sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A Juventude, os Beats e os Anarquistas de Direita (Por Julius Evola)

Muito tem sido escrito sobre a questão da nova geração e da "juventude". Na maioria dos aspectos, a questão não merece o interesse que tem recebido, e, por vezes, a importância concedida hoje à juventude em geral, associada a um tipo de desvalorização de todos aqueles que não são 'jovens', é um absurdo. Não há dúvidas de que estamos vivendo em uma época de dissolução: a tal ponto que as pessoas se aproximam da condição "sem raízes", para quem a "sociedade" não faz qualquer sentido, nem as normas usadas para regular a vida - as leis da época imediatamente anterior a nossa, que ainda persiste em vários lugares, e que representam apenas os costumes da burguesia. Naturalmente, esta situação é sentida fortemente e especialmente pelos jovens; levantar algumas questões nesse sentido pode ser legítimo. No entanto, o tipo de resposta que se limita a somente ao sofrimento disso tudo, incapaz de libertar-se em virtude de qualquer iniciativa ativa de si mesmo, como poderia ter sido possível para os poucos rebeldes individualistas intelectuais do século anterior, tem de ser isolada e considerada em primeiro lugar e essencialmente.
Desta forma a nova geração está apenas submetida ao estado de coisas; não levanta nenhum problema real e faz um uso completamente estúpido da "liberdade" à sua disposição. Quando este tipo de juventude finge que é mal compreendida, a única resposta que se pode dar é que não há nada para entender sobre o assunto, e que, sob uma ordem normal, seria apenas uma questão de colocar esses jovens de volta para onde pertencem, sem demora, como é feito com as crianças quando sua estupidez se torna cansativa, invasiva e impertinente. O chamado anti-conformismo de algumas das suas atitudes, que em outros aspectos, são bastante banais, segue ainda, um tipo de tendência, uma nova convenção, de tal forma que o resultado é exatamente o oposto de uma manifestação de liberdade. Outros fenômenos que consideramos nas páginas anteriores, como o gosto pela vulgaridade e algumas formas novas de costumes, pode-se, em geral, considerar como característica desse tipo de juventude; alguns proporcionam para ambos os sexos provas de prêmio, ou para os "cantores" epilépticos do momento, ou para as sessões coletivas de fantoches representados pelas sessões de 'yeah, yeah', ou para o 'hit' do momento, e assim por diante, com o correspondente comportamento. A ausência entre eles de qualquer senso de ridículo torna impossível exercer qualquer influência sobre eles, então, de fato, deve-se deixá-los para si em sua própria estupidez, e considere que, se por algum acaso, algumas polêmicas em relação, por exemplo, a emancipação sexual de menores, ou no sentido da família, apareça neste tipo de juventude, estas polêmicas possuem necessariamente nenhuma substância. Como o passar dos anos, a necessidade, para a maioria entre eles, de enfrentar os problemas econômicos da vida material e, sem dúvida quando tais jovens, tendo-se tornados adultos, adaptarão-se às rotinas profissionais, produtivas e sociais de tal mundo como o verdadeiro; De fato, este tipo de juventude passa, assim, de uma forma do nada para outra forma do nada.


Este tipo de "juventude", definida apenas pela idade (pois, neste contexto, seria fora de questão falar de certas possibilidades característicos da juventude, no sentido interior, espiritual) está fortemente estabelecida na Itália. Na Alemanha apresenta um caso muito diferente: as formas estúpidas e decompostas dos quais já falamos são muito menos prevalentes lá; a nova geração parece ter calma e aceitam o fato de uma existência em que nenhum problema deva ser levantado, de uma vida em que nem o bom nem o fim deva ser procurado; eles só pensam em utilizar os recursos e facilidades que o desenvolvimento recente da Alemanha adquiriu. Podemos nos referir a esse tipo de juventude como sendo "despreocupada", esses têm gradativamente deixado muitas convenções para trás, e adquiriram novas liberdades, sem conflitos, mas tudo dentro de uma esfera bidimensional de "factualidade", para o qual qualquer interesse maior, em mitos, em uma disciplina, em uma força-ideia, é desconhecido.

Na Alemanha, isto é provavelmente uma fase de transição, pois voltamos nossa atenção para as nações que foram mais longe na mesma direção, quando o ideal do "Estado de Bem-Estar" está quase alcançado, onde a existência é tida como certa, onde tudo é racionalmente regimentado - pode-se, nomeadamente, referir-se a Dinamarca, a Suécia, e, em parte, para a Noruega - eventualmente, de forma intermitente, reações na forma de erupções violentas e inesperadas acontecem. Estas são incitadas principalmente por jovens. Este fenômeno já é interessante e pode valer a pena examinar.
Mas, a fim de estudar as formas mais comuns devemos concentrar na América, e, em certa medida, na Inglaterra. Na América, os fenômenos de trauma espiritual e revolta da nova geração já surgiram de forma muito clara, em grande escala. Referimo-nos à geração que adquiriu o nome de "geração beat", e sobre o qual já falamos nas páginas precedentes: 'beat', ou 'beatniks', ou mesmo 'hipsters', para citar outra variação. Eles foram os representantes de uma espécie de existencialismo anarquista e anti-social, de um caráter mais prático do que intelectual (deixando de lado certas manifestações literárias, de ordem mais baixa). No momento em que escrevo estas linhas, o período áureo do movimento já passou; praticamente desapareceu da cena, ou se dissolveu. No entanto, ele mantém um significado único, porque este fenômeno está intrinsecamente ligado à própria natureza da presente civilização; enquanto esta civilização persistir, é de se esperar que as manifestações semelhantes apareçam, embora sob variadas formas e denominações. Mais particularmente, a sociedade americana, o que representa, mais do que qualquer outra sociedade, o limite e o reductio ad absurdum de todo o sistema contemporâneo, as formas 'beat' do fenômeno da revolta ganharam um caráter especial, paradigmático, e, portanto, não devem ser considerados como pertencentes ao mesmo nível dos jovens estúpidos, de que já falamos quando consideramos o caso da Itália, em particular.

Do nosso ponto de vista, um breve estudo desses fenômenos se justifica, porque partilhamos a opinião, expressa por um número de 'beats': a saber -  ao contrário do que os psiquiatras, psicanalistas e os "trabalhadores sociais" pensam - em uma sociedade, uma civilização, como o nossa, e, especialmente, como a dos EUA - deve-se em geral admitir que o rebelde, aquele ser que não se adapta, o ser anti-social, é, na verdade, o homem mais são. Em um mundo anormal, os valores esão invertidos: todo aquele que parece anormal, em relação ao meio existente, é, provavelmente, uma pessoa 'normal', no sentido de que nele ainda subsistem vestígios de energia vital integral; e nós não seguimos aqueles que querem 'reabilitar' tais indivíduos, a quem eles consideram como doentes, e 'salva-los' para a 'sociedade'. O psicanalista, Robert Linder, teve a coragem de admitir isso. Do nosso ponto de vista, o único problema diz respeito à definição do que poderíamos chamar de "anarquista de direita". Vamos examinar a distância que separa este tipo para a orientação problemática que quase sempre caracteriza o "não-conformismo" dos "beats" e "hipsters”.

O ponto de partida, isto é, a condição de que determina a revolta do 'beat', é evidente. O sistema é acusado, embora este não empregue formas políticas "totalitárias", que estrangule a vida, ou que ataque as personalidades. Às vezes a questão da insegurança física do futuro é levantada, na forma da opinião de que a própria existência da espécie humana é posta em jogo pela probabilidade de uma eventual guerra nuclear (em proporções apocalípticas); mas o que é sentido principalmente é o perigo de morte espiritual, inerente à adaptação ao sistema atual e as suas forças externas impostas condicionantes (seu 'heteroconditioning'). América é descrita como "um país podre com um câncer que se prolifera em cada uma de suas células" e afirma-se que "a passividade (conformidade), ansiedade e tédio são as suas três características." Nesse clima, a condição do ser sem raízes, a unidade perdida na "multidão solitária", é nitidamente experimentada; "sociedade, vozes vazias, insignificância." Os valores tradicionais foram perdidos, os novos mitos são desmascarados, e esta "desmistificação" mina toda uma nova esperança: "liberdade, revolução social, a paz - são nada além de mentiras hipócritas." "A alienação do eu como condição normal" - tal é a ameaça.

No entanto, já se pode notar a diferença mais importante do tipo 'anarquista de direita': o beat não reage ou se rebela partindo do positivo - isto é, ter uma idéia precisa de como a ordem normal e sã seria, e firmemente apoiando-se em alguns valores fundamentais. Ele reage instintivamente, de forma confusa, existencial, contra a situação, de um modo semelhante ao que ocorre em certas formas de reação biológica. Por outro lado, o "anarquista de direita" sabe o que quer, ele tem uma base para dizer" não ". O 'beat', em sua revolta caótica, não só carece de tal base, mas, provavelmente, rejeitaria, também, se fosse indicado. É por isso que as frases, "rebelde sem bandeira", ou "rebelde sem causa", podem realmente apelar para ele. Isto implica uma fraqueza fundamental, em que o 'beat' e o 'hipster', apesar de seu medo de ser 'hetero-condicionado', isto é, estar sujeito a forças impostas externamente condicionadas, na verdade correm precisamente esse perigo, pois suas atitudes são motivadas pela situação existente (no sentido de serem meras reações). Aceitando tudo, de forma impassível, de forma fria, seria uma atitude mais consistente.

Portanto, quando o 'beat', além de seu protesto e revolta direcionado ao exterior, considera o problema real de sua vida interior pessoal, e procura resolvê-lo, ele inevitavelmente se encontra em terreno escorregadio. Na falta de um centro concreto interior, atira-se para a busca de emoções, obedecendo a impulsos que o fazem regredir em vez de desenvolver, enquanto ele busca todas as formas possíveis para preencher o vácuo e a obscuridade da vida sem sentido. Um precursor dos "beats", Henry Thoreau, tomou o mito do homem natural de Rousseau, de um voo na natureza, para propor uma solução que é ilusória; uma fórmula que é muito simples, e essencialmente insípida. No entanto, há aqueles que seguiram este caminho, para um estilo de vida neo-primitivo boêmio, o nomadismo, e malandragem (como personagens de Kerouac); que procurou desordem e o caráter imprevisível de uma existência que abomina todas as linhas pré-ordenadas da ação, e toda a disciplina, em favor de uma tentativa de tomar todo o momento a plenitude da vida e da existência (pode-se referir aos primeiros romances mais ou menos autobiográficos de Henry Miller: "queimando a consciência do presente, nem com um "bom" ou um "mau").



A situação agrava-se ainda mais com o recurso a soluções extremas: ou seja, se busca preencher o vazio interior e sentir-se 'real', na busca para provar a si mesmo digno de uma liberdade superiores ("o que eu, sem lei e sem qualquer obrigação"), por meio de ações violentas e criminosas, que são dadas no sentido de uma afirmação de si mesmo, ao invés de apenas atos extrema resistência e protesto contra a ordem estabelecida, contra o que é normal e racional. Assim se gera uma base "moral" para a criminalidade desenfreada, sem motivos materiais ou afetivos, impulsionados somente por uma "necessidade desesperada de valor", porque tem que "provar a si mesmo que é um homem", que "não tem medo de si mesmo", "cortar com a morte e o além". O uso de tudo frenético, irracional e violento - a "violência frenética para criar ou destruir" - entram em jogo.

