pushkin. Para sua segunda esposa, Anna, ele anunciou o dia de sua morte. Naquele dia, implorou a sua esposa que lhe trouxesse a cópia da prisão do Evangelho, e pediu que lessem a parábola do filho pródigo. Entre 30.000 e 40.000 pessoas compareceram ao funeral de Dostoiévski, o primeiro funeral de Estado para homenagear um dos escritores da Rússia.

III. Quatro Grandes Romances

Sua produção literária incluiu quatro obras-primas. Eles são, em ordem de aparição: Crime e Castigo, O Idiota, Os demônios e Os Irmãos Karamazov. Crime e Castigo e Os Irmãos Karamazov podem estar entre as principais obras, dentro das 10 grandes obras do mundo, como mencionado acima.

Crime e Castigo é um tipo de comentário sobre o conceito de consciência em funcionamento. Revela uma pessoa mentalmente atormentada por seu crime, até que ele finalmente confessa. Raskolnikov é um pobre ex-aluno que mata uma desprezada agiota. No processo, ele também é forçado a acabar com a  fraca irmã da agiota por meio de um machado.

Raskolnikov tinha convencido a si mesmo que sua desesperada irmã, Dunya, e sua mãe realmente merecia o dinheiro roubado mais do que a "parasita" de uma agiota. Antes do assassinato, ele também tinha escrito um artigo dividindo o mundo em pessoas comuns e heróis talentosos (como Napoleão), que estão acima das leis ordinárias. Raskolnikov executou o crime sob o pretexto de que sua vítima estava neste grupo composto de pessoas indignas.

Curiosamente, o "salvador" de Raskolnikov é uma mulher jovem, Sonya, que faz parte de uma família pobre e que foi conduzida à prostituição pelo seu pai alcoólatra. Um dos clássicos do romance é a leitura da história da ressurreição de Lázaro para Raskolnikov, o assassino por Sonya, a humilde prostituta.
Através do persistente trabalho do detetive Porfírio e de sua suave persuasão de Sonya, Raskolnikov, eventualmente, confessa sua culpa e é condenado a trabalhos forçados na Sibéria, onde ele é fielmente acompanhado por Sonya.

O Idiota começa como um conto de Dostoiévski sobre a figura de Cristo, o homem ideal. Como Dom Quixote, no entanto, este homem honrado e atencioso (príncipe Míchkin) é muitas vezes tratado como um idiota. (Nosso termo "idiota" não chega a essencia do título russo.) O príncipe é ligeiramente socialmente inepto, despretensioso, ingênuo, excessivamente amigavel e inocente. Ele também possui próprio estigma social de Dostoiévski: ele é um epiléptico. No entanto, ele é cortês, gentil, suave e muito mais, uma verdadeira série de qualidades.

Príncipe Míchkin é atraído pelo retrato de Nastácia Filippovna, uma bela "mulher mantida". Ao retornar de um sanatório suíço, ele faz conexões com a família lepántchin e, finalmente, chega o momento de saber se ele vai se casar com a filha dos lepántchin, Aglaia. No entanto, ele ainda se sente atraído pela  Nastácia, que sofre de problema. Entretanto, em seu casamento com o príncipe Míchkin, um canalha rico chamado Rogozhin carrega Nastácia para longe. O livro termina estranhamente com o príncipe Míchkin e Rogójin (o assassino) sentado na mesma sala, sofrendo com o cadáver da mulher. Eventualmente, no entanto, a figura de Cristo aparente entra em colapso e retorna novamente ao seu antigo estado de incapacidade (física e mentalmente).


Os Demônios (cujo título também é variadamente traduzido como Os Possessos) é romance mais politicamente direcionado de Dostoiévski contra os revolucionários niilistas. Stepan Verkhovensky é um liberal aristocrático da década de 1840. Seu filho negligenciado, Petr, é um agitador niilista da década de 1860. Petr Verkhovensky admira um jovem chamado Stavrogin, que havia sido ensinado pelo pai de Petr. Stavrogin, misteriosamente frio, é o eixo em torno do qual outros personagens do romance gira. Os outros influenciados por ele, são Kirillov (um intelectual que se pronunciou o próprio Deus e comete suicídio) e Shatov (que quer sair do grupo de células  revolucionárias e por isso é assassinado pelo resto).




Todos os revolucionários são presos pelo assassinato de Shatov, exceto o principal catalisador, Petr Verkhovensky, que foge para a Europa. Seu pai, que tornou-se desiludido com a efervescência revolucionária, compara a situação ao relato evangélico dos demônios que são lançados no rebanho de suínos (daí o título do romance).

Livros de Dostoiévski foram serializados, mas uma seção de Demônios não foi permitida ser publicada em um jornal de família. É a confissão do estupro de uma menina menor de idade e seu conseqüente suicídio, o que culminou no próprio suicídio de Stavrogin.

Os Irmãos Karamazov é um dos principais candidatos como o melhor romance do mundo. Alyosha é - de acordo com o próprio autor - o personagem principal do romance, dentro de  seus quatro grandes romances, este vem mais próximo de apresentar uma coleção inteira de personagens principais. A família Karamazov é composta por quatro irmãos: Ivan é o ateu intelectual. Dmitri é o mulherengo emocional. Alyosha é o mais amável - um monge temporário. Smerdyakov é filho ilegítimo de seu pai, que é tratado como um servo da família.

Fiódor Pávlovitch Karamazov é um pai libertino e negligente. Ele ignora totalmente seus filhos e praticamente mantém um harém em casa. Dmitri (que é o mais parecido com o pai) vem a odiá-lo. A principal razão para o ódio é que ambos querem a mesma mulher, Grushenka. Porque Dmitri havia ameaçado matar seu pai e também por suspeitarem de ter usado o dinheiro de seu como suborno (para Grushenka), ele é acusado do assassinato de seu pai. No entanto, Smerdyakov, o lacaio, é o verdadeiro assassino.

No florescer do romance está um dos maiores argumentos anti-Deus da literatura, estabelecidas pelo Ivan Karamazov. Além das atrocidades recitadas por Ivan que foram cometidos contra crianças indefesas, ele apresenta um clássico sobre as tentações de Cristo. É chamado de "A Lenda do Grande Inquisidor". Também outro elogiado e comovente capítulo é o intitulado "Os Peritos Médicos e um Quilo de Nozes."
Embora ele não seja tecnicamente culpado do assassinato, Dmitri Karamazov é declarado culpado pelo tribunal do júri. Como Raskolnikov e o próprio Dostoiévski, Dmitri é condenado a Sibéria. De alguma forma todos os irmãos reconhecem sua culpa coletiva no assassinato.





IV. Avaliação Teológica

Neste momento, vamos avaliar cinco grandes pilares na estrutura teológica de Dostoiévski. Dostoiévski, é claro, não era um teólogo sistemático de profissão, então ele é ainda menos sistemático do que um pensador teológico, como John Wesley, na maneira como ele formula verdade.


A. Sua visão de Deus

Em geral, a doutrina de Deus de Dostoiévski parece ser ortodoxa. Ele não exibe nenhum vista dissidente, assim como seu contemporâneo Leo Tolstoy, que era anti-trinitário. Fato intrigante é que os ateus principais dos romances de Dostoiévski (Stavrogin e Kirillov em O Idiota, Ivan e Smerdyakov em Os Irmãos Karamazov, e Svidrigaylov em Crime e Castigo), todos cometem suicídio. É como se Dostoiévski estivesse dizendo que, pelo fato desses personagens deixaram a Vida - Aquele que é a vida - consequentemente não vêem sentido na vida e assim acabaram com suas vidas terrenas.

Em Demônios, o autor diz que "a fé em [Deus] é o refúgio para a humanidade ..., bem como a esperança de bênção eterna prometida para os justos ..." 

Deus foi o dado essencial sob todos os escritos de Dostoiévski. Isso não quer dizer que Dostoiévski não evitou em lutar com essa realidade. De fato, ele admitiu que iria lidar com as dúvidas até o dia de sua morte. Joseph Frank, em sua obra de cinco volumes sobre o famoso escritor comentou: "Dostoiévski estava tentando dizer... que o problema da existência de Deus o tinha atormentado por toda sua vida; mas isso só confirma que, para ele, sempre foi emocionalmente impossível  aceitar um mundo que não tinha nenhuma relação com um Deus de qualquer espécie. " Como sugerido anteriormente, o tipo cruel de pai do Dostoiévski que experimentou no início de sua vida, provavelmente, contribuiu significativamente para a criação de suas dúvidas  posteriores.

