terça-feira, 26 de novembro de 2013

Death to the World: Do Punk à Ortodoxia (Entrevista)


Conte-nos um pouco sobre como Death to the World começou. Justin Marler (Abestos Death, Sleep) ainda está envolvido?

Death to the World foi criado por punks convertidos à fé Ortodoxa oriental que tornaram-se monges em um mosteiro no norte da Califórnia. Eles deram início a publicação para que chegasse aos velhos amigos que ainda estavam tragados pela cena punk. Sim, uma dessas primeiras pessoas era Justin Marler, da banda Sleep, mas ele não é mais um editor principal. Nós ainda enviamos zines e ele está trabalhando conosco para re-imprimir o livro "Youth of the Apocalypse" que foi impresso pela primeira vez durante os primeiros anos da existência do Death to the World.

Na sua opinião, quais são os principais desafios enfrentados a pela nossa juventude do século XXI?

Como nosso Padre Serafim Rose disse uma vez, "Nossa vida anormal de hoje pode ser caracterizada como mimada, "super protegida". Desde a infância a criança de hoje é tratada, como regra geral, como um pequeno deus ou deusa na família: seus caprichos são atendidos, seus desejos são cumpridos, ele é cercado por brinquedos, de diversões, conforto; ele não é treinado e educado de acordo com os rigorosos princípios do comportamento Cristão, ao contrário, deixa-se desenvolver de maneira que satisfaça suas inclinações". (The Orthodox World View). Nós somos a geração "MEU", os narcisistas. Vivemos em um mundo de fantasia, uma Disneyworld, desde a juventude, raramente somos dirigidos para a seriedade da vida e para o que o mundo exige de nossas almas. Assim, quando crescemos, somos atormentados pelo desejo de nos cercar de tantas distrações e aparelhos, o tanto quanto pudermos. A vida no século 19 era drasticamente diferente. Hoje, ao invés de uma chama cintilante de uma vela de oração, que em outros tempos servia para iluminar nossas casas, é a televisão que emite sua "des-luminada" luz. Nossos valores já não são mais ditados pelas palavras de Cristo ou pela vida de Seus Santos, os valores são regurgitados através deste aparelho brilhante. As salas costumavam ser usadas para conversações sobre Deus e uns aos outros, agora veja o que temos feito! Nos cercamos em volta da televisão! Quando isto aconteceu?! As crianças andam por aí com as cabeças coladas em telefones celulares; dão preferência aos fones de ouvido tocando música em alto volume nos ouvidos do que uma conversação séria. Onde tudo isso nos levou? Nós que somos tão superiores aos antigos por causa de nossos "avanços". Nós esquecemos a santidade; paramos de lutar pela sabedoria. Muitas almas hoje vivem da corrente elétrica que sai dos nossos computadores e não pela virtude ou pureza. Crimes sexuais, assassinatos, suicídios, etc acontecem nas ruas de hoje como matilhas de cães selvagens, consumindo muitos, alguns que conheço pessoalmente. Toda nossa sociedade e a forma como ela está estruturada é um desafio para a juventude de hoje. Um monge nos primeiros séculos do cristianismo perguntou uma vez ao mais velho, "Será que nos últimos tempos, os Cristãos poderão ressuscitar os mortos ou realizar milagres?" O ancião respondeu-lhe "Será um esforço maior ainda, ser Cristão naqueles tempos". Estes são os tempos em que estamos vivendo; a sociedade que vivemos é demasiadamente anticristã, fazem com que nos olhem como estranhos, radicais religiosos, às vezes até mesmo para os cristãos dos nossos dias. Como Santo Antônio, um monge antigo disse uma vez; "Está chegando a hora em que as pessoas irão enlouquecer e quando encontrarem alguém que não é louco, irão atacá-lo, dizendo: "Você é louco, você não é como nós.".”

Muitos enxergam a subcultura punk, entre aqueles perdidos nas drogas, com comportamento auto-destrutivo ou niilistas, como "causas perdidas". Você obviamente discorda. Por quê?