Aqui, o caráter ilusório e equívoca das soluções deste tipo emerge claramente. É óbvio que, nesses casos, a busca de sensação vital intensificada serve quase sempre como um substituto ilusório para um verdadeiro sentido do Eu. Ao discutir atos extremos e irracionais, vamos, além disso, mostrar que esta não é apenas, por exemplo, uma questão de ir para a rua e atirar em transeuntes aleatoriamente (como André Breton propôs uma vez para os 'surrealistas'), ou de estuprar a própria irmã mais nova, mas também, talvez, se afastar, ou destruir, tudo o que se possui, ou arriscar a vida para salvar um estranho estúpido. É preciso, portanto, ser capaz de discernir se o que se vê como um ato extremo 'gratuito' não seja dirigido por impulsos ocultos, cujo o indivíduo pode ser escravo, ao invés de algo que atesta, e concretiza, a liberdade superior. Em geral, há uma ambivalência considerável dentro do individualista anarquista: "ser você mesmo, livre de vínculos", mesmo permanecendo escravo de si mesmo. A observação de Herbert Gold de tais casos, carente de auto-exame, é, sem dúvida, correta: "O hipster é uma vítima da pior forma de escravidão, o escravo que, inconsciente e orgulhoso de sua condição de servidão, chama isso a liberdade."

Ainda há mais. Muitas das experiências intensas que poderiam dar ao "beat" uma sensação fugaz de "realidade" faz dele, em essência, muito menos "real", porque elas condicionam-o. Wilson traz essa situação de forma muito clara, por meio de um personagem em seu já mencionado livro. Este personagem executa, de uma forma bastante "beat", uma série de assassinatos sádicos de mulheres, a fim de sentir-se "reintegrar", para escapar frustração, "porque ele foi frustrado em sua busca de seu direito de ser um deus”, e acaba revelando-se como um ser partido e irreal. "Como um paralítico que sempre precisa de estimulantes mais fortes e para quem nada importa ... Achei que o assassinato era apenas uma expressão de revolta contra o mundo moderno e suas emboscadas, porque quanto mais se fala da ordem e da sociedade, maior a taxa de crime. Eu pensei que seus crimes eram um ato desafiador... isso estava longe de ser o caso - ele mata, pela mesma razão que leva o álcool para si: porque ele não pode fazer sem ele". O mesmo se aplica, naturalmente, para outras experiências extremas.

Nós podemos, na passagem, relembrar, de modo a estabelecer novamente as distinções precisas, que o mundo da Tradição também estava familiarizado com o "Caminho da Mão Esquerda" - um caminho do qual já falamos em outro lugar, que inclui violar a lei, destruição e a experiência orgiástica de várias formas, mas a partir de uma orientação positiva, sagrada e 'sacrificial', "para o que está em cima", para a transcendência de todas as limitações. Este é o oposto da busca de sensações violentas simplesmente porque se está internamente espancado e inconsistente, apenas com o intuito de prolongar a sensação de existência, de uma forma ou de outra. É por isso que o título do livro de Wilson, "O Ritual no Escuro", é muito apropriado: ele descreve um modo de celebração, dentro de um reino de sombra, sem luz, o que poderia ter tido sentido, em um contexto diferente, de um rito de transfiguração.

Da mesma forma, os "beats" frequentemente utilizaram certas drogas, procurando assim induzir uma ruptura, uma abertura, além da consciência comum. E isso, com as melhores intenções. No entanto, um dos principais representantes do movimento, Norman Mailer, chegou a reconhecer o "jogo de dados" implícito no uso de drogas. Além da "lucidez superior", da percepção da "nova, fresca e original da realidade, agora desconhecida para o homem comum", aquela que alguns aspiram pelo uso de drogas, há o perigo de "paraísos artificiais", de render-se a formas de voluptuosidade em êxtase, de sensação intensa, e até mesmo visões, desprovidas de qualquer conteúdo espiritual ou revelador, e seguidas de depressão uma vez que se retorna à normalidade, o que só agrava a crise existencial. O fator determinante aqui é a atitude subjacente assumido pelo próprio ser: este quase sempre decide o efeito de tais drogas, em um sentido ou outro. No relato, pode-se referir, por exemplo, dos efeitos da mescalina, descrito por Aldous Huxley (autor já familiarizado com a metafísica tradicional), que se sentia capaz de fazer uma analogia com certas experiências de alto misticismo, ao contrário dos efeitos totalmente banais descritos por Zaehner (o autor quem já citado em nossa crítica Cuttat), que queria repetir experiências de Huxley, com o objetivo de "controlar", mas a partir de uma equação pessoal e atitude completamente diferente. No entanto, dado que o "beat" é um ser profundamente traumatizado, que se lançou em uma busca confusa de 'imprevistos', não se deve esperar nada de muito positivo do uso de drogas. A outra alternativa certamente prevalecerá revertendo os ganhos aparentes iniciais. Além disso, o problema não é resolvido por aberturas escapistas esporádicas na "Realidade", na sequência da qual nos encontramos mergulhados de volta a uma vida privada de significado. Que as premissas essenciais para se aventurar neste terreno são inexistentes é evidente a partir do fato de os"beats" e "hipsters" em grande parte eram jovens, sem a maturidade necessária, evitando toda a auto-disciplina por princípio.

Algumas pessoas afirmaram que o que os 'beats', ou pelo menos alguns deles, obscuramente procuraram, era em essência, uma nova religião. Mailer, disse: "Eu quero que Deus me revele o seu rosto," radicalmente afirmou que eles são os precursores de uma nova religião, que seus excessos e revoltas são formas transaccionais, que "poderia dar à luz amanhã uma nova religião, como o Cristianismo" Tudo isso soa como conversa fiada e, hoje, agora que a avaliação pode ser feita, não existem tais resultados visíveis. É bastante claro que aquilo essas forças carecem são precisamente os pontos superiores e transcendentes de referência, similares aos das religiões, capazes de proporcionar um apoio e uma orientação correta. "Eles buscam por um credo que os salvem", como alguém disse, mas "Deus não está sob ameaça de morte" (Mailer, referindo-se ao Deus da religião teísta ocidental). É por isso que as pessoas que foram chamadas de "místicos beat" buscaram em outras partes, tornaram-se atraídos pela metafísica oriental e, especialmente, no Zen, como já mencionado em outro capítulo. No entanto, em relação a este último ponto, há motivos para questionar as motivações envolvidas. O Zen exerceu influência sobre os indivíduos em questão, especialmente, por causa das súbitas aberturas iluminadoras na Realidade (através do satori), a explosão e rejeição de todas as superestruturas racionais, e da irracionalidade pura, a demolição implacável de todos os ídolos, e dos eventuais meios violentos, poderiam produzir. Pode-se entender que tudo isso atrairia bastante o ocidental jovem desenraizado, que não pode tolerar qualquer disciplina, que vive de aventuras, e que está em um estado de rebelião. Mas a realidade é que o Zen pressupõe tacitamente uma orientação anterior, ligada a uma tradição secular, e os ensaios muito difíceis não são excluídos. Poderá ser suficiente ler a biografia de alguns mestres zen: Suzuki, que foi o primeiro a introduzir essas doutrinas no Ocidente, literalmente falou de um "batismo de fogo", como preparação para o satori. Arthur Rimbaud expôs um método de se tornar um vidente, através de "desarranjo sistemático dos sentidos", e não descarta a possibilidade de que, em uma vida absolutamente, mortalmente, aventureira, mesmo sem um guia, procedendo sozinho, 'aberturas' do tipo que alude o Zen poderiam acontecer. Mas estas seriam sempre exceções, que, de fato, incorporam um certo caráter miraculoso, como se estivesse predestinado, ou sob a proteção de um bom daemon. Pode-se suspeitar que o motivo por trás da atração que o Zen e semelhantes doutrinas são capazes de exercer sobre 'beats' é esta: os 'beats' supõem que essas doutrinas dão uma espécie de justificação espiritual para a sua disposição anárquica puramente negativa, no sentido da pura desordem, o que lhes permite escapar a tarefa inicial, que, no seu caso, se resume a dar-se uma forma interna. Essa necessidade confusa de um ponto superior e supra-racional de referência, e, como alguém já disse, um meio de aproveitar "o segredo chamado do ser", também é completamente desviante, quando esse "ser" é confundida com a 'Vida', seguindo teorias como as de Jung e Reich, e quando se vê no orgasmo sexual, e na entrega ao tipo crises degeneradas e Dionisíaca, por vezes, oferecido pelo jazz, e outros caminhos adequados para 'sentir-se real ", de entrar em contato com a Realidade.

Com relação ao sexo, repetimos o que já disse acima, no capítulo XII, ao analisar as perspectivas dos precursores da "revolução sexual". Um dos personagens de Wilson do já citado romance interroga-se se "a necessidade sentida por uma mulher não é apenas a necessidade em nós por aquela intensidade", se o impulso maior, rumo a uma liberdade suprema, não é obscuramente manifestado no impulso sexual. Esta questão poderia ser legítima. Já lembramos que a concepção não-biológica e não sensacionalista, mas, em certo sentido, transcendente da sexualidade, tem, de fato, antecedentes precisos e não-extravagantes em ensinamentos tradicionais. No entanto, é preciso consultar a discussão já apresentada sobre este assunto em "A Metafísica do Sexo", onde sublinhamos a ambivalência da experiência sexual, ou seja, o positivo ou negativo "des-realização" e "des-condicionamento" das possibilidades ali contidas. No entanto, quando o ponto de partida é uma espécie de angústia existencial, ao ponto em que o 'beat' parece obcecado com sua incapacidade de atingir "o orgasmo perfeito '(como descrito nas vistas acima mencionados por Wilhelm Reich, e, em parte, por DH Lawrence, que afirmou ver no sexo um meio de integrar-se na energia primordial da vida) - em tais casos, não há motivos para pensar que os conteúdos negativos e dissolucionários da experiência sexual irão predominar, também porque as condições existenciais preliminares necessárias para o oposto ser verdade são inexistentes: o sexo e a força corrente do orgasmo irá possuir o eu, e não vice-versa, como deve ser o caso, se isso fosse servir como um caminho. O mesmo vale para drogas: uma geração jovem desperdiçada não pode lidar com experiências deste tipo (que também são considerados pela Via da Mão Esquerda). Quanto à liberdade sexual plena, como revolta simples e não-conformidade, é estupidez, e não tem nada a ver com o problema espiritual.

Infelizmente, não há muito para se extrair numa análise do que os 'beats' e 'descolados' têm buscado, em um plano individual e existencial, como uma contrapartida a uma revolta legítima contra o atual sistema, para preencher o vazio, e resolver o problema espiritual. A situação de crise continua. Apenas em casos excepcionais, pode-se encontrar algo de valor positivo, no caso de um "anarquista de direita". É certo que o problema é um problema de material humano. Quanto à prática do não-conformismo, destruição dos mitos, dissociação fria em frente a todas as instituições burguesas: não pode haver objeção, se tal curso é seriamente seguido pela nova geração. Seguindo o desejo de alguns representantes da 'beat' geração, nós não rejeitamos seu movimento como uma tendência passageira. Nós apenas consideramos em seus aspectos mais característicos; seu problema característico é uma expressão natural da época atual. Seu significado permanece, apesar de suas formas terem deixado de existir nos Estados Unidos, ou de apresentar qualquer sedução especial para a juventude.

Gostaríamos agora de considerar o problema da geração mais jovem um pouco mais especificamente. Há jovens que se revoltam contra a situação sócio-política na Itália, e que estão, ao mesmo tempo interessado no que chamamos, em geral, o mundo da Tradição. Enquanto, por um lado, eles se opõem às forças de esquerda e ideologias que invadem perigosamente no plano prático, por outro lado, eles olham para horizontes espirituais, e tomam algum interesse nos ensinamentos e disciplinas da sabedoria antiga. Temos, assim, forças que estão potencialmente 'em guarda'. O problema é chegar com as direções que são capazes de dar uma orientação positiva para a sua atividade.