Ao filtrar teologia do romancista em seus escritos, é preciso levar em conta o fato de que nem todos os personagens de Dostoievski enunciam as crenças pessoais do autor. Na verdade, Dostoiévski "como um artista, concebeu direitos iguais aos seus ateus" e "E é nos ateus em suas novelas que mais falam teologicamente!”.

Um personagem em Os Irmãos Karamazov que reflete uma visão aberrante de Deus é um monge semi-louco chamado Padre Ferapont que faz uma comentários antibíblicos sobre o Espírito Santo. No entanto, a excentricidade geral que Dostoiévski atribui a esse personagem torna abundantemente claro que o próprio escritor não tem essa visão bizarra.

Nenhum grande analista levantou sérias questões sobre a visão ortodoxa de Deus que Dostoiévski aparentemente possuía.

B. Cristo

Enquanto Dostoiévski não se expressa em todas as ocasiões explicitamente na terminologia de um teólogo moderno, não parece haver dados significativos para não aceitar o romancista como ortodoxo em suas opiniões sobre a pessoa de Cristo. Dostoiévski não hesitou em falar de Cristo como o "Deus-homem". Mesmo o caráter anti-teísta em Ivan Karamazov refere-se à posição ortodoxa de Cristo como sendo "o único sem pecado" e indica que "Cristo era Deus ..." (Parte III, Livro V, cap 4). Também seu irmão Dmitri detém que "Cristo é Deus" (Parte I, Livro III, cap 5). Joseph Frank afirmou sobre romances e cartas de nosso autor: "A menos que rejeitada a veracidade das cartas, revelam Dostoiévski ser um cristão que acreditava em sua própria maneira, interiormente se esforçando para aceitar os dogmas essenciais da divindade de Cristo, a imortalidade pessoal, a segunda vinda e da Ressurreição. "



Em mais de uma ocasião Dostoiévski expressou uma opinião que deixaria um evangélico surpreso. Ele diz que se caso houvesse um confronto entre rejeitar a Cristo e a verdade, ele ficaria do lado de Cristo, defronte a verdade! Para aqueles que tomam João 14:6 pelo valor verdadeiro, a declaração atinge uma nota estranha. Provavelmente, a sua declaração é simplesmente uma hipérbole literária na adoração de Cristo.

Transcrito em seu caderno entre as notas de Dostoiévski nos seus últimos anos havia um plano de escrever um livro sobre a vida de Cristo. Obviamente, se ele tivesse vivido para cumprir a seu plano, uma determinação mais precisa poderia ser feita sobre a ortodoxia de sua posição. No entanto, ao longo de toda a gama de suas publicações, o autor não havia escrito nenhuma nota inquietante sobre este assunto, por isso, parece melhor assumir, como até mesmo os analistas seculares fazem, que o grande russo foi amplamente ortodoxo sobre a divindade e a humanidade de Cristo.

C. O Pecado

O último livro que Dostoiévski tinha a esperança de escrever deveria ser  intitulado “A Vida de um Grande Pecador”. Depois que Dostoiévski se tornou famoso, as pessoas escreviam para ele da maneira que fazem hoje a Ann Landers, pedindo conselhos. Consequentemente, Dostoiévski respondeu a uma mãe desconhecida em 1878 (relativo a um problema de criança): "se a criança é ruim, da culpa cabe ... tanto com suas inclinações naturais (porque uma pessoa certamente nasce com elas) e aqueles que o criaram até então ... "9 Este comentário revela que Dostoiévski certamente tratava o pecado inato e instintivo.

Em uma ocasião, Dostoiévski ofereceu algo de sua própria definição: "Quando um homem não tem cumprido a lei do esforço em direção a um ideal, isto é, se não através do amor sacrificou seu ego com as pessoas ... ele sofre e chama essa condição de pecado." Isso é quase uma definição formal a ser encontrada em um livro teológico, e nem têm uma orientação vertical (ou Godward). Pelo contrário, é uma cristalização experiencial que ele trabalhou em meio a vida do âmago da questão e é congruente com a sua compreensão do sofrimento (que será tratada na próxima seção).

William Leatherbarrow falou sobre como a experiência da prisão, nos campos da Sibéria, através do contato próximo com os criminosos "desenganou Dostoiévski das utopias que acreditava anteriormente e na fé da bondade essencial do homem ..."  Dostoiévski refere a um prisioneiro no campo como um "Quasimodo moral." A realidade obstinada do pecado corre como um rio subterrâneo debaixo de toda a escrita romanesca de Dostoiévski.

Homileticamente, o pecado revela-se graficamente no corpus de Dostoiévski em pelo menos quatro características (tudo começa com a letra "s"). Primeiro, o pecado é visto como rancor ou maldade. Próprio Dostoiévski era uma pessoa muito irritável e maldosa. Sua segunda esposa, Anna, cita (depois que seu marido tinha insultado um garçom) que "ele não podia conter seu rancor."

Os romances de Dostoiévski são repletos do termo "rancor" e seus cognatos. Em Crime e Castigo, Raskolnikov, o assassino tem um "maldoso ... sorriso nos lábios ..." (Parte I, cap 3). Em "Uma criatura dócil", uma história curta, as observações do narrador para uma menina de quinze anos de idade: "Eu era rancoroso." Em Demônios pode-se encontrar a terminologia "rancor"  pp. 252, 255, 340-41, 378 (duas vezes), 441, 461, 521, 524, 533, 558, 591, 610, 612, 617, 675 (duas vezes) , 676, 693, e 701.

A segunda forma figurativa que o pecado assume na obra de Dostoiévski é o de "passar por cima". Esta linguagem visual imediatamente lembra o estudante da Bíblia do conceito de transgressão (passando por cima de um limite). Por exemplo, quando Raskólnikov comete seu assassinato, a nota simbólica da seu "passou dos limites" o limite é explicitamente mencionado (como é em outras ocasiões significativas).

A terceira representação do pecado toma a forma de poluição. Dostoiévski escreveu uma vez em sentido figurado: "O pecado é ... fumaça, e a fumaça desaparece quando o sol se levanta no seu poder."

A quarta alegoria para o pecado no Dostoiévski é o de cisma ou divisão. O teólogo liberal Paul Tillich uma vez retratou o pecado em termos de "lacunas e que se divide." O pecador principal (Raskolnikov), em Crime e Castigo carrega em seu nome russo a raiz raskol, que significa "cisão". Berdiaev afirmou: "Essa clivagem no espírito ... é o tema essencial de todos os romances de Dostoiévski."  William Leatherbarrow ao analisar a condição humana em nosso tema, afirmou: "O homem nas obras de Dostoiévski, como na Gênesis, é trágico, criatura dividida, excluídos paraíso, mas com o desejo de reconciliação. "

Galeria de personagens de Dostoiévski consiste em um desfile de casos clínicos de psicologia anormal. (Aliocha em Os Irmãos Karamazov é um dos muito poucos caracteres normais e saudáveis no seu cânone de obras). Este fenômeno de divisão revela-se repetidamente ao longo de seus contos e romances. A divisão assume a forma de ódio e irracionalidade, um desejo de agradar, mas apenas um desejo, como diz o Homem do Subterrâneo (ou narrador), em Notas do subterrâneo.

Um dos casos mais intrigantes de todos para os estudantes da Bíblia é a história de "O Duplo”. É praticamente um ensaio sobre o clássico capítulo de Romanos 7. "O Duplo" narra o caso de um funcionário civil, cujos problemas sociais levá-lo a ter alucinações, criando assim a sua própria "personalidade dupla que se separou de seu verdadeiro eu." (Dostoiévski, muitas vezes possui o dom de escrever de modo que o leitor não pode sempre dizer que é pretendido como fato e o que é pretendido como fantasia.) O teólogo Bernard Ramm analisou esta fissura-na-the-alma como fascinante, tirando os paralelos entre Romanos 7 e de Dostoiévski "O Duplo".

Como os principais existencialistas, Dostoiévski realizou uma teologia cristã ao pintar os retratos de pessoas de uma forma que é consonante com a da ortodoxia cristã. Berdiaev afirmou que Dostoiévski "descobriu uma cratera vulcânica em cada ser."  E estes vulcões são sempre estrondosos!

