sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Nome, Forma e a Satisfação de Desejos (Comentários do Mandukya Upanixade por Swami Krishnananda)

O nome e forma, distinções estruturais que observamos nas coisas do mundo, são acidentais no sentindo em que somente persistem enquanto há espaço e tempo. Como foi dito no primeiro mantra - yaccānyat trikālātitam tadapyomkāra eva - Brahman transcende os três períodos de tempo e, portanto, todo o espaço. Por este motivo, não pode ser dito que possua as características do espaço e tempo.

Quais são as características essenciais do tempo e espaço? Distinção e formação, diferenciação de uma coisa de outra por um atributo, definição, etc. Por causa da percepção de caracteres chamados de viseshas, nós começamos a distinguir um conjunto de viseshas de outro, chamando cada centro ou conjunto de indivíduo ou entidade. Sem esses viseshas, essas entidades desapareceriam. Nós conhecemos a água como gotas. Uma gota é diferente de outra. Quando todas as gotas são uma e não há caractere de diferenciação entre uma e outra, nós chamamos de oceano. Nós, então, damos um nome completamente diferente. Há uma fusão de propriedades devido a superação tanto das diferenças de espaço como da barreira do tempo e, em algum sentido, nessa fusão de caracteres, não há percepção de variedade.

São considerados cinco caracteres em toda a existência: Nama, Rupa, Asti, bhati e Priya. Nama e rūpa são nome e forma. Asti, bhati e priya significa existência, iluminação e o caráter de satisfação. Existência, iluminação e satisfação parecem estar permeando nama e rūpa, qualquer que seja o local ou a hora do nama e rūpa. Nós todos somos constituídos de nama e rūpa, nome e forma. Cada um de nós temos um nome e uma forma. Todo mundo tem um nome e uma forma. Existe um complexo nome-forma e, portanto, o mundo é chamado de nāmā-rūpa-prapanca, uma rede de nome e formas.

Mas, mesmo estando de fato numa posição de perceber apenas os nomes e as formas, e nada além, somos impelidos pelo desejo de outra coisa além do nome e forma, fato este que surge nas nossas atividades agitadas do dia-a-dia, em que expressamos o desejo não apenas pelo nome e forma mas por algo além do nome e forma. Por que você age, por que você pensa, por que você se envolve em qualquer tipo de trabalho? Parece haver um propósito por trás de todos estes esforços, e que o objetivo não é apenas um contato com um nome ou forma, mas a utilização do nome e forma para um objetivo completamente diferente. Todas as nossas atividades se articulam em vista de um único objetivo, ou seja, na relação com aquilo exterior, no contato com objetos; entretanto sempre temos um propósito maior do que os próprios objetos, colocamos em serviço ou aproveitamos, incluindo pessoas, para que traga um efeito que consideramos benéfico para nós mesmos. Este efeito é o objetivo final, e não nāmā and rūpa. Você procura neste mundo não por pessoas ou coisas, mas por certos efeitos, consequências que daí você quer continuar seu contato com pessoas e coisas. Se essas consequências não aparecem, você rejeita as pessoas e as coisas. Não é que você queira pessoas ou coisas; você quer certas consequências que surgem no contato com pessoas e coisas. Se elas não surgem, você não as quer. Seus amigos se tornam inimigos ou pelo menos coisas indiferentes quando as consequências desejadas não surgem deles, e seus desejos se tornam aversões quando as consequências requeridas não se concretizam. Assim, não é nome e forma ou objetos como tal que procuramos, mas uma consequência desejada. E o que é esta consequência?