Ninguém é uma causa perdida. Como Santa Isabel, a Nova Mártir, disse certa vez: "A imagem de Deus pode ser ofuscada, mas nunca destruída." As vezes, essas subculturas criam uma forte rebelião no indivíduo, mas o problema é que eles não sabem para onde direcioná-la. Eles sabem que o mundo é ruim, mas a rebelião que deles é dirigida politicamente, ou, algumas vezes, em formas auto-destrutivas. Death to the World tenta direcionar essa rebelião contra o mundo para uma forma saudável, citamos Santo Isaac da Síria (séc VI d.C) em todas as publicações, "O "mundo" em geral é o nome genérico para todas as paixões [...] Observe para quais dessas paixões você está vivo. Então você vai saber o quão distante você está vivo para o mundo, e quão distante você está morto para ele". Assim, DTTW propaga que quanto mais você morre para seus desejos e quanto mais você corta sua própria vontade, maior a "rebelião" e a rejeição ao mundo. Dessa forma, torna-se não apenas uma luta física, mas desenvolve-se em uma luta espiritual e interior.


Por que você usa a frase "A Última Verdadeira Rebelião"?


As subculturas atuais estão cheias de jovens que querem lutar pela verdade através da rebelião contra esse mundo. A subcultura punk é uma rebelião, mas é falsa rebelião, pois se alguém segue até o seu fim, encontrará o niilismo completo e o desespero. Essas rebeliões dentro das subculturas podem ser eficazes, mas a verdade pela qual eles estão lutando, geralmente não é a mesma verdade tal como a conhecemos, a Verdade enquanto Pessoa, como Jesus Cristo. Ao contrário das rebeliões deste mundo, Death to the World é uma rebelião que não conduz para um beco sem saída, é uma aceitação de algo real, algo de outro mundo. É por isso que é "A Última Verdadeira Rebelião", porque é a única verdadeira.

Death to the World muitas vezes destaca sobre mártires e santos da fé Ortodoxa. Por que histórias sobre mártires parecem ter alguma ressonância com o seu público?



As almas das pessoas de hoje que estão buscando a Verdade estão sendo sufocadas pela nossa sociedade falsa. Em programas de televisão, nos outdoors, nos filmes, etc., na grande maioria das vezes não há qualquer pessoa real e sólida que sirva de inspiração. Nossa sociedade não penas é rodeada, mas também é bombardeada pela falsidade todos os dias. Parece triste dizer, mas algum de nós nem sequer temos pais que nos sirvam de inspiração. Os santos e mártires se relacionam conosco de uma forma que sentimos que nenhuma outra pessoa poderia. Com suas vidas, eles nos trazem a realidade da vida, a realidade do que significa seguir Cristo de uma forma verdadeira, sem compromisso. As mortes brutais dos Santos, Justino, Inácio, George, Pantaleão, e outros grandes cristãos, durante os primeiros séculos contem algumas das mais incríveis histórias de fé inabalável que uma pessoa pode ler. As vidas dos Santos João de São Francisco, Nikolai do Zhica, Herman do Alaska, Raphael do Brooklyn, e outros santos americanos ou aqueles que viveram durante o nosso tempo, revela-nos como Deus não deixou Sua Igreja, mesmo nestes tempos escuros. Na experiência Ortodoxa, os Santos são reais, vivos, e intercedem por nós diante do trono de Cristo. Eles trazem o céu para próximo de nós através de suas orações e adoração diante de nosso Criador nos Céus. Eles são os "amantes da verdade" que sacrificaram completamente tudo e qualquer coisa terrena, dedicando suas vidas para a Verdade Suprema, que é encontrada no Cristo encarnado. Assim, ao ver essas vidas tão reais, radicais e seus testamentos para a vida além-túmulo, as pessoas veem que nossa "rebelião" não é falsa, mas muito real.


A fé Ortodoxa tem uma rica tradição de ter belas obras de artes e ícones. Como você incorpora essa tradição em suas publicações?