D. Salvação

Em O Idiota, em seu aniversário, o príncipe Míchkin desafia os ateus presentes ao dizer "com o que eles vão salvar o mundo?" De um modo geral Dostoiévski respondeu à pergunta de seu personagem em uma carta: "O cristianismo sozinho... a salvação da terra russa de todos os seus sofrimentos e mentiras." Leatherbarrow chamou Dostoiévski "um romancista com uma missão. Não deve haver harmonia sem redenção, não há salvação sem Deus, e não há paraíso na terra " Joseph Frank avaliou: " Os valores de expiação, perdão e amor estavam destinados a ter precedência sobre todos os outros no universo artístico de Dostoiévski ... "

Inicialmente, parece necessário dizer algo sobre o gênero de literatura em nossa análise aqui. Uma novela não foi concebida como um aparelho evangelístico. Um tristes dilemas é que um leitor cristão, muitas vezes parece ter de escolher entre uma profunda leitura de Dostoiévski (cujas obras podem aparecer defeituosas evangelicamente falando) e alguns romances banais "cristão" tudo em volta sobre o personagem principal ser salvo.

Do paragrafo anterior, o leitor pode já sentir que (enquanto suas doutrinas de Deus, Cristo e o pecado aparecem razoavelmente ortodoxos), a doutrina da salvação de Dostoiévski deixa algo a desejar, do ponto de vista bíblico. Se Dostoiévski possuía uma "missão" (termo de Leatherbarrow), qual era a sua missão? Na luz de uma missão bíblica, as soluções de Dostoiévski ficaram aquém de uma marcação. 

Na melhor das hipóteses, os grandes romances de Dostoiévski podem ser descrito como pré-evangelísticos. Se o romancista estava planejando oferecer uma resposta distintivamente cristã, Dmitri Karamazov (em Os Irmãos Karamazov), Raskolnikov (em Crime e Castigo) e Stepan Verkhovensky (em Demons) estão fora do alvo. No final destes três grandes romances todos os três personagens estão preparados para a conversão, mas o melhor que é dado cai sob a categoria de sugestões esperançosas. Boyce Gibson observa: "No epílogo de Crime e Castigo, Raskolnikov evita a fórmula cristã [de conversão]..." Da mesma forma, Richard Paz comentou sobre Stepan Verkhovensky (em Os demônios) que suas "últimas palavras... parece mais de acordo com algumas ideias vagas teístas dos anos [18]40 anos do que com o verdadeiro cristianismo.”.

E que diremos da "conversão" de Alyosha? Alyosha (tendo passado por algumas sérias dúvidas) atirou-se sobre a terra para beijá-la. "Alguma coisa... inabalável, como a abóbada celeste por cima dele, estava entrando em sua alma por toda a eternidade" (Os Irmãos Karamazov, Parte II, Livro VII, capítulo 4). Alyosha articula sua experiência ao afirmar: "Alguém visitou minha alma naquele momento." Uma experiência extática, sim. Uma conversão cristã? Na melhor das hipóteses, um analista deve manter uma postura agnóstica sobre o assunto. É sem dúvida um grande grito do "Jesus é o Senhor" experiência de Saulo de Tarso em Atos 9. Não há conteúdo proposicional real ou referenciais teológicos identificáveis para encontro místico de Alyosha. Quem é o "alguém" que encontra Alyosha?

Padre Zósima é o ancião amável do mosteiro (em Os Irmãos Karamazov) para que Alyosha está temporariamente ligado. Padre Zósima diz a seu inquiridor: "Não é apenas um meio de salvação... se leve e torne-se responsável pela vida de todos os homens." Para um cristão o que é o "único meio de salvação..."? A resposta de Padre Zósima dificilmente é considerada a resposta ortodoxa à pergunta. Parece anos-luz de distância de Atos 16:31.

Ivan surpreende Alyosha com argumentos intelectuais ateístas.  Uma das respostas de Alyosha é dizer a Ivan "Amar a vida acima de tudo" a esta declaração Ivan responde "Mais do que o sentido da vida?” Alyosha responde: ”Metade seu trabalho está feito, Ivan, você ama a vida, agora você só precisa fazer a segunda metade [presumivelmente para encontrar o significado da vida] e você está salvo.” São declarações estranhas a qualquer cristão evangélico.

De seus outros escritos sabemos que em Notas do Subterrâneo, Dostoiévski tinha planejado "para defender a fé cristã como um meio de alcançar a liberdade moral", mas "que os porcos censuraram" (como Dostoiévski chamava os que trabalhavam com a censura) não o permitira a publicar uma mensagem cristã através da voz de um personagem tão não-cristão. Dostoiévski se queixou de que o governo censurou a parte onde havia a necessidade da fé e Cristo. Se tivéssemos esta versão sem censura talvez poderíamos ser capazes de avaliar melhor a soteriologia de Dostoiévski.

Há um tema sob essa rubrica, no entanto, que é tão difundido nos escritos de Dostoiévski que não pode ser ignorado. Esse é o tema da salvação através do sofrimento. Em 1960, Martin Luther King, Jr., falou sobre "a convicção de que sofrimento imerecido é redentor." Suspeita-se que Martin Luther estava falando de libertação social. No entanto, o que exatamente Dostoiévski quis dizer usando linguagem semelhante permanece ambígua.

Berdiaev declarou: "Dostoiévski acreditava firmemente no poder redentor e regenerativo do sofrimento: a vida é a expiação do pecado, pelo sofrimento" Quando Dostoiévski colocou no papel o seu plano de Crime e Castigo, ele transcreveu, "O criminoso se resolve ao aceitar sofrimento e assim expiar sua ação”. Dunya adverte Raskolnikov: "Sofra e deixe expiar seus pecados" (Crime e Castigo, Parte V, cap 4). Mais tarde, o detetive Porfírio declara para o assassino, "Este pode ser um meio de Deus para te trazer de volta a ele" (Parte VI, capítulo 2). A irma de Raskolnikov pergunta a seu irmao, que esta a ponto de confessar: "Você não está em parte expiando o crime, enfrentando o sofrimento?" (Livro VI, capítulo 7).






Em Demônios, o quase sociopata Stavrogin confessa: "Eu quero perdoar a mim mesmo e esse é o meu objetivo... inteiro" (por sua responsabilidade no suicídio de uma jovem). Ele continua: "É por isso que eu procuro sofrimento sem limites.” Para Stavrogin, Bispo Tikhon oferece o estranho conselho (do ponto de vista bíblico): “. Cristo... vou te perdoar, se somente você perdoar a si mesmo". Será que algum apóstolo diria isso a um indagador fervoroso?

William Leatherbarrow anunciou: "Em Humilhados e Ofendidos, pela primeira vez nos romances de Dostoiévski, a idéia do poder de cura espiritual do sofrimento se opõe ao sonho de céu na terra." Enquanto ele analisa o sofrimento físico de Dmitri e sofrimento mental de Ivan (em Os Irmãos Karamazov), Leatherbarrow conclui: "Todos devem ser resgatados através do sofrimento." No mesmo romance um homem que projetou um assassinato bem-sucedido sem ser pego diz: "Eu quero sofrer por meus pecados" (Parte II, Livro VI, capítulo 2). Finalmente, Alyosha diz para Dmitri (depois que ele for condenado, injustamente, por homicídio): "você queria fazer-se [um novo homem] pelo sofrimento" (Epílogo, cap 2). Em outro lugar Dmitri declarou: "Eu quero sofrer e pelo sofrimento eu devo purificar-me" (Parte III, livro IX, cap 5).

Em uma ocasião, Dostoiévski escreveu a sua esposa: "Deus me deu você para que ... eu pudesse expiar meus grandes pecados ..." A repetição desta salvação através do tema sofrimento é muito inexorável em Dostoiévski para ser subestimado. Joseph Frank concluiu que "o maior objetivo do cristianismo de Dostoiévski ... não é a salvação pessoal, mas a fusão do ego individual com a comunidade em uma simbiose de amor; o único pecado que Dostoiévski parece reconhecer é a incapacidade de cumprir esta lei do amor ".
O livro de Hebreus parece conceder algum poder pedagogico aperfeiçoando o sofrimento quando corretamente é respondido. (veja Hb 2:10, 5:9; 12:2-11). Deus usa o sofrimento como uma ferramenta de ensino para nos conformar a Cristo. No entanto, Dostoiévski (através da boca de seus personagens) parecia investir na ideia do sofrimento como um poder de regeneração espiritual - e isso, devemos repudiar. Enquanto Dostoiévski oferece soluções espirituais para a regeneração através de seus personagens para outros personagens carentes em seus romances, eu não encontro  qualquer prescrição bíblica clara para a salvação pela graça mediante a fé em Jesus Cristo.