O nosso livro 'Ride the Tiger ", considerado por alguns como um "manual para o anarquista de direita", resolve o problema até certo ponto, na medida em que se trata essencialmente - uma coisa que não tem sido salientada suficiente - apenas para um tipo diferenciado e bastante específico de homem, com um alto nível de maturidade. Consequentemente, as orientações oferecidas no livro nem sempre são adaptados, ou, em geral, realizáveis, para a categoria de jovens a que acabamos de aludir.
A primeira coisa a recomendar a esses jovens é a prudência em relação a todas as formas de interesse ou entusiasmo que pode ser de origem meramente biológica, isto é, devido à sua idade. Deve ser visto se a sua atitude permanecerá inalterada com a chegada da idade adulta, quando terão de resolver os problemas concretos da existência. Infelizmente, a nossa experiência pessoal mostrou-nos que este é raramente o caso. Na virada do, digamos, seus trinta anos, apenas alguns mantêm as mesmas posições.

Já falamos de uma juventude que não é apenas biológica, mas que também tem um aspecto espiritual interno, não necessariamente condicionada pela idade. Essa juventude superior pode, contudo, manifestar-se nos outros jovens. Não iremos dizer que é caracterizada por "idealismo", pois o termo é usado e ambíguo, e devido a capacidade de "desmistificar" ideais, ao aproximar-se do nível dos valores convencionais, é uma qualidade que esses jovens compartilhem com outras correntes de uma orientação bastante diferente. Preferimos falar de uma certa capacidade de entusiasmo e élan, a devoção incondicional e desprendimento de existência burguesa e de interesses puramente materiais e egoístas. Preferimos falar de uma certa capacidade de entusiasmo e élan, a devoção incondicional e desapego da existência burguesa e de interesses puramente materiais e egoístas. No entanto, a primeira tarefa é assimilar aquelas disposições que, entre as melhores, se desenvolvem em paralelo com a juventude física, fazer delas qualidades permanentes, resistindo a todas as influências opostas ao que se está fatalmente exposto com a idade. Quanto à não-conformismo, a primeira coisa necessária é um estilo de vida que é estritamente anti-burguês. Em seu primeiro período, Ernst Jünger não tinha medo de escrever: "É melhor ser um delinquente do que um burguês"; não estamos dizendo que esta fórmula deve ser tomada ao pé da letra, mas indica uma orientação geral. Na vida diária é preciso também ter cuidado com as armadilhas apresentadas pelos assuntos sentimentais, como casamento, família, e tudo o que pertence às estruturas residuais de uma sociedade visivelmente absurda. Esse é um ponto fundamental. Por outro lado, para o tipo em questão, certas experiências, como o caráter problemático que vimos no caso dos 'beats' e 'hipsters', não podem oferecer os mesmos perigos.

Para contrapor o peso da auto-disciplina, essa juventude tem de desenvolver um gosto pela auto-disciplina que é livre de formas, desligada de qualquer necessidade social ou "pedagógica". Esta dificuldade é causada pelo fato que tal formação pressupõe, como um ponto de referência, certos valores, enquanto a juventude rebelde rejeita todos os valores, todas as "morais", da sociedade atual, e da sociedade burguesa, em particular.

Entretanto, aqui, uma distinção deve ser feita. Há valores que possuem um caráter conformista, e uma justificativa inteiramente externa, social - para além de certos "valores" que permanecem como tal, porque suas fundações originais estão irremediavelmente perdidas. Por outro lado, certos outros valores são oferecidos apenas como suportes, para garantir ao ser uma verdadeira forma e firmeza. Coragem, lealdade, franqueza, o desgosto por ter mentido, a incapacidade de trair, a superioridade a todo egoísmo mesquinho e todo o interesse inferior, pode ser contado entre os valores que, em certo sentido, estão acima do "bem" e do "mal", e que estão em uma 'não-moral', um plano ontológico: precisamente porque eles fornecem a base para um 'eu', ou reforçá-o, contra a condição apresentada pela natureza instável, fugitiva e amorfa. Aqui não existe qualquer obrigatoriedade. A disposição natural do indivíduo por si só deve decidir. Para usar uma imagem, a natureza nos presenteia com tantas substâncias que tenham atingido a cristalização completa, como aqueles cristais imperfeitos e incompletos, misturadas com gangas frágeis (o mineral ou substância de terra associado com minério metálico). Claro, não chamaremos o primeiro de "bom" e o segundo de "ruim", num sentido moral. Em verdade eles são diferentes graus da "realidade". O mesmo vale para o ser humano. O problema da formação dos jovens, e seu amor para a auto-disciplina, deve ser medido nesse plano, além de todos os critérios e valores da moral social. F. Thiess com razão escreveu: "Existe vulgaridade, mesquinhez, baixeza, animalidade, traição, assim como existe a prática estúpida da virtude, a intolerância, o respeito conformista com a lei. O primeiro vale tão pouco quanto o último.".

Em geral, cada juventude é caracterizada por um excesso de energias. A questão do seu uso surge em mundo como o nosso. A este respeito, pode-se considerar em primeiro lugar o aspecto do desenvolvimento externo, físico do processo de "formação". Faríamos bem em não recomendar a prática de esportes modernos em sua quase totalidade. O esporte é de fato um dos fatores típicos da brutalização das massas modernas, e um caráter vulgar é quase sempre associado a ele. Mas certas atividades físicas particulares podem ser admitidas. Um exemplo é oferecido pelo montanhismo de alta altitude, desde que possam ser restaurados à sua forma original, sem as ajudas técnicas e a tendência à pura acrobacia que deformou e tornou-o um pouco materialista nos últimos tempos. Pára-quedismo também pode oferecer possibilidades positivas - em ambos os casos, a presença do fator de risco é um apoio útil para o fortalecimento interior. Como outro exemplo, pode-se mencionar artes marciais japonesas, desde que haja a oportunidade de aprender de acordo com sua tradição original e não sob as formas que hoje em dia são difundidas no Ocidente - formas privadas de qualquer contraparte espiritual, graças ao domínio dessas atividades estarem ligados às formas sutis de disciplina interna e espiritual. Nos últimos tempos, certas corporações de estudantes da Europa Central, o Korpsstudenten praticaram o Mensur - ou seja, duelos cruéis, mas não fatais, seguindo normas precisas (com cicatrização faciais como marcas) - com o objetivo de desenvolver a coragem, firmeza, intrepidez , resistência a dor física. Enquanto certos valores de uma ética superior, da honra e da camaradagem foram privilegiados, evitando certos excessos eventuais, essas corporações ofereceram várias possibilidades. Mas tendo os contextos sócio-culturais desaparecidos, qualquer coisa desse tipo hoje em dia na Itália, é impensável.

A superabundância de energias também pode levar a várias formas de "ativismo" no domínio sócio-político. Nestes casos, um sério exame é essencial, em primeiro lugar para garantir que um eventual envolvimento com certas ideias que se opõem ao clima geral não são somente uma forma de gastar energia (ainda mais quando, em diferentes circunstâncias, até mesmo ideias muito diferentes poderiam servir ao mesmo objetivo): o ponto de partida e a força motor são uma verdadeira identificação com essas ideias, atingindo à base de um reconhecimento de seu valor intrínseco. Dito isto, em relação a qualquer tipo de ativismo, a dificuldade é que, mesmo se o tipo de juventude que nos referimos compreenda quais idéias valem a pena lutar, dificilmente poderiam encontrar, no clima atual, as frentes, partidos ou grupos políticos que verdadeiramente e intransigentemente defendem idéias desse tipo. Outra circunstância - dada a fase em que estamos atualmente, a luta contra movimentos políticos e sociais que hoje dominam possui poucas chances de alcançar resultados globais apreciáveis - tem pouco peso na análise final, porque aqui a norma deve ser fazer aquilo que deve ser feito, enquanto disposto a lutar, eventualmente, até mesmo por posições perdidas. De qualquer forma, afirmar hoje uma "presença" pela ação sempre será útil.

Quanto ao ativismo anarquista de mero protesto, este pode variar de certas manifestações violentas rotuladas como "pertencente ao underground", como aquelas dos jovens de certas nações (já discutimos o caso dos países do Norte da Europa onde reina o estado de "bem estar social"), até atos terroristas, como aqueles utilizados pelos anarquistas políticos niilistas da 'velha guarda'. Devemos excluir os motivos de certos 'beats', isto é, o desejo de uma ação violenta só por querer uma sensação que ela traz - mesmo no contexto de uma simples tomada de energias, tal ativismo parece infundado. Certamente, se pudessem organizar hoje uma espécie ativa de "Santo Vehm", capaz de manter os principais responsáveis pela subversão contemporânea em um estado de insegurança física contínua, seria algo excelente. Mas isso não é algo que os jovens possam organizar, e, além disso, o sistema defesa da atual sociedade é muito bem construído para que essas iniciativas não sejam interceptadas desde o início, e o preço pago é muito alto.

Um ponto final deve ser considerado. Na categoria de jovens que estamos atualmente discutindo, que, no contexto do mundo atual, podem ser definidos como "anarquistas de direita", encontramos alguns indivíduos que, ao mesmo tempo, com as perspectivas de realização espiritual que foram apresentadas por sérios proponentes do movimento tradicionalista, com referências as antigas doutrinas sapienciais e iniciáticas, possuem uma atração. Isso é algo muito mais sério que o interesse ambíguo exercido pelo irracionalismo de um mal entendido entre alguns 'beats' americanos, talvez somente por conta de uma diferente qualidade das fontes de informação. Tal atração é compreensível, se consideramos o vácuo espiritual que tem sido criado, após a decadência das formas religiosas que dominaram o ocidente e o questionamento de seu valor. Distinto destes, pode-se observar que existe uma aspiração a algo muito superior, e não por substitutos inúteis. No entanto, quando se fala da juventude, não devemos nutrir aspirações demasiadamente ambiciosas e distantes da realidade. Não é preciso somente ter a maturidade exigida; o que também deve ser levado em conta é o fato que o caminho que nós indicamos nos capítulos anteriores (XI e XV) requer, e sempre exigiu, um pré-condicionamento particular, algo semelhante ao que é conhecido como uma 'vocação', em um sentido específico, dentro das ordens religiosas. Sabe-se que nestas ordens uma certa quantidade de tempo é permitido para que o novato possa verificar a autenticidade de sua vocação. Aqui, devemos repetir o que dissemos antes sobre a vocação mais geral que se pode sentir como um jovem: é preciso verificar se ele se fortalece em vez de enfraquecer com a idade.

As doutrinas a que nos referimos não podem dar à luz as ilusões patrocinados pelas muitas formas impuras do neo-espiritualismo contemporâneo - teosofia, a antroposofia, etc - ou seja, a ideia de que o maior objetivo está dentro do alcance de todos, e a realização por este ou aquele expediente; ao contrário, deve antes aparecer como um distante divisor de águas, alcançado apenas por um longo caminho, difícil e perigoso. Apesar disso, podemos sempre indicar, para aqueles que nutrem um interesse sério, algumas tarefas preliminares e momentâneas. Em primeiro lugar, poderiam dedicar-se a uma série de estudos sobre sua visão geral da vida e do mundo, que é a contrapartida natural dessas doutrinas, de modo a adquirir uma nova formação mental, que corrobora de forma positiva o "não" que devem pronunciar a tudo o que existe hoje, e para eliminar as várias intoxicações graves pela cultura moderna. A segunda fase, a segunda tarefa, seria ultrapassar a fase puramente intelectual, fazendo um certo conjunto "orgânico" de ideias, que determinam uma orientação existencial fundamental e dar, assim, o sentimento de uma segurança indestrutível e inalterável. Um jovem que gradualmente chegou a esse patamar já teria ido muito longe. Pode-se deixar indeterminado o "sim" e o "quando" a terceira fase, em que, mantendo a tensão original, certos atos de "descondicionamentos" podem ser analisados em respeito ao limite humano. A este respeito, fatores imponderáveis entram em jogo e a única coisa razoável a se conseguir é uma preparação adequada. Esperar resultados imediatos em sua juventude é um absurdo.