Iconografia está na Igreja desde seu início. Segundo a tradição, o Apóstolo Lucas foi o primeiro que pintou Cristo e Sua Mãe em uma prancha de madeira retirada da mesa na casa da Virgem Maria onde Cristo comia. Foi proclamado ao longo dos séculos que o ícone é como uma janela para o céu, revelando o mundo vindouro. Por dois mil anos, a Ortodoxia sempre deu grande ênfase na adoração a Deus com todo o nosso ser, com todos nossos sentidos, e para nós o ícone é a representação visual da teologia. Em um ícone, a pessoa pode ver toda a salvação; a renovação da natureza humana, a promessa e o brilho do céu, a exaltação da humildade, etc. O ícone intriga as pessoas porque é uma forma de arte que é sagrada, provém de uma tradição apostólica e move as almas das pessoas. Em nossas publicações, usamos muitas representações de ícones e eles ressoam nos corações das pessoas, há algo neles que prendem a atenção do indivíduo. São João Damasceno falou que os ícones eram o Evangelho dos iletrados. É bem verdade, pois, mesmo que uma pessoa que possa ler, sua alma pode ser analfabeta para as coisas espirituais e os ícones podem comunicar o Evangelho a eles.


Muitas igrejas (protestantes, católicos, etc) oferecem o evangelho para jovens utilizando música. O que torna a sua abordagem diferente? Como a sua perspectiva única sobre Cristo apela para os seus leitores?
A Igreja Ortodoxa é a Igreja Cristã mais antiga, traçada suas raízes diretamente aos Apóstolos. Tem existido antes tanto do Catolicismo Romano e do Protestantismo, sendo abençoada pelo próprio Cristo, sendo os Apóstolos os primeiros Cristãos Ortodoxos. Pode-se apontar as origens da Igreja Ortodoxa até o tempo de Cristo, mas seria mais apropriado dizer que sempre existiu, como nós exclamamos que nossa Fé "estabeleceu o Universo" (Synodikon Ortodoxo). A Tradição Ortodoxa é muito profunda e não muda desde os primórdios do Cristianismo, mantendo-se em linha com as palavras de São Paulo, quando disse: "...esteja firme e conservai as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, ou nossas epístolas" (2 Thess. 2:15). O profundo entendimento do homem e do que significa ser transfigurado através de Cristo têm florescido abundantemente ao longo dos séculos em comunidades monásticas e deu à Igreja um sentido muito consistente e denso do que significa ser cristão neste mundo. A Ortodoxia incubou e floresceu no Oriente, preservando os ensinamentos de Cristo e continua a celebrar a forma mais antiga de cultos cristãos, a Divina Liturgia, que pode ser traçada até o próprio Apóstolo Tiago, o irmão de Cristo. Eu acho que é isso que nos destaca, o que nos torna únicos para nosso público. Há muitas igreja hoje que oscilam com os tempos, que mudam de ano para ano, dependendo da cultura que os cerca, porque eles acham que irão trazer mais pessoas para dentro. As pessoas veem que a ortodoxia não é assim, ela não muda com o mundo ao seu redor, porque ela é profundamente centrada na vida do mundo por vir, jamais será tragada e está dirigida para o céu. As pessoas que veem a falsidade neste mundo e querem a Ortodoxia porque enxergam-na como um refúgio que sempre será preservado e firme entre o mundo que já está se desintegrando em torno deles.

Apesar de tudo, você sente que o Death to the World tem sucedido em trazer os jovens para Cristo? 