Em relação ao catolicismo romano, Dostoiévski estabeleceu inúmeros discursos inflamados e virulentos em seus livros. No entanto, nunca é claro se ele está tomando catolicismo em sentido de soteriologia não-bíblica. Ele viu o poder temporal do catolicismo romano como a principal ameaça à verdade e observou isso como uma possível adesão ao socialismo ateu.


E. Escatologia

"O fim do mundo está chegando", escreveu Dostoievski em suas notas. No tempo em que Dostoiévski vivia, havia um excesso de Irreligião (sob a forma de ateísmo) e um excesso da religião (sob a forma de apocalipticismo). Há uma quantidade considerável de conversa apocalíptica ocorrendo em ambos O Idiota e Os Demônios.

Um dos personagens menos sérios em O Idiota, Lebedyev, é um "intérprete auto-intitulado do Apocalipse" [isto é, o livro do Apocalipse]. Em linha com Matt 24:6, Dostoiévski observou que "o próprio Cristo ... previu ... que luta e desenvolvimento irá continuar até o fim do mundo ..." Em Recordações da Casa dos Mortos, há uma discussão sobre a possibilidade do retorno dos judeus para Jerusalém.

Apocalipse 6 surge em uma conversa entre Lebedyev e o príncipe Míchkin (em O Idiota). Obviamente, o intérprete, neste caso, adota uma posição historicista, citando eventos em Apocalipse 6 com o mundo contemporâneo de 1800. Lebedyev diz: "Ela concordou comigo que estamos vivendo na era do terceiro cavalo, o negro [Apocalipse 6:05, 6], e o cavaleiro que tem uma balança na mão, vendo que tudo na idade atual é pesado na balança e mediante acordo, e as pessoas estão em busca de nada, mas os seus direitos - uma medida de trigo por centavos, e três medidas de cevada por um centavo '... e depois seguirá o cavalo amarelo e ele, cujo nome era Morte e com quem o inferno seguirá ... [Apocalipse 06:08] " (Parte II, capítulo 2). A interpretação apocalíptica de Lebedyev mais tarde é chamada de “mero charlatanismo” pelo general Ivolgin (na Parte II, cap 6). No mesmo livro o nome da Princesa Belokonskaya reflete o simbólico quarto cavalo do Apocalipse 6, para o belo em russo significa "branco" e kon significa "cavalo".

Em Os Irmãos Karamazov Ivan interpreta Apocalipse 08:11 como a heresia de se manifestar com o anti-supernaturalismo do iluminismo Alemão, mais uma vez um exemplo de uma hermenêutica historicista. Lebedyev (em O Idiota) conecta a Estrela que cai, no Apocalipse 08:11 - surpreendentemente - com a rede de ferrovias europeias (Parte II, capítulo 11)!

Apocalipse 10:06 também aparece em dois romances apocalípticos chefe de Dostoiévski. Em Os Demônios diz  "no Apocalipse, o anjo jura que o tempo não mais existirá" (Parte II, cap 5). A doente Ipolit ironicamente clamando pela morte brinca sobre o Apocalipse 10:06 (à luz de seu suicídio secretamente projetado), quando ele informa o príncipe Míchkin: "amanhã não haverá 'mais tempo'" (parte III, cap 5). Em seguida, ele pergunta: "E você se lembra, príncipe, que proclamou que não haverá" mais tempo "? Foi proclamada pelo grande e poderoso anjo no Apocalypse". Claro, a maioria das versões modernas da Bíblia entendem o "tempo ... não mais" na forma como na versão do New King faz: "não deve haver mais demora." Enquanto isso a retradução enfraquece as idéias dos dois intérpretes anteriores, no entanto, revela a familiaridade de Dostoiévski com o texto do Apocalipse.


O sistema de interpretação que giram em torno Apocalipse 13 e o Anticristo também faz sentir a sua presença nos romances de Dostoiévski. "É verdade que você expôs o  Anticristo?", Lebedyev o interprete amador é solicitado (O Idiota, Parte II, capítulo 2). Lebedyev respondeu que "desdobrou a alegoria e as datas embutidos ali”.

A maioria dos analistas literários concordam em ver o Stavrogin da obra Os Demônios como uma figura do anticristo. Stavrogin não é flagrantemente vilão, mas ele é a personalidade polar, de sangue  frio, ousado e imprevisível atraves do qual muitos dos outros personagens da novela gira. O nome Stavrogin está relacionado com a palavra bizantina Stavros (e stauros em grego), que significa "cruz". No entanto, a parte rog de seu nome russo significa "chifre", fazendo com que o estudante de escatologia pense no Apocalipse 13:01 e Dan 7:20-25.39 Além disso, o primeiro nome de Stavrogin é Nikolai (que significa "conquistador do povo"), como o nome dos Nicolaítas em Apocalipse 02:06 e 15.

O principal capanga de Stavrogin é Peter Verkhovensky. Verkhovenstvo em russo significa "supremacia". Verkhovensky é o mesquinho, niilista revolucionário e agitador.Ele diz para Stavróguin, "Você é o meu ídolo" e "Eu tenho de inventar você" (Parte 2, capítulo 8). Com essas noções deve ser comparado ao Ap 13:11-15. Na narrativa Verkhovensky é um incendiário, de modo que, na verdade, traz o fogo à terra, em paralelo com Apocalipse 13:13. Em Demônios o condenado Fiedka fala com Verkhovensky "todas as bestas a partir do livro do Apocalipse" (parte III, cap 3).

Também em Os Demônios nas conversações intelectuais de Kirillov para Stavróguin sobre "o deus-homem". Para estas perguntas Stavróguin diz "[Você quer dizer que] o Deus-homem [pelo qual ele se refere a Cristo]?" Kirillov na sua vez reencontra, "O Homem-Deus - que é toda a diferença" (Parte II, cap 5). Novamente, o estudante da Bíblia não pode deixar de refletir sobre a paródia de Cristo encontrado no anticristo (como em 2 Tessalonicenses 2:3-4).

Em Crime e Castigo Marmeladov, o pai alcoólatra, refere-se a os bêbados "feitos à imagem da besta e sua marca" (Parte I, cap 2). Comparação com o Apocalipse 13:15-17. Conseqüentemente, o pensamento e a terminologia do Apocalipse cap13 desempenhou um papel significativo no pensamento de Dostoiévski.
Um paralelo com Apocalipse 17 e 18 vem à tona quando a Europa da década de 1860 é comparada a Babilônia: "sua Babilônia está realmente para entrar em colapso; grande será a sua queda..." (Os demônios, Parte II, cap 5).

Joseph Frank escreveu que Dostoiévski "procurou a aceitar os dogmas essenciais da divindade de Cristo, a imortalidade pessoal, a Segunda Vinda e da Ressurreição." Quando Raskolnikov (em Crime e Castigo) decide não acabar com sua vida em um rio "ele não conseguia entender que a sua decisão contra o suicídio surgiu a partir de um pressentimento de uma futura ressurreição e uma nova vida. "

Em Os Demônios, Shatov, um nacionalista que apóia o cristianismo, embora ele próprio não seja cristão, "acredita que a segunda vinda de Cristo será entre o povo russo, que irá, em seguida, trazer o renascimento espiritual do resto do mundo." Assim, um dos personagens de Dostoiévski oferece um locus mais interessante para o retorno de Cristo.

Em Os Irmãos Karamazov, Ivan refere-se ao retorno de Cristo em glória celestial, como um relâmpago (Parte II, Livro V, cap 5). Mais tarde, o amigo do Padre Zosima diz: "O sinal do Filho do Homem vai ser visto nos céus" (Parte II, Livro VI, capítulo 2), como em Mateus 24:30.

Os Irmãos Karamazov termina com uma nota importante. Depois de voltar do funeral do menino Ilyusha, o jovem Kolya pergunta Alyosha: "Pode ser verdade o que nos ensinaram na religião que todos nós ressuscitarão dos mortos e viverá para nos ver outra vez, Ilyusha também?" À pergunta do jovem Alyosha responde: "Certamente" (Epílogo, cap 3).

O julgamento não está faltando nos romances de Dostoiévski. Frank observa que, no corpus dos romances há um "espreita iminência do Dia do Juízo e do Juízo Final." Os Demônios se refere ao Juízo Final (Parte I, cap 4).