Várias experiências nos convenceu que estas breves considerações e esclarecimentos finais não são desnecessários, embora, obviamente, dizem a respeito de um grupo bastante diferenciado da juventude não conformista: daqueles que com precisão perceberam o problema espiritual específico. Assim, temos ido muito além do que é comumente chamado de "o problema da juventude". O "anarquista de direita" pode ser concebido como um tipo suficientemente distinto e compreensível, em oposição à juventude estúpida, dos rebeldes "sem causa", e aqueles que se oferecem para a aventura, para realizar experiências que proporcionam nenhuma solução real, nenhuma contribuição positiva, uma vez que ainda não tem uma forma interna. Em todo rigor, pode-se objetar que essa forma é uma limitação, uma forma de escravidão e que contradiz com a pretensão inicial, a liberdade absoluta do anarquismo. Mas, uma vez que é bastante improvável que alguém que faça tal objeção tenha em mente a transcendência, no sentido real e pleno da palavra - o sentindo que este termo tem, por exemplo, na alta ascese - só é preciso responder que a outra alternativa diz respeito a uma juventude "queimada", de tal maneira que nenhum centro sólido resistiu a prova representada pela dissolução geral, pode muito bem ser considerada como um produto existencial puro da mesma dissolução, de modo que essa juventude se ilude muito em pensar que é realmente livre. Essa juventude, seja rebelde ou não, atrai pouco interesse de nós, e não há nada para ser feito com ela. Ela só pode servir como um estudo de uma patologia dentro de um quadro geral da época.

Julius Evola em L'Arco e la Clava (1968)

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A Ordem Andrógina Mundial: Feminismo, Movimento LGBTI e a Abolição de Gênero

No 114º Congresso de Correção, realizado de 15 de Agosto de 2014 em Salt Lake City, contou com uma oficina sobre o Ato de Eliminiação do Estupro em Prisões (PREA) e suas ramificações para lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTI) em detenção. O consenso dos que apresentaram este workshop foi que os presos dessas orientações particulares corriam risco aumentado de vitimização sexual. Nem uma só vez durante o curso deste workshop foi levantado a possibilidade que os detentos LGBT na verdade cometem este tipo de vitimização. Esta omissão implícita traiu parcialmente os que aceitam orientações sexuais não convencionais. Talvez essa omissão foi, em certa medida, atribuível à perspectiva geral de quem montou o workshop. A oradora principal foi Bernadette Brown, que, além de ser um Especialista Sênior do Programa para o Conselho Nacional de criminalidade e delinquência, é lésbica auto-declarada. Durante sua apresentação, Brown declarou corajosamente: "O gênero é uma construção social" (Brown).

Esta afirmação radical, que depende de uma disjunção suposta entre sexo e gênero, certamente não é nada nova. Nos últimos anos, tem sido amplamente popularizado pelas feministas sociais e politicamente ativas. Reconhecendo as implicações igualmente vantajosas da dicotomia sexo / gênero para o seu próprio movimento social, várias organizações de direitos LGBTI também adotaram como justificativa central para suas plataformas. Subjacente a alegação consiste na promoção tácita da androginia como algo normativo. Por sua vez, a promoção da androginia pode ser traçada ainda mais para trás, na mais generalizada de antigas heresias: o gnosticismo. O pseudepigráfico Evangelho de Tomé exemplifica esta visão normativa da androginia. No dizer 22, na revisão Gnóstica de Cristo retrata a androginia como uma união salvífica:

Jesus disse-lhes: "Quando você faz os dois em um, e quando você faz o interior como o exterior e o exterior como o interior, o superior como inferior, e quando você faz sexo masculino e feminino num só, de modo que o macho não seja mais macho nem a fêmea seja mais feminina, quando você faz os olhos em lugar de um olho, uma mão em lugar de uma mão, um pé em lugar de um pé, uma imagem no lugar de uma imagem, então você vai entrar [o reino]. "

Como é o caso da maioria dos movimentos revolucionários que povoam a modernidade, o feminismo se qualifica como o Eric Voegelin chamava a religião política gnóstica. O gnosticismo ensinava que, no início, houve uma singularidade espiritual (o "Pleroma") dentro do qual a divindade funcionava em potência ideal. Esta unidade pura foi dividida em uma pluralidade pelo erro de um ser intermediário deífico conhecido como Sophia ("sabedoria"). Emanando do próprio ser de Sophia estava uma consciência com defeito que, eventualmente, assumiu a denominação bíblica de Jeová, que os gnósticos, blasfemando caricaturado como o "Arconte da arrogância." Este ódio a Deus, dos gnósticos, deveu-se a atribuição de um estatuto ontológico para o mal. Com o mal, a corrupção foi projetada sobre todas as coisas externas para o gnóstico. Esta projeção abrangeu o mundo externo, que invariavelmente se tornou o recipiente de desprezo explícito ou implícito.

Por acreditarem que o mal possuía substância e forma, os gnósticos estavam predispostos a alguma variante do docetismo e o dualismo maniqueísta. A diminuição da condição humana, que o cristianismo bíblico identifica como a queda dos pais originais da humanidade, foi confundido com o próprio ato de criação. Afinal, se o mal possui forma e substância, então apenas um Deus malévolo restringiria a pureza de espírito para a corrupção da matéria. A exoneração de Deus implicou a bifurcação arbitrária de papéis como Criador e Pai em duas divindades separadas. Deus Pai foi docetisticamente retratado como absolutamente transmundano, onticamente distante da ordem criada. Deus, o Criador foi retratado como um verdadeiro guardião presidindo a prisão cósmica do mundo material. Assim, os gnósticos difamavam o Deus bíblico por causa de seu papel criador.

O reino palpável foi um acidente horrível, resultante de uma fragmentação pré-cósmica do Pleroma.  Os fragmentos corruptos e isolados da essência divina emanada nos confins ontológicos do mundo material eram considerados com uma atitude cosmológica docética. Através desta lente interpretativa, o estado existencial do corpo físico era equivalente a prisão. Aqui se encontra a base da visão normativa da androginia. Porque a posse dos órgãos sexuais é uma característica definidora da personificação física, o gnosticismo manifestou um escárnio tácito para as categorias de gênero masculino e feminino. A partir deste pessimismo antropológico surgiu um pessimismo cosmológico mais amplo. O domínio espaço-temporal foi considerado como uma colônia penal regida pelos agentes demoníacos do tempo e espaço. A humanidade supostamente foi empurrada para esta prisão cósmica através do ato de criação. Agrilhoados pelas leis físicas da natureza e uma moralidade objetiva codificada como a lei mosaica, o pneuma (espírito) do homem encontrava-se separado do pneuma divino e em um perpétuo estado de alienação. Este estado só poderia ser superado por ação com base na gnose (ou seja, o conhecimento de revelação direta de unidade da humanidade com o divino). Gnosis era considerada superior a pistis (fé).

A concepção gnóstica da unidade com Deus não deve ser confundido com o conceito cristão ortodoxo, que é dito em Pedro 1: 4. Nessa passagem, Pedro afirma que os cristãos desfrutam da promessa de se tornar "participantes da natureza divina." O que Pedro estava descrevendo era theosis, uma transformação em todo o ser do cristão conforma ele / ela de acordo com a imagem do Cristo ressuscitado. Em contraposição, o gnosticismo na verdade ensinou que o homem era parte integrante de Deus. Como tal, o homem era ontologicamente equivalente com Deus. Assim, a promessa da gnosis era a promessa da transfiguração do ser humano em divino ou apoteose. No original grego, o prefixo apo- transmite denotações espaciais como "longe", "distante", e "para além". Estes termos indicam uma distinção ou separação. Claro, theos significa "Deus". Então, apoteose significa uma transfiguração que ocorre completamente à parte de Deus. A salvação, para o gnóstico, não se dava na redenção do homem pecador através de Jesus Cristo, mas sua redenção de seu isolamento e alienação dentro do cosmo material através da gnose. Gnosticismo divorciou o Criador a partir do processo salvífico, opondo-se, assim, a soteriologia teocêntrica do cristianismo com uma soteriologia antropocêntrica.

Durante o século 18, com o Iluminismo, o gnosticismo religioso torna-se o gnosticismo político. Conforme gnosticismo religioso se transformava em gnosticismo político, seu enquadramento dualista se inverteu. Onde antigo gnosticismo valorizava a transcendência, o novo gnosticismo valorizava a imanência. Em contraste aos objetos da experiência transcendente, os objetos da experiência imanente estão dentro dos limites experimentais do homem. Como tal, eles permanentemente permeiam o universo físico. A vontade, a consciência e até mesmo o Divino estão ontologicamente ancorados às agências materiais. Neste sentido, gnosticismo imanentista  sincroniza em vez confrontar o materialismo moderno, o que é irônico, tendo em conta a attitude docética antiga para a materialidade.

A codificação da antiga heresia cristã gnóstica em uma doutrina revolucionária resultou na secularização da escatologia cristã que muitos pensadores iluministas ridicularizavam. Para o gnóstico moderno, o eschaton (ou seja, fim dos dias) habita a própria história. Esta escatologia secular, que assumiu uma miríade de formas entre os movimentos revolucionários socialistas modernos, oferecia uma história redentora que culminaria na Parusia imanente, facilitada pela mão do homem. Por exemplo, o marxismo defendia que o proletariado redimiria o mundo de milhares de anos de exploração de classe. Da mesma forma, o arianismo de Hitler prometeu redimir o mundo da suposta corrupção da humanidade pelas chamadas raças "inferiores". O feminismo cultural, que ganhou destaque nos últimos anos, procura resgatar o mundo de milênios da alegada dominação masculina.

A vertente gnóstica que funciona através do tecido feminista se torna evidente pelas experiências do movimento na engenharia religiosa. Visualizando a religião através da mesma ótica pragmática do Iluminismo de August Comte, as feministas tentar re-esculpir as religiões tradicionais ao longo de contornos socialmente e politicamente oportunos. A teóloga Rosemary Radford Ruether declara: "A teologia feminista tem de criar uma nova base textual, um novo cânone ... a teologia feminista não pode ser feita a partir da base existente da Bíblia cristã" (Ruether ix). Qual é uma das principais fontes de inspiração para a teologia feminista? A resposta é fornecida pela teóloga feminista Chung Hyun Kyung, que afirma candidamente: "As feministas estão livres para usar os textos gnósticos antigos, originalmente rejeitados como heréticos, porque o cânone cristão foi criado pelos homens" e que "as mulheres não são obrigadas a aceitar um livro ... elas não fizeram parte" (qutd. Jones 82).
Segundo Voegelin, a soteriologia antropocêntrica do gnóstico moderno só pode alcançar a aparência de sentido na ausência de Deus. Afinal de contas, a fim de criar uma nova ordem, é preciso primeiro suplantar o criador do antigo. Esta mudança de regime cósmico prevê o ato revolucionário final: deicídio. Voegelin reitera: 

Para que a tentativa de criar um novo mundo faça sentido, a naturalidade da ordem deve ser destruída; a ordem do ser precisa ser interpretada de forma que esteja essencialmente sob o controle do homem. E a tomada de controle do ser ainda requer que a origem transcendente do ser seja destruída: exige a decapitação do ser - o assassinato de Deus.