Com a depressão, a tristeza e o desconforto que assola a nossa sociedade e as pessoas ao nosso redor, as perspectivas Ortodoxas sobre o sofrimento é uma das principais coisas que o DTTW se relaciona. Os antigos Cristãos e monges do passado viam as lutas e o sofrimento como um meio para colocar a nossa carne em sujeição, para aprender a carregar a nossa cruz sem reclamar, tudo, em última instância, se relaciona com o sofrimento de Cristo. Como a nossa sociedade frequentemente varre o sofrimento, o pobre e os miseráveis para baixo do tapete, longe da vista do "civilizado", a Ortodoxia estende a mão para eles e relacionam a um Deus que sofre com eles, não um Deus envolto em uma bonita caixa Americana com um laço em cima. Nós gostamos de falar das coisas como elas são, a vida não deve ser adocicada. Tanto a alegria como o sofrimento devem ser reconhecidos como partes de nossa viagem em direção à salvação. O sofrimento é parte de nossa vida que deve ser abraçado por nós com mais frequência, sem fugir dele, mas, infelizmente, nós, que crescemos em uma sociedade muito confortável e relaxada, temos muita dificuldade para lidar com isso, para nosso próprio mal. São Doroteu de Gaza disse uma vez que quando Deus expulsou os homens do paraíso Ele olhou pra eles e disse pra Si mesmo com tristeza, "ele [o homem] não sabe como ser feliz; se ele não tiver tempos difíceis, ele provavelmente se perderá completamente, se ele não sabe o que o sofrimento é, ele não vai aprender o que repouso é [...]" [Ensino Prático sobre a Vida Cristã]. Portanto, o sofrimento é dado a nós pelo amor de Deus, para que pudéssemos lembrar a nossa queda e cultivar dentro de nós um amor mais profundo para o Reino dos Céus. Quando jovens e adultos que estão sofrendo veem as vidas dos Santos e os ortodoxos que carregam seus sofrimentos com alegria, dá-lhes a esperança e a coragem para abraçar e conquistar suas lutas. O coração humano é muito complexo e não pode ser remediado por distração ou por prescrição de medicamentos, é necessário algo mais, algo que o homem e este mundo não pode dar. Quando as pessoas que sofrem chegam até nós, sempre nos humilha ver que estas pessoas em sofrimento estão, por vezes, mais perto de nosso Cristo do que nós. Como nós cantamos para Deus, em um serviço chamado Akathist da Ação de Graças, "Tu descendeste até a cama do doente e seu coração comunica Contigo. Tu inspiras a alma pela paz no momento de dor e sofrimento. Envias ajuda inesperada. Tu és o confortador. Tu és o amor onisciente. A ti eu canto: Aleluia!"

O que você diria para os nossos leitores, que estão preocupados com a educação dos seus filhos em Cristo nesta geração?


Faça os crescer dentro da verdade. O mundo em torno deles lhes dará muitas contradições e falsas doutrinas, ajude e explique essas coisas para eles. Cultive dentro de si a pureza e amor para com o seu Criador. Seja uma família, comam juntos, rezem juntos, unam suas almas, sua casa deve ser uma pequena capela. Seja direto, em vez de vago, sobre coisas como sexo, drogas, etc, para que eles saibam o que essas coisas são e quais as suas consequências, não só do corpo, mas o mais importante, sobre a alma. Ajude-os a abraçar o sofrimento e não os mime, eles vão criar a resistência e atenção para com a alma, em vez de distraí-los com coisas temporais. Acima de tudo, eles precisam de buscar alguma verdade que os façam ser capazes de viver em nossa sociedade anticristã - torne-os amantes da Verdade. Há um excelente livro sobre o chamado, "Raising them Right" por São Teófano o Recluso que disse uma vez que, de todas as obras santas, a educação dos filhos é o mais santa.

Onde é que os leitores interessados ​​saber mais sobre Death to the World ou a Igreja Ortodoxa?

Informações sobre DTTW podem ser encontradas em nosso site, www.deathtotheworld.com e informações sobre a Fé Ortodoxa podem ser encontradas no www.orthodoxinfo.com, www.stherman.com ou www.ancientfaith.com.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A Decadência do Ocidente: As Culturas como Organismos