Inferno parece ser uma realidade em Dostoiévski. Dmitri Karamazov pergunta se ele vai "para o Céu ou para o Inferno...?" (Os Irmãos Karamazov, Parte III, Livro IV, cap 8). Berdiaev informou que "mal [por Dostoiévski] era ruim, e devia ser queimado no fogo do inferno." Afirmou: "Uma característica marcante de Os Irmãos Karamazov... é a medida que os personagens são obcecados pelo inferno ..." O pai libertino (em Os Irmãos Karamazov) declarou: "Eu acredito no inferno" (Parte I, Livro I, cap 4). No entanto, Padre Zosima "não acredita literalmente no fogo do inferno."

Em resumo, então, Dostoiévski mostra um respeito geral para a escatologia da Bíblia, embora alguns de seus personagens promovessem interpretações bizarras. Em O Adolsecente, "Versilov fala da Segunda Vinda que vai acabar com o hino arrebatador que saúda" a última ressurreição. ".

Assim, Dostoiévski parece concordar com a ortodoxia histórica que a Segunda Vinda de Cristo é que o um evento divino distante para o qual todos a criação se move.

IV. Dostoiévski era um Cristão?

A conclusão do filósofo Nicholas Berdiaev é: "Eu, pessoalmente, não conheço nenhum escritor mais profundamente cristão que Dostoiévski ..." e afirma que Dostoiévski "amou Cristo profundamente..." Dadas tais conclusões complementares, alguns leitores poderiam considerar quase um sacrilégio para levantar a pergunta que intitula este secção do artigo. No entanto, uma vez que os cristãos são ordenados a ser testadores (em 1 Tessalonicenses: 5:21 e 1 João 4:1), a questão deve ser considerada uma questão legítima de levantar, especialmente à luz do que foi previamente discutido sobre o defeito da soteriologia. Vamos fazer um levantamento da herança religiosa de Dostoiévski e, em seguida, lidar com a questão de possíveis pontos de conversão em sua experiência.

A. Sua Herança Religiosa

Dostoiévski foi criado dentro do seio da Igreja Ortodoxa Russa. Seu avô era um arcipreste, seu tio era um padre da aldeia, três tias casaram sacerdotes da aldeia, e seu pai até participou do seminário por um tempo. Além disso, seu avô materno corrigiu provas de legislação teológica em Moscou. Dostoiévski disse "Eu vim de uma família russa piedosa... Em nossa família, nós sabíamos o Evangelho quase desde o berço". Ainda na sua infância iniciou leitura de 104 histórias sagradas do Antigo e Novo Testamentos. Jó foi uma das histórias da Bíblia que mais o fascinou ainda jovem. Além disso, um diácono visitou a casa Dostoiévski e ensinou lições bíblicas "de uma hora e meia a duas horas" a cada semana.

Um item estratégico na história de Dostoiévski  foi o envio de uma cópia do Evangelho por uma mulher enquanto estava a caminho da prisão na Sibéria. Uma das três, Natalya Fonvízina "sabia [da Bíblia] quase de cor, ela lê as obras dos Padres da Igreja Ortodoxa e os escritores das igrejas católicas e protestantes..." Dostoiévski valorizou e preservou este presente do Evangelho até o dia de sua morte, como já observamos.
B. A questão da conversão

Esta é uma pergunta complicada, porque Dostoiévski era uma pessoa complexa, com textos complicados. A questão é agravada pelo seu envolvimento na Igreja Oriental. Quando pequeno, Fyodor disse que fazia orações diárias em fronte  do ícone da família da Virgem Maria: "Mãe de Deus, mantenha-me e guarda-me em tuas asas!" Sua segunda esposa relatou que ele falava esta oração favorita com seus filhos todas as noites. Muitas vezes, essas igrejas orientais não enfatizam a importância de uma decisão de conversão clara.
É possível que Dostoiévski começou a acreditar em Cristo durante a sua experiência de infância. Como muitas crianças que crescem em uma família cristã, pode ser difícil de rastrear qualquer tipo de antes e depois dessa experiência. Essa pode ser uma das possibilidades para tentar localizar um ponto de partida para o cristianismo de Dostoiévski.

Sua experiência traumática em ter sua vida poupada diante do pelotão de fuzilamento, em 1849, deixou a sensação de que ele tinha recebido uma nova vida, uma espécie de ressurreição, mas outros fatores documentados parece ser contrario este evento que está sendo avaliada como uma conversão cristã. Suas palavras relatadas para seu irmão Mikhail naquela ocasião eram. "Agora, na mudança de a minha vida, estou a renascer em uma nova forma. Irmão! Eu juro que eu... vou manter a minha alma e meu coração puro. Vou renascer para o melhor. Essa é toda a minha esperança, toda a minha consolação!" Note que o escritor diz “eu renasci” e “estou a renascer”. Por causa daquilo que Dostoiévski disse anteriormente a outro prisioneiro, é melhor assumir que aqui ele estava simplesmente usando uma linguagem figurada. Ele foi, sem dúvida, rejuvenescido, mas pouco provável que tenha regenerado neste momento da sua vida. Ele usou palavras similares, quando as correntes de suas pernas foram retiradas após a sua libertação da prisão da Sibéria (“Liberdade, vida nova, a ressurreição dos mortos”!...).

Se Dostoiévski já era um cristão antes de ele sair da Sibéria, em 1859, ele "nunca pareceu crescer como cristão", relatou um repórter anônimo do Christianity Today. "Ele teve um caso. Ele se tornou um jogador compulsivo e perdeu tanto dinheiro que foi praticamente à falência.". 59 Este vício do jogo, que colocou sua família em situação de pobreza, é narrada no romance de Dostoiévski O Jogador.

Outra experiência enquanto estava na prisão siberiana é frequentemente citada pelos biógrafos. Durante uma semana da Páscoa, na prisão, Dostoiévski relatou uma experiência mística. Antes disso, ele tinha desprezado os outros presos. Depois sua atitude foi completamente alterada. Ele relatou: "... de repente senti que eu poderia olhar para esses infelizes com olhos bastante diferentes, e de repente, como que por milagre, todo o ódio e rancor tinham desaparecido do meu coração." No entanto, como Joseph Frank avalia esta "conversão, “não era a fé em Deus ou Cristo ... mas sim, é uma fé nas pessoas russas comuns”. A regeneração de Dostoiévski [aqui] ... centra principalmente em suas relações com as pessoas ... " Esta foi uma conversão social e não estritamente espiritual.

O principal problema com a salvação de Dostoiévski é a sua doutrina da salvação conforme expresso (ou não expressa) em seus romances. É que existe tal ênfase sobre a salvação pelo sofrimento e este tema levanta questões reais sobre um cristianismo autêntico famoso no próprio autor. Dostoiévski, sem dúvida, acreditava que ele tinha uma missão religiosa em sua escrita, mas existe uma mensagem clara, e de como se tornar um cristão, através dos grandes romances. Na melhor das hipóteses, eles têm um propósito pré-evangelístico, que é de fato uma função valiosa. No clímax de seus romances o cristianismo vem através de uma luz cintilando no final de um túnel escuro. Mesmo o filosofo Berdiaev, famoso por elogiar Dostoiévski, observou que o famoso russo "não nos diz como adquirir [a liberdade de espírito], como podemos alcançar a autonomia espiritual e moral..."

Em uma carta de 1875, Dostoiévski aconselhou NL Ozmidov: "Não seria melhor para voce ir direto ao ponto ... se você ler um pouco mais atentamente as epístolas de São Paulo?" Ah, só podemos desejar que Dostoiévski tivesse atendido a sua advertência quando veio com o tema da soteriologia!


Felizmente, existem algumas evidências que pode ser feita no lado positivo da cerca. Temos própria expressão de Dostoiévski: "Se você acredita em Cristo, então você vai viver eternamente." Sua esposa Anna também narrou uma visita a um mosteiro onde seu marido foi perguntado à queima-roupa por um Padre se ele era um crente . Para o Padre, Dostoiévski respondeu que era. Quando Dostoiévski estava prestes a ser atirado em 1849, um companheiro de prisão chamado FN Lvov documentou que Dostoiévski exclamou para Spechniev: "Vamos estar com Cristo." (O problema aqui é que Spechniev era um ateu conhecido!) William Lyon Phelps, um professor cristão da Universidade de Yale, reconheceu que Dostoiévski "encontrou na religião cristã a única solução do enigma da existência ..." 