O assassinato de Deus é precisamente o que o feminismo tem em mente. A feminista Naomi Goldenberg afirmou: "[O] movimento feminista na cultura ocidental está envolvido na execução lenta de Cristo e Jeová. No entanto, muito poucas das mulheres e homens que trabalham para a igualdade sexual dentro do cristianismo e do judaísmo percebem a extensão da sua heresia "(Jones 195). Resumindo o objetivo feminista de deicídio, Goldenberg afirma: "Nós, mulheres, vamos pôr um fim a Deus".

O antigo gnosticismo reinvindicava a gnosis (ou seja, o conhecimento secreto) como o núcleo de sua a soteriologia antropocêntrica, o feminista reivindica uma fábula iluminada da androginia. A ironia é que, enquanto a androginia ostensivamente combina traços masculinos e femininos, a feminista trabalha ativamente para roubar as mulheres de sua feminilidade. Este roubo é efetuado através do divórcio entre gênero e sexo. Assim como o gnóstico via o cosmos e sua ordem hierárquica inerentemente como uma ilusão projetada por algum demiurgo malévolo, a feminista retrata a masculinidade e a feminilidade como construções sintéticas impostas sobre a humanidade por alguma tirania patriarcal quimérica.

A bifurcação entre sexo e gênero baseia-se na dicotomia eternamente debatida da natureza e criação. No quadro de polarização da divisão sexo / gênero, o sexo é retratado como um produto da natureza, enquanto o gênero é retratado como uma conseqüência da criação. No entanto, a evolução da neurociência está tornando a dicotomia natureza / criação insustentável. Darlene Francis e Daniela Kaufer diz:

O dilema "natureza versus criação" foi revigorado quando os genes foram identificados como as unidades de hereditariedade, contendo informações que orienta e influencia o desenvolvimento. Quando o genoma humano foi sequenciado em 2001, a esperança era de que todas essas perguntas fossem respondidas. Na década seguinte, tornou-se evidente que há muitas mais perguntas do que antes.
Chegamos a um ponto em que a maioria das pessoas são espertas o suficiente para saber que a resposta correta não é "natureza" ou "criação", mas uma combinação dos dois. No entanto, tanto os cientistas como leigos ainda gastam muito tempo e esforço para tentar quantificar a importância relativa da natureza e criação.
Os recentes avanços na neurociência trouxeram um argumento convincente para finalmente abandonar o debate natureza x criação para se concentrar na compreensão dos mecanismos através dos quais genes e ambientes estão perpetuamente entrelaçados ao longo da vida de um indivíduo. ("Além da natureza versus criação")

Desde que os avanços da neurociência estão rapidamente banindo a dicotomia natureza / criação, é lógico que a divisão sexo / gênero também está sendo banida com ela. Se a natureza e a criação não estão dicotomicamente relacionadas, então também não estão sexo e gênero. Assim, sexo e gênero não pode estar situado dentro das polaridades extremas de algum tipo de oposição binária. Tal enquadramento binário de oposição resulta em confusão terminológica relativo as diferenças gerais entre os sexos e as nuances internas que surgem dentro de cada um. Em Gênero, Natureza e Criação, Richard Lippa chama a atenção para essa confusão terminológica:

Alguns pesquisadores argumentam que a palavra sexo deve ser usada para se referir ao estado biológico do homem ou mulher, ao passo que a palavra gênero deve ser usada para se referir a todos os apetrechos socialmente definidos, aprendidos e construídos ao sexo, como corte de cabelo, vestido, maneirismos não-verbais, e interesses. No entanto, não está claro o grau em que as diferenças entre homens e mulheres são devido a fatores biológicos em relação aos fatores aprendidos e culturais. Além disso, o uso indiscriminado da palavra gênero tende a obscurecer a distinção entre dois temas diferentes: (a) diferenças entre machos e fêmeas, e (b) as diferenças individuais na masculinidade e feminilidade que ocorrem dentro de cada sexo
Lippa observa que "o próprio conceito de gênero é parcialmente definida pela diferenças entre os sexos - as diferenças de roupas masculinas e femininas, aparência, escolhas profissionais, estilos de comunicação, agressão e comportamentos não-verbais ". Na verdade, as diferenças definem o gênero. Estas diferenças incluem distinções biológicas. Deixando de lado toda a articulações semânticas, gênero e sexo permanecem sinônimos. Esta sinonímia axiomática desafia qualquer disjunção que o revolucionário sexual queira impor à dois.

A disjunção imposta sobre gênero e sexo é arbitrária. Foi projetado para fornecer o revolucionário sexual um grau de expediente de elasticidade na redefinição dos parâmetros de sanidade sexual. Se a identidade sexual pode ser dissociada da biologia, em seguida, até as formas mais nocivas de relação pode ser justificada. O grau em que esta realidade ofende as sensibilidades delicadas do politicamente correto é irrelevante. Apesar das objeções juvenis, é um fato médico inevitável que as formas desviantes de relações sexuais são acompanhadas por certos riscos para a saúde. A principal dessas formas desviantes de relações é o sexo anal, uma prática exercida abundantemente no meio homossexual e alguns setores não convencionais da heterossexualidade. Não importa o quão alto esses enclaves podem levantar objeções, o fato é que, mesmo muitas autoridades médicas seculares concordam que o sexo anal é prejudicial. Uma destas autoridades é Robert I. Krasner, um professor emérito do Departamento de Biologia do Providence College. Ele escreve:

Alguns comportamentos sexuais são considerados mais arriscados e inseguros do que outros. O sexo anal é o mais perigoso porque o revestimento do ânus é mais sensível e sujeito a lesão e rasgos em comparação com o revestimento da vagina, permitindo que o vírus da SIDA (e outros microorganismos) tenha fácil passagem para o sangue.

É claro, a pesquisa objetiva raramente impede que aqueles que acreditam que a realidade vai se ajustar para acomodar o seu hedonismo. Esta mentalidade é exemplificada pelo auto-declarado "professor de sexo" Debby Herbenick, que promove o sexo anal como uma "forma de explorar e encenar novas fantasias com [seu] amante". Em função dos riscos de saúde óbvios inerentes a tal modo de relação sexual, tal promoção trai uma recusa infantil para comungar com a verdade em seus próprios termos. Para contornar os fatos inconvenientes que cercam suas práticas nocivas, os revolucionários sexuais evocam a disjunção ficcional entre gênero e sexo. O objetivo final é o de racionalizar a rejeição da ordem natural imutável e consagrar os próprios apetites.

Sustentar a separação entre sexo e gênero é uma visão não teleológica generalizada. Através desta lente interpretativa, biologia torna-se um mero acidente da natureza. Alguém que passa a ser do sexo masculino ou feminino é uma conseqüência de forças cegas, sem propósito se impõe sobre máquinas compostas de carne. Ironicamente, os defensores de tal perspectiva, muitas vezes expressam seu acordo à teoria da evolução, que é irredutivelmente teleológica. Não importa o quanto o evolucionista possa formular objeções, o fato é que o processo evolutivo se esforça no sentido de um telos. Tal esforço pressupõe a orientação de uma agência racional. É terrivelmente difícil invocar forças cegas despropositadas, ao mesmo tempo postular um sistema de desenho intrincado. Assim, mesmo se a biologia fosse o resultado da evolução, as classificações biológicas de homens e mulheres dificilmente se qualificariam como acidentes.

Além disso, o retrato não teleológico do universo é sem sentido. Este retrato é auto-refutável. Aquele que afirma que a existência não tem sentido deve primeiro assumir que a sua própria proclamação não teleológica tem sentido. Se o universo fosse realmente sem sentido, então nunca se poderia expressar tal visão significativa. Evidentemente, há um sentido no universo. Caso contrário, até mesmo as afirmações não teleológicas não poderiam ser coerentemente transmitidas. Esta contradição interna da perspectiva não teleológica desmente os verdadeiros motivos dos que invocam. Esses motivos são articulados em vez abertamente por Aldous Huxley:

Eu tinha motivos para querer que o mundo não tivesse sentido. Para mim, como sem dúvida para a maioria dos meus contemporâneos, a filosofia da falta de sentido era essencialmente um instrumento de libertação. A libertação que desejávamos era ao mesmo tempo a libertação de um determinado sistema de moralidade. Nós contestávamos a moralidade, porque ela interferia com a nossa liberdade sexual. Posicionávamos contrário ao sistema político e econômico, porque era injusto. Os defensores desses sistemas afirmam que, de alguma forma eles encarnavam o sentido - cristão, eles insistem - do mundo. Havia um método admiravelmente simples de confundir essas pessoas e ao mesmo tempo nos justificar em nossa revolta política e erótica. Podíamos negar que o mundo tinha qualquer sentido.

Os objetivos da "revolta política e erótica" são supostamente defensáveis pela "filosofia da falta de sentido." A divisão de sexo e gênero também depende mediante essa des-teleologia. Em última análise, a "filosofia de sentido" camufla objetivos revolucionários. As várias organizações feministas e LGBT que estão re-esculpindo civilização ocidental abrigam objetivos revolucionários semelhantes. Este fato ressalta ainda outra contradição endêmicas da dicotomia sexo / gênero. A alegação de que o gênero é uma construção social é auto-refutável, pois é, essencialmente, fruto de movimentos (particularmente várias organizações feministas e LGBT) avançando o seu próprio conjunto de construções sociais. Assim, a própria afirmação é uma construção social. Uma vez que construções sociais são vistas como mutáveis na melhor das hipóteses e inerentemente falsa, na pior das hipóteses, deve-se concluir que a representação de gênero como uma construção social é considerada insustentável pelos seus próprios critérios de aceitabilidade.

Supondo-se que o gênero é uma construção social, estaria cometendo a falácia genética pressupondo sua falsidade de tais razões. Simplesmente sublinhando o possível ponto de origem de uma crença não torna automaticamente a falsa crença. Pode-se argumentar que a advertência de evitar falar com estranhos é uma construção social, mas poucos efetivamente consideram ignorar esta admoestação dos pais só porque ela pode ter se originado através da prática social ou cultural. Na verdade, as categorias de gênero pode ter se originado através da prática social ou cultural porque a sociedade ou cultura reconheceram certas verdades imutáveis de uma só vez. Uma destas verdades imutáveis era de que a natureza e a biologia não se ajustarão para acomodar os desejos daqueles que procuram redefinir os parâmetros de sanidade sexual.