O desejo último de todos os centros que aspiram é provocar uma liberação de alguma tensão. A liberação de qualquer tipo de tensão é igual a prazer. Você está infeliz quando está em um estado de tensão, e você está feliz quando as tensões são liberadas. Existem vários tipos de tensões na vida e cada tensão é um centro de sofrimento. Existe a tensão familiar, tensão comunal, nacional, internacional, geralmente chamada de guerra fria, todas essas levam a um estado de ansiedade e agonia. A libertação da tensão traz satisfação e se luta por essa satisfação. Você quer que as tensões sejam libertadas. Mas todas essas são tensões de fora ou externas. Existem as tensões interiores que são de maior consequência do que as externas - as tensões psicológicas causadas por uma variedade de circunstancias: essas circunstâncias instaladas na psique de nossa personalidade formam uma rede chamada de hridaya-granthi, nas palavras dos Upanixades. Os tantra-śāstras e Hatha-Yoga śāstras chamam este granthi por um nome triplo: brahma-granthi, Vishnu-granthi e Rudra-granthi, que você tem que atravessar pela liberação da kundalini-śakti. Tudo isso você já deve ter ouvido e aprendido anteriormente. Este é o granthi de avidyā, kāma e karma, a ignorância, desejo e ação; esta é a tensão da vasanas ou samskaras; esta é a tensão da mente subconsciente ou inconsciente; esta é a tensão de desejos não realizados e sentimentos frustrados. Esta é a "personalidade" em sua natureza essencial. Somos uma rede dessas tensões. Este é jīvatva. Do que jīva (indivíduo) é feito? Ele é constituído por um grupo de tensões. É por isso que o jiva não pode ser feliz. Nós sempre estamos num estado de ansiedade e vontade de encontrar a primeira oportunidade de liberar as tensões. O jiva tenta descobrir um método de libertar-se das tensões pelo que é chamado de realização de desejos, pois, em última análise, estas tensões podem ser resumidas a desejos não realizados. Na superfície parece que pela realização dos desejos essas tensões podem ser liberadas e nós podemos entrar em asti-bhāti-priya ao contatar com nāmā e rūpa. Mas esse método que adotamos é um erro. É verdade que os desejos têm que ser satisfeitos e, ao menos que sejam satisfeitos, não haverá liberação da tensão. Mas como devemos satisfazer os desejos? Adotamos um método muito errado; portanto, nós nunca satisfazemos nossos desejos completamente, a qualquer tempo, em todos os nascimentos que tomamos. Os desejos não podem ser satisfeitos por contato com objetos, por que os contatos excitam mais um desejo por uma repetição de contato que, por sua vez, estimula um desejo adicional, e esse ciclo continua indefinidamente - desejo por coisas e coisas excitando desejos, desejo por coisas e coisas excitando desejos. Este ciclo é a roda da Samsara. Por contato com coisas, desejos não são satisfeitos. Por outro lado, os desejos são inflamados, por assim dizer, a um estado de deflagração por tal contato. Os desejos surgem por conta de um desconhecimento da estrutura das coisas. A menos que esta ignorância seja removida, a tensão nunca será liberada. E, o que é essa ignorância? A ignorância sob a forma da noção de que a multiplicidade é a realidade; e por esse agregado de todas as coisas finitas constituindo a multiplicidade, podemos ter a satisfação infinita que nós almejamos. O total de finitos não é o infinito e, portanto, entrar em contato com as coisas finitas não pode trazer a satisfação infinita. Nāmā-rūpa-prapanca não é, portanto, o caminho da realização de asti-bhāti-priya, que é o que nos move todos os dias em nossas atividades.


Nós queremos a existência perpétua. Não queremos morrer. Este é o sentido de astiva, em nós. Queremos ser chamados de inteligente, pelo menos. Nós não queremos ser considerados estúpidos. Este é o impulso de bhātitva ou chit, consciência, em nós. Nós queremos felicidade e não dor. Este é o impulso de priya, felicidade, em nós. O impulso por uma existência perpétua, se possível imortal, é asti ou sat - existência. O impulso por conhecimento, sabedoria, iluminação, entendimento, informação, é bhāti ouchit - consciência. O impulso por prazer, satisfação, é o desejo pelo prazer infinito da existência-consciência, priya ou ananda, bem-aventurança. É essa mistura tripla de Existência-Consciência-Bem-Aventurança que se revela até mesmo através de nama e rupa, e não é nama e rupa ou o nome e a forma que nós realmente queremos em nossa vida. Em nosso contato com as coisas, nomes ou formas, buscamos asti, bhati e priya. Buscamos satchidānanda através de nāmā-rūpa; buscamos a Realidade na aparência; buscamos o Absoluto no relativo; buscamos Brahman em toda a criação; buscamos Isvara no mundo. É isto que buscamos. Em todas nossas atividades, seja indo ao escritório ou a fábrica, qualquer que seja o trabalho que fazamos, o propósito por trás é a busca pela liberação final de todas tensões internas e a aquisição de uma satisfação ilimitada.

Comentários do Mandukya Upanixade por Swami Krishnananda


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