V. Conclusão

Sua apresentação de Deus, Cristo e o pecado são geralmente alinhados com o pensamento teológico da ortodoxia cristã. Infelizmente, porém, as suas cristalizações que se relacionam com o tema da salvação em suas novelas, muitas vezes aparecem com defeito. Nós sofremos por nossos pecados, ou (como o Novo Testamento declara) Cristo suficientemente sofreu por nossos pecados (Hb 9:26-28; 1 Pe 2:21-24; 3:18)? Dostoiévski quase parecia abraçar um purgatório na presente vida. O sofrimento aqui na terra é purificador, regenerativo para ele, que não se enquadra com o que o Novo Testamento ensina. O sofrimento fez provar pessoalmente benéfico na própria vida de Dostoiévski, então ele provavelmente leu seu Novo Testamento através desta ótica. Mas a experiência não será necessariamente prescritiva para a um esclarecimento.




Do Jornal da Graça da Sociedade, Outono 1997 - Volume 10:19.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

O Destino dos Impérios (Por John Glubb)

Recortes do livro chamado O Destino dos Impérios 



I - Aprendendo com a História
Para obter qualquer instrução útil da história, parece-me essencial antes de tudo, compreender o princípio de que a história, para ser significativa, deve ser a história da raça humana. De forma que a história seja um processo contínuo, gradualmente em desenvolvimento avançando e retrocedendo, mas, em geral, avançando em uma única poderosa correnteza. Qualquer lição útil deve ser aprendida pelo estudo de todo o fluxo de desenvolvimento humano, e não pela seleção de períodos curtos aqui e ali em um ou outro país.
[...]
Em todas as idades, a cultura são derivadas de seus antecessores, acrescenta-se alguma contribuição própria, e passa-lo para seus sucessores. Se boicotar vários períodos da história, as origens das novas culturas surgiram não poderão serem explicadas.



II - A vida dos Impérios

Se desejarmos conhecer as leis que regem a ascensão e queda dos impérios, o caminho óbvio é aquele de investigar as experiências imperiais gravadas na história e tentar deduzir a partir deles as lições que parecem ser aplicáveis a todos eles.

Possuímos uma quantidade considerável de informações sobre muitos impérios registrados na história, de suas vicissitudes e as durações de suas vidas, por exemplo: 



III - O Critério Humano

Uma das poucas unidades de medida que não foi seriamente alterada desde os assírios é a "geração" humana, um período de cerca de vinte e cinco anos. Assim, um período de 250 anos, representaria cerca de dez gerações de pessoas. Um exame mais detalhado das características da ascensão e queda das grandes nações podem destacar a importância da sequência das gerações.
Vamos, então, tentar examinar as fases da vida das nações poderosas. 

IV - Estágio um. A explosão
Repetidas vezes na história, encontramos uma pequena nação, tratada como insignificante por seus contemporâneos, e que de repente emerge de sua terra natal e invade grandes áreas do mundo. Antes de Philip (359-336 aC), a Macedônia tinha sido um estado insignificante, ao norte da Grécia. A Pérsia era o grande poder no tempo em questão, dominando completamente a área da Europa Oriental até a Índia. No entanto, por volta de 323 aC, 36 anos após a adesão de Philip, o Império Persa tinha deixado de existir e o Império Macedônio se estendia do Danúbio para a Índia, incluindo o Egito.

[…]
O Profeta Maomé pregou na Arábia, por volta de dC 613-632, quando ele morreu. Em 633, os árabes explodiram de sua península deserta, e atacaram simultaneamente as duas superpotências. Dentro de vinte anos, o Império Persa tinha deixado de existir. Setenta anos depois da morte do Profeta, os árabes haviam estabelecido um império que se estendia desde o Oceano Atlântico até as planícies do norte da Índia e as fronteiras da China.
No início do século XIII, os mongóis eram um grupo de tribos selvagens nas estepes da Mongólia. Em 1211, Genghis Khan invadiu a China. Por volta de 1253, os mongóis tinham estabelecido um império que se estendia desde a Ásia Menor até o Mar da China, um dos maiores impérios que o mundo já conheceu.


V - Características da Explosão
Essas explosões súbitas são normalmente caracterizadas por uma exibição extraordinária de energia e coragem. Os novos conquistadores são normalmente pobres, resistentes e empreendedores e, acima de tudo, agressivos. Os impérios decadentes os quais derrubam são ricos, mas possuem um espirito de defesa. No tempo da grandiosidade romana, as legiões comumente cavavam uma vala em volta de seus acampamentos durante a noite para evitar surpresa.
Mas as valas eram meras obras de terraplanagem, e entre eles, amplos espaços foram deixados através do qual os romanos poderiam partir para o contra-ataque. Mas, como Roma cresceu, a técnica das valas foi transformada em altos muros, através do qual o acesso era dado apenas por portas estreitas. O contra-ataque já não era mais possível. As legiões eram agora defensores passivos.
[...]
Outra peculiaridade do período dos pioneiros é sua capacidade de improvisar e experimentar. Desatrelados de tradições, eles transfonarão qualquer coisa disponível para o seu propósito. Se um método falhar, eles tentam outra coisa. Desinibidos por livros ou textos  de aprendizagem, a ação é a solução para todos os problemas.
Pobres, resistentes, mal vestidos e muitas vezes quase mortos de fome, eles abundam em coragem, energia e iniciativa, superaram todos os obstáculos e sempre parecem estar no controle da situação.


VIII - O Curso do Império
A primeira fase da vida de uma grande nação, portanto, após sua explosão, é um período de iniciativa incrível, e empreendimento quase inacreditável, coragem e ousadia. Estas qualidades, muitas vezes em um curto espaço de tempo, produzem uma nova e formidável nação. Estas primeiras vitórias, no entanto, são vencidas principalmente por bravura imprudente e inciativas ousadas.

Em outros campos, a iniciativa ousada dos conquistadores originais é mantida na exploração geográfica, por exemplo: novos países a serem explorados, penetrando novas florestas, escalando montanhas inexploradas e e navegando em mares desconhecidos. A nova nação está confiante, otimista e talvez desdenhosa das raças "decadentes" que subjugaram. 

X - Expansão Comercial
A conquista de vastas áreas de terra e sua submissão a um governo, age automaticamente como um estimulante para o comércio. Os bens podem ser trocados por distâncias consideráveis.
Além disso, se o Império for extenso, que inclui uma grande variedade de climas, produzindo produtos extremamente variados, as diferentes áreas costumam desejar trocar artigos umas com as outras. A velocidade de métodos modernos de transporte tende a criar em nós a impressão que o comercio em grandes distancias é um desenvolvimento moderno, mas este não é o caso. Objetos feitos na Irlanda, Escandinávia e China foram encontrados nos túmulos e ruínas do Oriente Médio, que data de 1000 anos antes de Cristo. Os meios de transporte eram mais lentos, mas, quando um grande império estava em controle, o comércio estava livre das inúmeras correntes que lhe são impostas hoje pelos passaportes, autorizações de importação, alfândega, boicotes e interferência política. [...]

Mesmo impérios selvagens e militaristas promoveram comercio com ou sem a intenção de fazê-lo. Os mongóis foram alguns dos conquistadores militares mais brutais da história, massacrando toda a população das cidades. No entanto, no século XIII, quando o seu império se estendia desde Pequim a Hungria, o comércio de caravanas entre a China e a Europa alcançou um notável grau de prosperidade, toda viagem era realizada no território de um governo.

XIII - A Era do Comércio
Estes novos conquistadores adquiriram armas sofisticadas dos antigos impérios, e adotaram seus sistemas regulares de organização militar e treinamento. Um grande período de expansão militar segue-se, o que podemos chamar da Era das Conquistas. As conquistas resultaram na aquisição de vastos territórios sob um governo, dando assim origem a prosperidade comercial. Podemos chamar essa de Era de Comércio.
A Era das Conquistas, é claro, se sobrepõe à Era do Comércio. As tradições militares orgulhosas ainda têm força e os grandes exércitos guardam as fronteiras, mas gradualmente o desejo de ganhar dinheiro parece ganhar a retenção do público. Durante o período militar, glória e honra foram os principais objetos de ambição. Para o comerciante, tais ideias são apenas palavras vazias, que não acrescentam nada ao saldo bancário.