Muitas pessoas de todo o espectro político têm notado o papel do feminismo como um agente de mudança social destrutivo. Fontes tão diversas como a comentarista direitista de rádio Rush Limbaugh e a dissidente feminista Camille Paglia têm comentado sobre as maneiras pelas quais o movimento feminista, em particular a segunda onda do feminismo, que foi lançado em 1960, provocou uma apostasia gradual da sanidade sexual e uma erosão da estabilidade social. Poucos, no entanto, escreveram ou falaram sobre as origens do feminismo moderno em outros níveis da política e da inteligência. O fato de que o feminismo moderno era cultivado no mundo invisível das elites desviantes e círculos de inteligência criminalizadas não podem ser afastadas como fantasia paranóica.
Aaron Russo, o famoso produtor de cinema e diretor americano, pode ter aprendido uma parte da história oculta do feminismo durante as conversas que teve com Nicholas Rockefeller, membro da infame dinastia Rockefeller. Alguns céticos e céticos patológicos têm afirmado que Nicholas Rockefeller era apenas uma invenção da imaginação de Russo. Nicholas Rockefeller, no entanto, é uma pessoa muito real, como é evidenciado pela seguinte biografia fornecida pela Businessweek da Bloomberg:

Sr. Nicholas Rockefeller atuou como Diretor da empresa desde fevereiro de 1999, o Sr. Rockefeller é um advogado do escritório de advocacia de Tropa Meisinger Steuber Pasich Reddick e Tobey, LLP, e está com a empresa desde junho de 1997, antes de se engajar na prática privada da advocacia por dez anos. Mr. Rockefeller também serve como um diretor-gerente do Grupo de Desenvolvimento Rockvest e sua filial, o Fundo Internacional Rockefeller, que supervisiona os investimentos em valores mobiliários negociados publicamente e empresas privadas e mantém uma carteira de capital de risco ativo. Mr. Rockefeller também é presidente do Rockefeller Asia, uma empresa de serviços financeiros. Ele atua como membro do Conselho Consultivo da RAND Centro de Políticas Ásia-Pacífico. Mr. Rockefeller é um membro da Califórnia e Washington, DC bares, e possui um JD da Yale Law School. Mr. Rockefeller é o curador da SHMNM Investment Trust, que atualmente é um acionista da Companhia e que foi estabelecido, nos termos do acordo de acionistas entre o Sr. Nicholas Matzorkis e The Kushner-Locke Company. Mr. Rockefeller foi eleito diretor da Companhia como diretor designado pela confiança, nos termos do acordo de acionistas.

Além de provar que Nicholas Rockefeller não é uma ficção, a biografia Businessweek também dá aos leitores uma idéia do status e posição que este determinado membro da dinastia Rockefeller detém nos círculos da elite. Nicholas Rockefeller não é um homem de negócios de baixo nível ou um alimentador inferior; ele, como muitos outros membros da dinastia Rockefeller, é um sério movimentador-e-agitador.

De acordo com Russo, a Libertação das Mulheres surgiu como um tema de discussão durante uma de suas visitas à residência de Rockefeller. Rockefeller teria pedido Russo: "Libertação da Mulher do que se trata?" ("Reflexões e Advertências - Entrevista com Aaron Russo"). Russo deu a resposta amplamente aceita, afirmando que Libertação das Mulheres tratava "sobre mulheres que têm o direito de trabalhar e conseguir igualdade salarial com os homens, assim como eles ganharam o direito de votar" (ibid). Russo afirmou que Rockefeller começou a rir da sua resposta e o chamou de "idiota" (ibid). Rockefeller, então, disse a Russo que a dinastia Rockefeller financiou o movimento de libertação das mulheres com dois objetivos em mente (ibid). O primeiro objetivo, de acordo com Russo, era trazer as mulheres ao mercado de trabalho, para que uma parcela maior da população pudesse ser tributada (ibid). O segundo objetivo, Russo afirmou, foi a desintegrar a família nuclear tradicional para que as crianças comecem a ver o Estado como sua família (ibid).

A comunidade de inteligência parece ter desempenhado um papel significativo na campanha engenharia social Rockefeller descrita à Russo. Por muitos anos, a dinastia Rockefeller esteve dentro do mundo da inteligência. Durante a Guerra Fria, foram estabelecidos laços íntimos entre a Fundação Rockefeller e círculos de inteligência dos EUA. Autor Frances Stonor Saunders compartilha alguns detalhes a respeito deste casamento profano:

A convergência entre os bilhões Rockefeller e o governo dos EUA ultrapassou até mesmo a Fundação Ford. John Foster Dulles e, posteriormente, Dean Rusk ambos foram da presidência da Fundação Rockefeller e se tornaram secretários de Estado. Outros pesos pesados da Guerra Fria, como John J. McCloy e Robert A. Lovett com destaque como curadores Rockefeller. Posição central de Nelson Rockefeller sobre essa base garantia um relacionamento próximo com os círculos de inteligência dos EUA: ele havia sido encarregado de toda a inteligência na América Latina durante a Segunda Guerra Mundial. Mais tarde, seu sócio no Brasil coronel JC King tornou-se chefe da CIA de actividades clandestinas no hemisfério ocidental. Quando Nelson Rockefeller foi nomeado por Eisenhower para o Conselho de Segurança Nacional em 1954, seu trabalho era aprovar várias operações secretas. Se ele precisava de alguma informação extra sobre as atividades da CIA, ele poderia simplesmente pedir seu velho amigo Allen Dulles. Uma das mais controversas dessas atividades era o programa de pesquisa de controle da mente durante os anos 1950 do CIA MK-ULTRA (ou "Manchurian Candidate"). Esta pesquisa foi assistida por doações da Fundação Rockefeller.
Executando o seu próprio departamento de inteligência durante a guerra, Nelson Rockefeller estivera ausente das fileiras da OSS e na verdade tinha formado uma inimizade ao longo da vida com William Donovan. Mas não havia nenhum preconceito contra os veteranos da OSS, que foram recrutados para a Fundação Rockefeller em massa. Em 1950, o OSS-er Charles B. Fahs tornou-se chefe de divisão da fundação de humanidades. Seu assistente foi outro veterano OSS chamado Chadbourne Gilpatric, que ali chegou diretamente da CIA. 

A Agência Central de Inteligência (CIA) desempenhou um papel muito importante na ascensão de uma das expoentes da segunda onda do feminismo: Gloria Steinem. Steinem cruzou caminhos com a CIA, no outono de 1958, uma época em que sua trajetória dificilmente sugere grandeza. Steinem tinha retornado recentemente de uma viagem de bolsa de estudos da Índia (Wilford 141). Durante a sua estada na Índia, Steinem "tinha amizade com Indira Gandhi viúva do humanista revolucionário MN Roy". Sua exposição à grandeza, no entanto, não resultou em elevação social. De acordo com o autor Hugh Wilford, Steinem "estava tendo dificuldade em encontrar um trabalho gratificante". Steinem "foi reduzida a dormir nos andares de apartamentos de amigos enquanto procurava por trabalho em Nova Iorque".

Foi neste ponto baixo na vida de Steinem que Clive S. Gray entrou em cena para abrir as portas da oportunidade. Steinem conhecera Gray em Delhi, "onde ele estava supostamente trabalhando em uma tese de doutorado sobre o sistema indiano de ensino superior". Na realidade, Gray estava trabalhando para a CIA, "tinha o talento detectar potenciais agentes no movimento estudantil". Gray perguntou a Steinem para chefiar o Serviço Independente de Informações sobre o Festival da Juventude de Viena (ISI), que Wilford descreve como "uma importante empresa estudantil financiado pela CIA lançada em 1957 com o objetivo de resgatar jovens do Terceiro Mundo das garras de propagandistas comunistas".  Gray e os outros fundadores do ISI eram ex-oficiais da NSA que esperavam influenciar as mentes impressionáveis, de jovens participantes do Festival Mundial Vienna da Juventude e dos Estudantes, um evento planejado pelo chefe da KGB e ex-líder estudantil Alexander Sheljepin . De acordo com Wilford, a proposta de Gray era boa demais para Steinem recusar:

A sugestão imediatamente funcinou para Steinem, não apenas porque isso significava o trabalho remunerado, mas porque também oferecia uma saída para o idealismo político despertado nela por suas experiências indianas, e logo após a chamada de Gray ela conheceu em Nova York um outro ex-presidente NSA agente da CIA, Harry Lunn (que, como a maioria dos outros jovens de seu conhecimento, imediatamente se apaixonou por ela). Em seguida, ela viajou para Cambridge para ser entrevistada por dois ex-NSA para Assuntos Internacionais, Len Bebchick e Paul E. Sigmund, Jr., e o advogado de Boston George Abrams. Em janeiro de 1959, ela havia assumido o cargo de Diretor do Serviço de Independente de Informação, com escritórios em Harward Yard e um salário de US $ 100 por semana, mais US $ 5 por dia ", porque as rendas Cambridge estavam custosas" (um generoso subsídio fixado pelo o apaixonado Lunn). 

Steinem não era uma agente involuntária ou ingênua. Ela estava bem ciente do fato de que a CIA estava puxando suas cordas. Wilford elabora:
Em relação a Steinem, ela se tornou ciente quando começou a fazer perguntas sobre o financiamento do ISI, e os agentes da CIA disfarçados explicaram que os magnatas de Boston e fundações aparentemente subsidiaram o empreendimento e repassaram os fundos oficiais.
Nas semanas até o festival, Steinem e sua equipe ISI enviou panfletos e fichas para os alunos planejassem participar. Auxiliando Steinem estava o executivo do Time, Inc. C.D., Jackson, o mestre de guerra psicológica "que secretamente se ofereceu para coordenar uma campanha de propaganda massiva antifestival em nome da CIA, envolvendo a Radio Free Europe, repórteres da Time e ministros austríacos". Quando a CBS cancelou os planos para um documentário de uma hora sobre o festival, Jackson veio em auxílio de Steinem, na tentativa de convencer o presidente da CBS Frank Stanton a reconsiderar. Jackson foi muito bem sucedido na obtenção de apoio aos esforços do ISI no festival.

Muitos pesquisadores de esquerda têm retratado a CIA como um conjunto de arqui-conservadores que oscila ao fascismo. O relacionamento de Steinem com a CIA, no entanto, pinta um quadro diferente. Ao falar com o Washington Post a respeito de sua relação com a CIA, Steinem afirmou: "Na minha experiência, a Agência foi completamente diferente de sua imagem; era liberal, não violenta, e honrosa". Falando sobre o Festival da Juventude Viena, Steinem disse ao New York Times: "Eu estava feliz por encontrar alguns liberais no governo naqueles dias e que se importaram o suficiente para levar os americanos de todas as opiniões políticas para o festival". Steinem, aparentemente, viu pouca diferença entre a sua mensagem radical e as crenças de muitos dentro fileiras da CIA.

Enquanto anti-soviética, a CIA não estava necessariamente em oposição às idéias radicais e revolucionárias. Estreita colaboração da Agência com Steinem ilustra bem este ponto. Não parecia alarmar a CIA, no mínimo, que Steinem buscava desmontar o casamento tradicional e a família nuclear. A Agência não pareceu se importar que as pessoas fossem radicalizadas, desde que controlassem a campanha de radicalização e selecionassem a doutrina revolucionária que deveriam ser divulgadas.

A CIA pode ter desenvolvido um pedigree radical até mesmo incluindo um espetáculo das idéias marxistas. Esta linhagem começou a se desenvolver com precursor da CIA, do Escritório de Serviços Estratégicos (OSS). General William "Wild Bill" Donovan, o chefe da OSS, não se opunha aos comunistas. Donovan justifica o emprego de comunistas, invocando a ameaça das potências do Eixo. Uma vitória dos Aliados, argumentou Donovan, tinha de ser protegida a todo custo. Para Donovan, preocupações sobre a subversão comunista tinha que ser subordinado ao objetivo maior de vencer a Segunda Guerra Mundial. Donovan até disse um assistente da OSS, "eu ia colocar Stalin na folha de pagamento da OSS se eu achasse que iria nos ajudar a derrotar Hitler". O resultado desse pensamento era uma OSS que era "muito tolerante com a esquerda política". Posições estratégicas e sensíveis da agência de inteligência em tempo de guerra não estavam fora dos limites dos comunistas ou marxistas. Autor Richard Harris Smith explica:

Um ex-comunista corretamente declarou: "No Escritório de Serviços Estratégicos ... o emprego de pró-comunistas foi aprovado em níveis muito elevados, desde que fossem adequados para trabalhos específicos." OSS acolheu muitas vezes os serviços de entusiastas marxistas, assim desde que não tentassem esconder suas filiações políticas.
Donovan não só estava aberto para a filiação de comunistas como funcionários da OSS; ele ativamente procurou comunistas para o recrutamento e emprego. Em um ponto, o FBI "triunfantemente apresentou com três funcionários da OSS com filiações do Partido Comunista e exigiram a sua demissão de sua organização anterior". Em resposta à evidência apresentada pelo FBI, Donovan declarou: "Eu sei que eles são comunistas; por isso os contratei". Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a OSS se transformou em CIA.