Uma cultura nasce no momento em que uma grande alma despertar do seu estado primitivo e se surpreender do eterno infantilismo humano; quando uma forma surgir em maio ao informe; quando algo limitado, transitório, originar-se no ilimitado, contínuo. Floresce então no solo de uma paisagem perfeitamente restrita, ao qual se apega, como uma planta. Uma cultura morre, quando essa alma tiver realizado a soma de suas possibilidades, sob a forma de povos, línguas, dogmas, artes, Estados, ciências, e em seguida retorna à espiritualidade primordial. Mas a sua existência viva, aquela série de grandes épocas, cujos rígidos contornos designam o progressivo arremate, é uma luta íntima, profunda, passional, com o objetivo de afirmar a ideia contra as forças do caos, no exterior, e contra o inconsciente, no interior, para onde elas se retiram, agastadas. Não somente o artista luta contra a resistência da matéria e aniquilamento da ideia. Todas as culturas encontram-se numa realização simbólica, quase mística, à extensão, ao espaço, dentro do qual e por meio do qual tencionam realizar-se. Alcançando o destino, realizada a ideia, a totalidade das múltiplas possibilidades intrínsecas, com a sua projeção para fora, fossiliza-se repentinamente. Definha-se. Seu sangue coagula. Seu vigor diminui. Ela se transforma em civilização. Eis o que sentimos e depreendemos das palavras “egipticismo”, “bizantinismo”, “mandarinato”. Talvez seja tal cultura ainda capaz de estender durante séculos e milênios seus galhos mortos ao alto, igual a uma árvore gigantesca, ressequida na mata virgem. É o que observa na China, na Índia, no mundo islâmico. A civilização “antiga” da fase imperial erguia-se, gigantesca, com aparente vigor e exuberância juvenil; mas, na realidade, o que fazia era privar de ar e de luz a jovem cultura árabe do Oriente. 

Este é o sentido de todas as decadências na História, da conclusão íntima e externa, do acabamento que, inevitavelmente, aguarda qualquer cultura viva. A que mais nitidamente se nos depara, quanto aos seus contornos, é a “decadência da Antiguidade”. Mas já podemos perceber com absoluta clareza, tanto dentro de nós como ao nosso redor, os primeiros sinais de um acontecimento perfeitamente semelhante, no que se refere à sua duração e ao seu transcurso, e que ocorrerá nos séculos iniciais do próximo milênio. Trata-se de nossa própria decadência, da “decadência do Ocidente”. 

Cada cultura percorre fases de envelhecimento iguais às da vida do indivíduo. Todas elas têm sua infância, sua adolescência, sua virilidade e sua velhice. Na aurora das épocas românticas e góticas, revela-se uma alma mais jovem, tímida, prenhe de sentimentos. Era ela que enchia a paisagem faustiana, desde a Provença dos trovadores até a catedral de Hildesheim, construída pelo Bispo Bernwar Soprava ali uma aragem primaveril. [...] Quanto mais uma cultura se avizinhar do meio-dia da sua vida, tanto mais viril e austera, mais disciplinada, mais saturada, tornar-se-á a consciência da sua força, e suas características delinear-se-ão com crescente nitidez. Então, na plenitude íntima da madureza de seu gênio criador, todos os detalhes da expressão parecerão selecionados, sérios, comedidos, cheios de admirável leveza e espontaneidade. Nessa fase ocorrerão em toda parte momentos de brilhante perfeição. Posteriores ainda, mais delicadas, quase frágeis, impregnadas de melancólica doçura dos últimos dias de outubro, são obras como a Afrodite de Cnido, o pórtico das Cariátides do Erection, os arabescos dos arcos de ferradura dos sarracenos, o castelo de Dresde, as teclas de Watteau, a música de Mozart. Por fim, na decrepitude da incipiente civilização, extinguir-se-á o fogo da alma. Mais uma vez com vigor diminuto e êxito incompleto, a inspiração decrescente ousará empreender uma criação grandiosa. É o caso do Classicismo com o qual topamos em todas as culturas agonizantes. A alma torna a recordar-se tristemente – no Romantismo-  da sua infância. Enfim cansada, sorumbática, fria, perde a vontade de viver e anela – assim como aconteceu na época dos imperadores romanos – abandonar a luz milenar, para mergulhar, outra vez, nas trevas místicas dos estados primitivos, no seio materno, na sepultura. Nisso reside o encanto da “segunda religiosidade”, que os cultos de Ísis, de Mitra e do Sol exerciam sobre os homens da última fase da Antiguidade, esses mesmos cultos que uma alma recém-despertada, no Oriente, acabava de encher de inusitado fervor, como primeira manifestação sonhadora, angustiosa, da sua solitária existência neste mundo. 

Oswald Spengler, em "A Decadência do Ocidente"