XIV - Arte e luxo
A riqueza que surge, quase sem esforço, permite que as classes comerciais se tornem imensamente ricas. Como gastar todo esse dinheiro se torna um problema para a comunidade dos negociantes ricos. Arte, arquitetura e luxo encontram patronos ricos. Esplêndidos edifícios municipais e ruas largas dão dignidade e beleza para as áreas ricas das grandes cidades. Os comerciantes ricos constroem palácios, e o dinheiro é investido em comunicações, estradas, pontes, ferrovias e hotéis, de acordo com padrões variados de todos os tempos.
A primeira metade da Era de Comércio parece ser particularmente esplêndida. As antigas virtudes de coragem, patriotismo e devoção ao dever ainda estão em evidência. A nação está orgulhosa, unida e cheia de auto-confiança. Rapazes ainda são necessários, antes de tudo, que sejam viris, para montar, para disparar bem e para dizer a verdade. (É notável a ênfase  colocada, nesta fase, na virtude, na virilidade e na veracidade em detrimento da mentira, que é covardia, o medo de enfrentar a situação).
Escolas dos rapazes são intencionalmente difíceis. Alimentação severa, vida dura, costumes semelhantes são destinados para produzir uma raça forte, resistente e de homens destemidos. O dever é uma palavra constantemente imposta na cabeça dos jovens. 


XV - Era da Riqueza

Não parece haver qualquer dúvida de que o dinheiro é o agente que provoca o declínio para este povo forte, bravo e auto-confiante. O declínio da coragem, da iniciativa e do senso de dever, no entanto, é gradual. A primeira direção em que a riqueza ataca é a moral. O objetivo dos melhores homens não é mas a honra, e a aventura é substituída pelo dinheiro. Além disso, os homens normalmente não procuram fazer dinheiro para o seu país ou a sua comunidade, mas para si mesmo. Aos poucos, e de forma quase imperceptível, a Era da Riqueza silencia a voz do dever. O objetivo do jovem ambicioso não é mais a fama, a honra ou serviço, mas o dinheiro.

Educação sofre a mesma transformação gradual. Não mais é visado nas escolas a produção de bravos patriotas prontos a servir o seu país. Pais e alunos procuram as habilitações acadêmicas que irão lhe fornecer os salários mais altos. O moralista árabe, Ghazali (1058-1111), queixa-se nestas mesmas palavras da diminuição dos objetivos no mundo árabe em declínio de seu tempo. Os alunos, diz ele, já não cursam a faculdade para adquirir conhecimento e virtude, mas para obter essas qualificações que lhes permitam enriquecer. A mesma situação é evidente em toda parte entre nós, no ocidente atual.

XVI - O Ápice 

A imensa riqueza acumulada no país deslumbra os espectadores. Somente o suficiente de antigas virtudes de coragem, energia e patriotismo sobrevivem para permitir que o estado tenha sucesso em defender suas fronteiras. Mas, abaixo da superfície, a ganância por dinheiro está gradualmente substituindo o dever e serviço público. Com efeito, a alteração pode ser resumida como sendo do serviço para egoísmo. 

XVII A Defensiva
Outra mudança notável, que invariavelmente marca a transição entre da Era das Conquistas para a Era da Riqueza, é a disseminação de defesa. O país, imensamente rico, não está mais interessado em glória ou o dever, mas se encontra ansioso apenas para manter sua riqueza e luxo. [...]
O dinheiro parece melhor do que o uso da coragem, subsídios em vez de armas são empregados para comprar os inimigos. Para justificar este desligamento da tradição antiga, a mente humana facilmente inventa a sua própria justificação. Prontidão militar ou agressividade é denunciada como primitiva e imoral. Povos civilizados são orgulhosos demais para lutar. A conquista de uma nação por outra é declarada imoral.
Impérios são perversos. Este aparelho intelectual nos permite suprimir o nosso sentimento de inferioridade, quando lemos sobre o heroísmo dos nossos antepassados, e, em seguida, com tristeza contemplamos a nossa posição hoje. "Não é que temos medo de lutar," dizemos, "mas devemos considerar a luta imoral". Essa maneira ainda nos permite assumir uma atitude de superioridade moral. A fragilidade do pacifismo é que ainda existem muitos povos no mundo que são agressivos. Nações que se proclamam indispostas a lutar são susceptíveis de serem conquistadas pelos povos no estágio do militarismo.

XVIII - A Era do Intelecto
Os príncipes mercantes do Era do Comércio buscam fama e elogios, não só financiando obras de artes ou patrocinando música e literatura, igualmente encontraram a glória em patrocinar faculdades e universidades. É notável que a regularidade desta fase surge na sequência da Era da Riqueza.
No século XI, o antigo Império Árabe, já então em declínio político completo, era governado pelo sultão seljúcida, Malik Shah. Os árabes, já não mais soldados, ainda eram os líderes intelectuais do mundo. Durante o reinado de Malik Shah, a construção de universidades e faculdades tornou-se uma paixão.
Em nossa vida, temos testemunhado o mesmo fenômeno nos EUA e na Grã-Bretanha. Quando essas nações estavam no auge de sua glória, Harvard, Yale, Oxford e Cambridge pareciam satisfazer as suas necessidades. Agora, quase toda cidade tem sua universidade.
A ambição do jovem, uma vez engajado na busca de aventura e glória militar, e, em seguida, no desejo de que a acumulação de riqueza, agora se volta para a aquisição de honras acadêmicas.
É útil aqui tomar nota de que quase todas as buscas seguiram com tanta paixão ao longo dos tempos foram boas por si só. O culto viril da coragem, franqueza e honestidade, que caracterizou a Era das Conquistas, produziu muitos heróis verdadeiramente esplêndidos.
A abertura dos recursos naturais e da acumulação de riqueza pacífica, que marcou a era do mercantilismo, introduz novos triunfos na civilização, na cultura e nas artes.
De fato, freqüentemente se tem a opinião que a cabeça e o coração são rivais naturais. O intelectual brilhante, mas cínico, aparece no extremo oposto do espectro do auto-sacrifício emocional do herói ou mártir. No entanto, há momentos em que, talvez, a auto-dedicação não sofisticada do herói é mais essencial do que os sarcasmos do inteligentes.

XXI - Discórdias Civis
Outro sintoma notável e inesperado durante o declínio nacional é a intensificação dos ódios políticos internos. Seria de esperar que, quando a sobrevivência da nação torna-se precária, facções políticas deixariam de lado sua rivalidade e ficariam unidas para salvar seu país.
Grã-Bretanha tem sido governada por um parlamento eleito por muitos séculos. Em anos anteriores, no entanto, os partidos rivais tem salientado a existência de muitas leis não escritas. Antes, nenhuma das partes pretendiam eliminar o outro. Todos os membros se referiam ao outros como cavalheiros honrados. Mas tais cortesias já caducaram. Vaias, gritos e barulhos altos minaram a dignidade da Câmara e os insultos furiosos são mais freqüentes. Temos sorte se estas rivalidades são travadas apenas no Parlamento, mas às vezes esses ódios são levadas para as ruas, ou para indústria, na forma de greves, manifestações, boicotes e atividades similares.

XXII - O afluxo de estrangeiros

Um dos fenômenos muitas vezes repetidos nos grandes impérios é o afluxo de estrangeiros à cidade capital. Historiadores romanos muitas vezes se queixam do número de asiáticos e africanos em Roma. Bagdá, em seu apogeu, no século IX, era internacional em sua população - persas, turcos, árabes, armênios, egípcios, africanos e gregos misturavam em suas ruas. Em Londres, hoje, os cipriotas, gregos, italianos, russos, africanos, alemães e indianos disputam entre si nos ônibus e no metrô de modo que às vezes parece difícil encontrar qualquer britânico. O mesmo aplica-se para Nova York, talvez até mais.
[...]
Enquanto a nação ainda é afluente, todas as diversas raças podem aparecer igualmente fiéis. Mas em caso de emergência aguda, os imigrantes, muitas vezes, estar menos dispostos a sacrificar suas vidas e seus bens que beneficiarão os descendentes originais do império.

XIII  - Frivolidade

Enquanto a nação declina em poder e riqueza, um pessimismo universal permeia gradualmente o povo, e acelera-se o declínio. Roma republicana estava várias vezes à beira da extinção, em 390 aC quando os gauleses saquearam a cidade e também em 216 aC depois da batalha de Canas. Mas nenhum desastre poderia abalar a resolução dos antigos romanos. No entanto, nos últimos estágios de declínio romano, todo o império era profundamente pessimista, minando assim a sua própria resolução.

Frivolidade é o companheiro freqüente do pessimismo. Vamos comer, beber e ser feliz, porque amanhã morreremos. A semelhança entre várias nações em declínio a este respeito é verdadeiramente surpreendente. A multidão romana, temos visto, exigiu refeições gratuitas e jogos públicos. Espetáculos de gladiadores, corridas de carruagem e eventos esportivos eram a sua paixão. No Império Bizantino as rivalidades dos verdes e os azuis no hipódromo atingiu a importância de uma grande crise.