Dado a sua linhagem revolucionária e radical, não é de estranhar que a Agência empregue Steinem, uma ativista feminista radical que retratou moralidade e tradicionalismo como maquinações de opressão masculina. Embora tanto a CIA e Steinem se opunham à União Soviética, nenhum dos dois eram necessariamente opostos ao marxismo. Tal como a CIA serviu, Steinem abraçou conceitos e idéias marxistas. Steinem mesmo admitiu que sua oposição à cruzada anti-comunista do senador republicano Joseph McCarthy levou a adotar o marxismo. O Marxismo Cultural foi um elemento importante da campanha de engenharia social realizado pelos Rockefellers, a CIA, e Steinem.

A escolha de aliados de Steinem é particularmente irônico à luz da misoginia endêmica do estabelecimento. Os Rockefeller, por exemplo, mal conseguiam ser caracterizados como particularmente simpáticos à situação das mulheres modernas. Se as observações de Nicholas Rockefeller para Russo foram verdadeiramente proferidas, em seguida, torna-se dolorosamente evidente que os motivos da dinastia oligárquica de financiamento da ascensão do feminismo eram puramente pragmáticos. Além disso, o feminismo nasceu do ventre de uma perspectiva misógina, uma realidade paradoxal sublinhada por inspirações gnósticas do movimento. Lembre-se que, de acordo com teoria de criação gnóstica, a raça humana tem um Aeon feminino (Sophia) para agradecer ao seu dilema coletivo. A consciência defeituosa que supostamente preside sobre o cosmos físico intrinsecamente corrupto emanava de seu próprio ser. Tal criação é pouco lisonjeira para as mulheres. Esta misoginia é explicitamente expressa pela revisão Gnóstica de Cristo no Evangelho pseudepigráfico de Tomé:

"Simão Pedro disse-lhe: 'Que Maria saia de entre nós porque as mulheres não são dignas da vida.'
Jesus disse: 'Olhai, eu mesmo a impulsionarei para que se torne varão, para que chegue também a ser um espírito vivente semelhante a vós, os varões; porque qualquer mulher que se torne varão, entrará no Reino dos céus.'"

Dessa forma, o feminismo se originou com uma heresia misógina. Não é de se estranhar que essa ideologia inerentemente misandrica compartilhe com a ordem misógina que aparentemente se opõe. Em última análise, a hegemonia procurada pelos interesses oligárquicos da elite não possui um gênero específico. A androginia prevê não só a destruição de masculinidade, mas de feminilidade também. Neste sentido, misandria e a misoginia são perspectivas meramente provisórias, que invariavelmente tornar-se-ão em androginia. Nenhum deles enfatiza a função complementar dinâmica servido pelo outro. Em vez disso, ambos buscam primazia. A tensão dialética entre os dois tem a intenção de minar gradualmente gênero como definição determinante da identidade humana. Como a identidade está intrinsecamente ligada ao sexo, esse deve ser suprimido. Afinal de contas, os servos não têm necessidade de identidades pessoais. A ordem mundial que está sendo consagrada pela elite desviante será preenchida nem por machos ou fêmeas. No final, se a elite desviante realizar sua visão escatológica de mundo, essa será preenchida pela nova raça inumana.

Paul e Phillip Collins - The Androgynous World Order: Feminism, the LGBTI Movement, and the Abolition of Gender (original)

domingo, 12 de outubro de 2014

Kierkegaard, Nietzsche e Dostoiévski Contra o Mito Iluminista (por Jay Dyer)

No decorrer do que hoje é chamado de "Filosofia Continental," três figuras destacam-se como proeminentes pensadores capazes de sondar as profundezas mais íntimas da psique humana de tal forma até então desconhecida, desde, talvez, Shakespeare: Soren Kierkegaard, Friedrich Nietzsche e Fyodor Dostoiévski. Estes três foram mais ou menos contemporâneos, e todos compartilhavam um interesse similar fascinante - derrubar os ídolos ideológicos do seu dia, e, em especial, a fachada do indivíduo pós-iluminista "homem moderno". Muito embora esses homens certamente tinham diferentes visões de mundo e provavelmente debateriam grandes temas como o significado preciso da relação de Deus e do homem no universo, eles compartilhavam uma aversão semelhante à hipocrisia, mentiras e falsidades, e tornou-se parte de seus objetivos iconoclastas desmascarar esses véus.

Francis Bacon deixou o seu objetivo como um luminar do Iluminismo para derrubar o que ele percebeu ser ídolos em seu Novum Organon - ídolos da tribo, da caverna, do mercado e teatro. Ídolos da tribo significaria a aniquilação dos ideais sociais abstratos impingido realidade; ídolos da caverna refere-se a interpretações míopes da realidade de acordo com uma fantasia especial de algum acadêmico individual; ídolos do mercado refere-se à apropriação indevida da palavra e coisa, a atribuição de uma identificação indevida entre os dois; e os ídolos do teatro, onde as ideias são construídas em uma falsa pressuposição da teologia ou da especulação metafísica, tornando-se abrigado no discurso público. Este tratado engloba o impulso do Iluminismo e sua obsessão com aquilo que René Guénon chamou de "reino da quantidade." Tudo é medido e classificado de acordo com algum estreitamento quantitativo da razão do homem. O conhecimento científico, ou mais especificamente, o cientificismo, torna-se o paradigma dominante, em que todas as coisas são medidas, seja religião, política, economia e mercado, todas as coisas são em potentia capazes de uma formalização racional e, como um grande algoritmo, todos os males da humanidade simplesmente aguardam a solução da academia e de suas calculadoras de laboratório.

Kierkegaard, Nietzsche e Dostoiévski usaria essa mesma metodologia contra si mesma. Será possível que Bacon e sua descendência iluminista são culpados pelas coisas que procurou destruir? Será que os filósofos constroem seus próprios ídolos? Antes de Nietzsche, primeiro deve-se mencionar a influência de Soren Kierkegaard. Kierkegaard tinha lutado com a complacência e o formalismo da igreja luterana oficial de sua época, resultando em uma viagem introspectiva que iria levá-lo até mesmo questionar a natureza do eu. Kierkegaard, no entanto, não analisou o ‘eu’ de uma forma privilegiada abstrata e 'científica' como é encontrado em alguém como Descartes e seu cogito, mas sim em uma relação dialética do 'eu' consigo mesmo e o outro. Em O Desespero Humano, o ‘eu’ deve entrar em desespero e, revelando sua própria finitude, encontrará o consolo em um relacionamento com um Deus infinito. Para Kierkegaard, esta é a única maneira de escapar da dialética contínua do homem decaído preso por ser um filho de Adão.

O crítico Merold Westphal escreve:
Para esses três mestres seculares da desconfiança [Marx, Nietzsche e Freud] as ilusões que devem ser desmascaradas são as do auto-interesse que aparece como dever e virtude, e do egoísmo fingindo para o mundo e para si mesmo que é o altruísmo. O exemplo de Nietzsche sobre o espírito de ressentimento dando origem a uma demanda de vingança, mas posando como amor e justiça, é uma espécie de paradigma. Mas o pecado nada mais é do que um egoísmo face a face ao meu vizinho. É também a incapacidade de amar a Deus com todo o coração. A auto-ilusão humana agora inclui a vontade de autonomia em relação à Deus juntamente com a vontade de domínio sobre meu vizinho. Inevitavelmente sua implantação na história acrescenta uma nova dimensão à arte da desconfiança.
Aqui continua Nietzsche desde Kierkegaard, mantendo a sua "arte da desconfiança." Em vez de sucumbir a um sistema moral que leva inevitavelmente ao fracasso e a miséria (o esquema cristão), fomentando em ressentimento e ódio aos outros sob o pretexto de "salvação" do 'eu' que é supostamente criado por um Deus bom, Nietzsche transforma a suspeita de Kierkegaard na própria moralidade cristã, bem como sobre o iluminismo.

 Para Nietzsche, o Iluminismo deu origem à crítica, ou a arte da suspeita, e ao fazer isso, haviam deixado de lado Deus. Este é o significado da famosa frase "Deus está morto". Ao invés de ser uma afirmação sobre o que Nietzsche acreditava no que diz respeito a algum esquema ontológico (como é frequentemente mal interpretado), é uma declaração descritiva sobre o estado atual e o futuro da civilização ocidental e sua relação com o Deus judaico-cristão. O Iluminismo criticou com sucesso os pressupostos metafísicos e teológicos anteriores herdados de nomes como Platão, Aristóteles, Galeno, Ptolomeu, Agostinho e Tomás de Aquino, apenas para encontrar-se ainda à procura de uma grande narrativa que totalizou uma visão exaltada, idealizada e abstrata do "homem" ou "humanidade". Com Immanuel Kant, por exemplo, ao extrapolar uma moral imperativa categórica deve, logicamente, conduzir a um governo mundial onde a humanidade é guiada pela razão e harmonia - uma verdadeira utopia cientificista! Embora, em seguida, com Kierkegaard e Nietzsche e Dostoiévski, como veremos, começamos a ver o problema dessa abstração.


No entanto, o cogito de Descartes não era algo que Kierkegaard, Nietzsche ou Dostoiévski pudessem evitar completamente. As sementes do individualismo haviam sido plantadas. Descartes, sendo um pouco racionalista, não poderia ter previsto o dilema existencial que seu cogito criaria, mas ao girar o olhar do homem sobre si mesmo para desconstruir a psique resultaria em existencialistas desconstruindo o mito do Iluminismo. Louis Dupre escreve:

Para Descartes, a verdade da natureza se torna estabelecida na reconstrução feita pela mente. A mente desse modo, funciona como o espelho no qual a reflexão origina a verdade. Mas se é assim, como pode conhecer a si mesma, Gassendi se perguntou. O olho físico, incapaz de ver-se diretamente, no entanto, é capaz de ver a si mesmo no espelho, porém para Descartes, não há espelho além da mente. Se não sabemos a natureza do espelho, no entanto, como podemos avaliar a sua capacidade de refletir a verdadeira natureza das coisas? Nesta objeção reside todo o problema do conhecimento como representação. A menos que o olho conheça a si próprio, como poderia ele saber como (e, no final, o que) reflete? O que permite que a mente possa se referir a imagem espelhada de um original se ela ignora como reflete o original? Descartes sentia que essa objeção estava no coração de sua teoria, e respondeu que o espelho da mente reflete também a si mesmo. No entanto, a mente possui nada mais do que uma consciência de sua existência. Será que isso é suficiente para justificar o conhecimento das coisas em si mesmas por meio de um ato de representação? Locke percebeu a dificuldade e afirmou que a mente só conhece suas próprias ideias.

Aqui o pensamento iluminista começa a entrar em colapso sobre si mesmo. Começa a tornar-se evidente que a mensuração quantificada e abstrata de toda a realidade - seja fazendo toda a realidade ser matéria ou uma ideia, termina no mesmo dilema: o solipsismo. O solipsismo não é o tipo de posição que um racionalista iluminista prefere adotar, uma vez que é uma posição fundamentalmente irracional. Kierkegaard reconhece que o 'eu' estava dialeticamente relacionado com si e outros eus, e, finalmente, ao Outro Eu (Deus), e em sua incapacidade de encontrar consolo e significado o levou a uma espécie de justificação individualista pela fé no esquema Luterano.

Nietzsche “morde a bala” e simplesmente rejeita tudo isso em toto. Em outras palavras, por que considerar o 'eu' como mal, como o cristianismo faz? Por que aceitar que Deus exige uma dívida que só pode ser paga pelo reconhecimento primeiro de sua própria pecaminosidade inerente? Deus não sabia isso sobre o homem (sua pecaminosidade infinita) pra começar, então o pagamento de uma morte infinita pelo sacrifício Dele mesmo pra pagar a Ele próprio se torna um exercício irracional. No entanto, o Cristianismo, desde a época escolástica e do seu subproduto (da época do Iluminismo), argumentou gradativamente se afastando da redenção de Cristo, para um racionalismo, e então, pela mesma razão, rejeitou o racionalismo pelos argumentos da própria razão. Este dilema não foi imediatamente aceito pelos deístas e moralistas da época de Nietzsche, mas Nietzsche não temia em levantar a voz aos deístas e os cientistas mostrando suas contradições em seus próprios fundamentos.

Se o Iluminismo significou a morte de Deus como uma realidade ontológica, então não havia nenhuma razão coerente para sustentar o moralismo cristão, e na verdade, esses costumes se tornaram destrutivos e regressivos para aqueles que eram fortes. O Cristianismo era uma moralidade escrava por excelência, como ele argumentou no primeiro e no segundo ensaio de a Genealogia da Moral, assim como em O Crepúsculo dos Deuses e O Anticristo. Na verdade, a própria Civilização Ocidental inteira tinha partido de falsos pressupostos que começaram com ascetas como Sócrates e Platão, que tentaram fugir da realidade do presente em voos de fantasia e abstrações. Desde Platão o Ocidente recebeu um pesadelo dialético que levaria alguns milênios para se recuperar, se é que pode ser chamado de recuperação. Os modernos cientistas ateus não foram melhores. Ao contrário, eles foram piores em argumentar por algo ainda mais contraditório que aqueles da "Cristandade". O terceiro ensaio da Genealogia retoma o absurdo que Nietzsche vê nos "ascetas", que inclui os luminares do Iluminismo e os alemães medíocres de sua própria época.

Para Nietzsche, o Iluminismo baniu a cristandade e sua grande narrativa que forneciam o poder explicativo para os fatos aparentemente aleatórios e agressivos da vida, mas isso não foi um fato totalmente lamentável. Esta remoção dos ídolos de Bacon seria uma pílula difícil de engolir, e conduz a uma espécie de niilismo, como Dostoievski notou, mas para Nietzsche, isso resulta em uma possível ascensão de uma elite artística que criará um novo significado. A salvação do homem se encontraria na arte e na estética de uma nova narrativa e significado possível. Não havia nenhuma necessidade determinada que isso aconteça, é claro. É inteiramente possível que o homem possa desenvolver, para continuar o progresso evolucionário, outro mito iluminista: Não há nenhuma lei do progresso presente na fatualidade bruta da existência impessoal. Para Nietzsche, este super-homem traria redenção novamente - como um "Anticristo", já que, em sua análise, cristianismo é niilismo. A narrativa cristã e suas contradições inerentes, o ressentimento e a degeneração gradual que levou o homem ocidental ao niilismo e é sobre a dissolução deste sistema que um novo homem surgirá.

Robert Solomon explica:
Aristóteles tinha um ethos: Nietzsche nos deixa sem nada. Mas Nietzsche é, contudo, o ponto culminante de toda essa tradição - que ainda se referem como "filosofia moral" ou "ética" - baseada em um erro trágico e possivelmente irreversível tanto na teoria como prática. O erro é a rejeição do ethos como o fundamento da moralidade com a insistência compensadora na justificativa racional da moralidade. Sem um ethos pressuposto, nenhuma justificativa é possível. E assim, depois de séculos de degeneração, inconsistências internas e falhas no projeto iluminista em transcender o mero costume e justificar as regras morais de uma vez por todas, as estruturas de moralidade entram em colapso, deixando apenas fragmentos.


Dostoiévski, porém, continua a ser uma figura religiosa como Kierkegaard. Membro da tradição ortodoxa russa, em seus anos mais jovens ele estava possuído por uma visão liberal otimista da natureza humana que viria a se transformar em uma forma mais realista, uma avaliação negativa. Em oposição à suposição clássica liberal ocidental de que a "humanidade" pode ser elevada pela educação, os escritos de Dostoiévski oferecem aos leitores uma janela para o lado mais sombrio da natureza humana que a maioria prefere ignorar e fingir que não existe. O projeto do Iluminismo, importa recordar, era destruir os ídolos. Não deveria o arrogante homem ocidental destruir esse ídolo do mito de sua "bondade" interior? E o que dizer da escuridão interior que resulta em atrocidades? Por que o chamado progresso do homem resultou sempre numa crescente guerra, tumultos e revoluções no tempo de Dostoiévski? Se os homens não são uma tabula rasa - folhas em branco nas quais uma impressão correta, no ambiente e na educação podem criar um indivíduo bem formado, maduro e harmonioso, então o que é o homem?


Em Notas do Subsolo, Dostoiévski dá uma visão geral nos pensamentos de um homem desonesto, vingativo, egoísta e um pouco sádico. Este homem mesquinho passa a ser um homem normal - uma espécie de homem comum, mas um altamente inteligente. A força da apresentação literária reside precisamente no fato de que ele é um homem que todos nós reconhecemos, já que seus defeitos são comuns a todos os seres humanos, mas ainda assim é uma pessoa muito inteligente. Mas, se este tipo de egoísmo mesquinho está presente até mesmo no mais inteligente, a tabula rasa de John Locke, e as outras esperanças iluministas - a ideia idólatra de um homem inteligente abstrato - simplesmente substituiu Deus por um novo ídolo:
Dizem que Cleópatra (desculpem se dou exemplo da história de Roma), gostava de fincar alfinetes de ouro nos seios de suas escravas e sentia prazer com seus gritos e contorções. Os senhores diriam que isso foi numa época relativamente bárbara; que agora também vivemos numa época bárbara (relativamente, também), pois hoje também se enfiam alfinetes; que também agora, embora o homem tenha aprendido, vez por outra, a enxergar com mais clareza do que nos tempos da barbárie, ele está longe de ter aprendido a proceder da maneira indicada pela razão e pela ciência. Porém, os senhores estão firmemente convencidos de que ele se acostumará, quando alguns hábitos antigos, ruins, tiverem desaparecido completamente, e quando o bom senso e a ciência tiverem reeducado totalmente a natureza humana, direcionando-a para um estado normal. Os senhores estão convencidos de que, então, o homem deixará voluntariamente de errar, e a contragosto, por assim dizer, não irá querer opor sua vontade aos seus interesses normais. E mais: nesse tempo, dizem os senhores, a própria ciência vai ensinar ao homem (embora isso já seja um luxo, na minha opinião) que ele, na verdade, não possui nem vontade, nem caprichos, que, por sinal, nunca os teve, e que ele mesmo não passa de alguma coisa parecida com uma tecla de piano ou um pedal de órgão; e que, ainda por cima, existem também as leis da natureza, de modo que, não importa o que ele faça, isso não é feito por sua vontade, e sim por si mesmo, seguindo as leis da natureza. Conseqüentemente, basta descobrir essas leis da natureza que o homem não terá mais de responder pelos seus atos, e viver, para ele, será extremamente fácil. Evidentemente, todas as ações humanas serão calculadas matematicamente, de acordo com essas leis, numa espécie de tábua de logaritmos, até 108.000, e serão inscritos nos calendários; ou, algo ainda melhor: surgirão algumas publicações bem-intencionadas, do tipo dos atuais dicionários enciclopédicos, em que tudo estará tão bem calculado e indicado, que no mundo não haverá mais nem incidentes nem aventuras
Assim serão estabelecidas novas relações econômicas, tudo pronto e trabalhado com exatidão matemática, de modo que todas as perguntas possíveis desaparecerão num abrir e fechar de olhos, simplesmente porque cada resposta possível será fornecida. Em seguida, o "Palácio de Cristal" será construído. Então ... esses serão dias felizes. É claro que não há nenhuma garantia (meu comentário), que não será, por exemplo, terrivelmente monótono (pois tudo que tenho que fazer será calculado e tabulado), mas por outro lado, tudo vai ser extraordinariamente racional. É claro que o tédio pode levá-lo a qualquer coisa. É o tédio que leva as pessoas a furar outras com agulhas de ouro, mas isso não teria importância. A parte ruim (meu comentário, novamente) é que ouso dizer que as pessoas serão gratas pelas agulhas de ouro. O homem é estúpido, você sabe, fenomenalmente estúpido; ou melhor, ele não é de todo estúpido, mas é tão ingrato que você não poderia encontrar outro como ele em toda a criação.

Em uma reviravolta brilhante de lógica em forma literária, Dostoiévski leva o pensador iluminista refletir sobre seu cientificismo e a quantificação racionalista, como se a natureza humana funcionasse de forma algorítmica. Mas, isso não acontece: os seres humanos são irracionais e estúpidos em sua maioria e nenhuma quantidade de educação e mudanças no ambiente serão capazes de curar as falhas tão simples como o tédio, que muitas vezes dão origem a um comportamento bizarro e irracional. Nenhuma quantidade de educação tem sido capaz de erradicar as atrocidades cometidas por homens sádicos, na sequência de algumas centenas de anos do Ocidente desde a adoção do novo evangelho do homem dado pelos profetas do Iluminismo. E ironicamente, a própria tarefa que o Iluminismo se propôs a fazer - racionalizar a realidade para produzir um mundo melhor - acabou por quantificar e reduzir toda a realidade em algumas tabulações numéricas monistas do irracional, da causalidade determinista, resultando na total negação da volição e da vontade. Se toda a realidade é um processo rigoroso de causa e efeito materialista, então o livre-arbítrio é uma ilusão e a moral também é ilusória. Não pode haver nenhuma base racional para a moral nesta hipótese.

Em conclusão, torna-se evidente que os três pensadores - Kierkegaard, Nietzsche e Dostoiévski contribuíram com críticas originais ao mito do Iluminismo. Esse mito supostamente surgiu para dar um primado à razão humana, para uma exaltação da ciência, a desmistificação da superstição e da religião, e a ascensão do "racional". O que de fato ocorreu foi um tombamento do mito cristão anterior que propiciou a civilização ocidental um grande narrativa coesa dentro da qual se situava a totalidade da existência. O colapso desta estrutura levou imediatamente à introspecção de Kierkegaard e sua avaliação sombria de qualquer esperança do homem que levou-o a encontrar a si mesmo e ao consolo no Deus infinito que transcende a dialética finita e temporal.  Para Nietzsche, o Iluminismo foi mais um mito que ergueu novos ídolos no lugar do antigo que Bacon supostamente havia demolido. O rigor na racionalidade exigiu que a ética fosse abandonada ou substituída por um novo homem forte que ao surgir pudesse criar um novo significado. Para Dostoiévski, o Iluminismo comeu o cristianismo, e depois comeu-se, exaltando a razão ao ponto de criar juízos totalmente irreais e idealistas do próprio homem. O suposto evangelho do homem resultou numa negação determinista do homem que tornou o Iluminismo e seu otimismo impossível e absurdo. Para Dostoiévski, como evidenciado em Crime e Castigo, o homem teria que novamente chegar ao fim de si mesmo, como Kierkegaard havia previsto, antes de encontrar a redenção novamente.

Kierkegaard, Nietzsche and Dostoyevsky Versus the Enlightenment Mythos - Jay (original)