A julgar pelo tempo e espaço que lhes foi atribuídos na imprensa e na televisão, o futebol e o beisebol são as atividades que hoje se tornaram o principal interesse do público na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, respectivamente.

Os heróis das nações em declínio são sempre os mesmos, o atleta, o cantor ou o ator. A palavra "celebridade" hoje é usada para designar um comediante ou um jogador de futebol, não um estadista, um general, ou um gênio literário.

XXIV - O Declínio Árabe 

Na primeira metade do século IX, Bagdá teve seu Ápice como a maior e mais rica cidade do mundo. Em 861, no entanto, o Khalif reinante, Mutawakkil, foi assassinado por seus mercenários turcos, que montou uma ditadura militar que durou cerca de trinta anos. Durante este período, o império desmoronou. Várias províncias e domínios assumiram uma independência virtual buscando seus próprios interesses. Bagdá, que foi a capital de um vasto império, encontrou a sua autoridade limitada apenas ao Iraque.

As obras dos historiadores contemporâneos de Bagdá no início do século X ainda estão disponíveis. Eles lamentaram profundamente a degeneração dos tempos em que viviam, enfatizando particularmente a indiferença à religião, o crescente materialismo e o relaxamento dos costumes sexuais. Eles lamentaram também a corrupção dos funcionários do governo e o fato de que os políticos sempre pareciam acumular grandes fortunas enquanto trabalhavam em escritórios.

Os historiadores comentaram amargamente sobre a influência extraordinária adquirida por cantores populares mais jovens, resultando em um declínio na moralidade sexual. Eram comuns os cantores "pop" de Bagdá, acompanhados de suas canções eróticas com o alaúde, instrumento semelhante ao violão moderno. Na segunda metade do século X, como resultado, a linguagem sexual obscena se tornava mais  comum, linguagem que teria sido tolerada em uma idade anterior. Vários califas emitiram ordens proibindo cantores "pop" da capital, mas em alguns anos, sempre voltavam.

Um aumento da influência das mulheres na vida pública tem sido muitas vezes associado com o declínio nacional. Os romanos mais tarde, queixaram-se que, apesar de Roma ter dominado o mundo, as mulheres governavam Roma. No século X, uma tendência semelhante foi observada no Império Árabe, mulheres exigindo admissão às profissões até então monopolizadas pelos homens. "O que", escreveu o historiador contemporâneo, Ibn Bessam, “têm as profissões de balconista, cobrador de impostos ou marceneiro em relação com as mulheres? Essas ocupações sempre foram limitadas aos homens.” Muitas mulheres praticaram a lei, enquanto outras obtiveram lugares como professoras universitárias. Houve uma agitação para a nomeação de juízes do sexo feminino, o que, no entanto, não parece ter sucedido.

Logo após este período, o governo e a ordem pública entrou em colapso, e os inimigos estrangeiros invadiram o país. Resultando em confusão e violência que tornou inseguro para que as mulheres andassem desacompanhadas nas ruas, com o resultado, o  movimento feminista entrou em colapso.

Os transtornos após o golpe militar em 861 e a perda do império, criou um caos na economia. Em tal momento, era esperado que todos redobrariam seus esforços para salvar o país da falência, mas nada disso ocorreu. Em vez disso, neste momento de declínio do comércio e de rigor financeiro, o povo de Bagdá introduziram semanas de cinco dias.

Quando li pela primeira vez essas descrições contemporâneas de Bagdá do século X, eu mal podia acreditar nos meus olhos. Eu disse a mim mesmo que isso deveria ser uma piada! As descrições poderiam ter sido retiradas do The Times de hoje. A semelhança de todos os detalhes foi impressionante - a dissolução do império, o abandono da moralidade sexual, as cantoras "pop" com seus instrumentos, a entrada das mulheres nas profissões e a semana de cinco dias. Eu não me arriscaria a tentar uma explicação! Existem muitos mistérios sobre a vida humana que estão muito além da nossa compreensão.


XXVIII - Estado Assistencialista

Quando o estado assistencialista foi introduzido pela primeira vez na Grã-Bretanha, ele foi saudado como um ponto alto na história do desenvolvimento humano.

A história, porém, parece sugerir que a idade do declínio de uma grande nação é muitas vezes um período que mostra uma tendência à filantropia e simpatia por outros povos [...]. Enquanto ele mantém seu status de liderança, o povo imperial está contente de ser generoso, mesmo se um pouco condescendente. Os direitos de cidadania são generosamente concedidos a todas as raças, mesmo aqueles anteriormente ignoradas, e a igualdade da humanidade é proclamada. O Império Romano passou por essa fase, quando igual cidadania foi aberta a todos os povos, tais provincianos foram permitido até se tornar senadores e imperadores.

XXIX - Religião

Os historiadores dos períodos da decadência muitas vezes referem-se a um declínio na religião, mas, se nós estendemos nossa investigação sobre um período que abrange os assírios (859-612a.C.) até nossos tempos, temos que interpretar a religião em um sentido muito amplo. Alguns definiram como "o sentimento humano de que há algo, alguma força invisível, além de objetos materiais, que controla a vida humana e o mundo natural”.

[…]

Mas esse espírito de dedicação foi corroído lentamente no Era de Comércio pela ação de dinheiro. As pessoas fazem dinheiro para si, não para o seu país. Assim, períodos de afluência gradualmente dissolveram o espírito de serviço, o que causou o aumento das corridas imperiais. No devido tempo, o egoísmo permeou a comunidade. Então, como vimos, veio o período do pessimismo com o espírito que o acompanha de frivolidade e indulgência sensual, subprodutos de desespero. Era inevitável nessas horas que os homens olhassem pra trás surpreendidos para os dias de "religião", quando o espírito de auto sacrifício ainda era forte o suficiente para tornar os homens prontos para servir, ao invés de roubar.

Mas, mesmo quando o desespero permeia a maior parte da nação, outros podem atingir uma nova percepção do fato de que somente através da disposição de auto sacrifício pode-se permitir que uma comunidade sobreviva. Alguns dos maiores santos da história viveram em tempos de decadência nacional, levantando a bandeira do dever e serviço contra a avalanche de depravação e desespero.

Desta forma, no auge do vício e da frivolidade, as sementes do renascimento religioso serão silenciosamente plantadas. Depois, talvez, de várias gerações (ou mesmo séculos) de sofrimento, a empobrecida nação, quando tiver sido expurgada de seu egoísmo e seu amor ao dinheiro, a religião recupera a sua influência e uma nova era se ajusta "Foi bom para mim que tenha sido atingido ", diz o salmista,"para que aprendesse os teus estatutos ".


XXXIX - Resumo

Como inúmeros pontos de interesse que surgiram no decorrer deste ensaio, fecho com um breve resumo, para refrescar a mente do leitor.

(a) Nós não aprendemos com a história, porque nossos estudos são breves e preconceituosos.
(b) De uma forma surpreendente, 250 anos emerge como a duração média de grandeza nacional.
(c) Esta média não variou por 3.000 anos. Será que representam dez gerações?
(d) As etapas da ascensão e queda das grandes nações parecem ser:
A Era dos Pioneiros (explosão)
A Era das Conquistas

A Era do Comércio
A Era da Riqueza
A Era do Intelecto
A Era da Decadência.
(e) A decadência é marcada por:
defensividade
pessimismo
materialismo
frivolidade
afluxo de estrangeiros
estado assistencialista
enfraquecimento da religião.
(f) A decadência é devido a:
Um longo período de riqueza e o poder do egoísmo
O amor ao dinheiro
A perda do sentido de serviço
(g) As histórias de vida dos grandes estados são incrivelmente similares, e são devido a fatores internos..
(h) As quedas são diversas porque são em grande parte resultados de causas externas.
(i) História deve ser ensinada como a história da raça humana, embora, naturalmente, com ênfase sobre a história do próprio país.



John Glubb

John Glubb, mais conhecido como Glubb Pasha, nasceu em 1897, e atuou na França na Primeira Guerra Mundial, 1915-1918. Em 1926, ele deixou o exército profissional para servir o Governo do Iraque. De 1939 a 1956, comandou a famosa Jordânia Legião Árabe. Desde a aposentadoria, ele publicou dezesseis livros, principalmente sobre o Oriente Médio, e lecionou amplamente.