terça-feira, 31 de março de 2015

O Estudo da Consciência não está sob competência da Ciência Moderna (Por Philip Sherrard)

Sobre o porquê que o conhecimento da natureza da consciência não está dentro da competência do cientista moderno - Philip Sherrard

1. É com minha consciência que eu percebo qualquer coisa que eu percebo.

2. Assim, a forma como algo aparece para mim depende do modo de minha consciência.

3. Eu só posso perceber aquilo que eu sou capaz de perceber, observar apenas o que sou capaz de observar, entender apenas aquilo que sou capaz de entender.

4. Daí que minha compreensão da natureza de algo só pode estar de acordo com o modo de consciência que eu possuo; e isso significa que a verdadeira natureza daquilo que percebo pode ser bem diferente daquilo que eu percebo que seja.

5. Um modo mais elevado de consciência que a minha será capaz de perceber a verdadeira natureza de algo mais claramente do que eu posso perceber; e assim por diante, até o modo mais elevado de consciência.

6. Essas mesmas proposições aplicam-se também ao conhecimento da natureza da própria consciência; minha compreensão da natureza da consciência só pode estar de acordo com o modo de consciência que eu possuo.

7. Nada pode ser conhecido, exceto de acordo com o modo do conhecedor.

8. Uma consciência mais elevada que a minha será capaz de uma maior compreensão da natureza da consciência do que aquela que sou capaz.

9. Em última análise, para saber o que a natureza da consciência é em si mesma, devo ter atingido o maior modo de consciência de que se é capaz de atingir, ou seja, aquele que é um só com a própria consciência.

10. Somente tal modo de consciência pode experimentar e deste modo verificar um conhecimento da natureza da consciência.

11. Apenas minha experiência da natureza da consciência em si pode constituir um conhecimento e evidência para ela.

12. Partes dessa minha compreensão da natureza da consciência só pode ser hipotéticas, mera opinião adaptada de acordo com as limitações do meu modo particular de consciência, viciado pela ignorância dessas limitações impostas, e totalmente inacessível a verificação através da experiência. Em tais circunstâncias, como a consciência aparece para mim será muito diferente do que é na realidade.

13. O modo mais elevado de consciência, ou a consciência em si mesmo, é aquele em que não há dualismo entre o conhecedor e aquilo que é conhecido, o observador e o observado, consciência e aquilo que a consciência está consciente.

14. Isto significa que, enquanto houver na minha consciência algum dualismo desse tipo, posso ter certeza que não atingi o mais elevado modo de consciência que se é possível de atingir. Daí minha concepção da natureza da consciência só pode uma hipótese ou opinião, distorcida pela ignorância que pertence a qualquer consciência que ainda está na escravidão do dualismo em questão. Na natureza das coisas, tais hipóteses, ou opiniões, não podem constituir conhecimento.

15. Como o modo de consciência efetivo para o cientista moderno é aquele que ainda está sob influência do dualismo - pois, se não fosse o caso, ele não seria um cientista moderno - é muito claro que o conhecimento da natureza da consciência não reside sob sua competência. Sua competência, a este respeito, assim como em outros aspectos, é necessariamente limitada a hipóteses, opiniões, especulações e nenhum desses pode-se dizer que constitui conhecimento.

16. Por definição, qualquer tentativa de entender a natureza da consciência que não seja baseado na experiência e no conhecimento daqueles cuja consciência transcendeu todas as formas de dualismo está condenado a futilidade. Não há menor motivo em desperdiçar tempo em empreendimentos que, a priori, estão condenados a futilidade.

17. Além disso, proceder em uma investigação da natureza da consciência que não seja através do estudo dos testemunhos daqueles - metafísicos divinamente inspirados, místicos, videntes, profetas - que através de uma experiência direta atingiram o conhecimento da natureza da consciência seria uma manifestação de extrema arrogância, para não dizer pura imprudência; pois, para proceder de outra forma que não seja através de tal estudo seria assumir a posse de um grau de compreensão e discernimento superior aqueles que possuíram a mais elevada inteligência conhecida pela raça humana. Seria, de fato, inesperado encontrar numa conferência onde exista até mesmo um único cientista que tenha estudado em profundidade - ou seja, com pelo menos o mesmo empenho e dedicação que ele tem estudado sua própria disciplina - os escritos dessas pessoas. No entanto, a menos que ele tenha estudado tais escritos, quais qualificações ele possui que lhe dá o direito de falar com qualquer finalidade sobre o tema em discussão? O cego não pode guiar outro cego.

18. E, se, em resposta a última questão for alegado que a questão em si é irrelevante porque a consciência continuamente evolui e, portanto, a nossa compreensão da consciência está em um estado continuo de evolução, que evidência adicional é necessária para mostrar a falência da mente que se pode fazer tal afirmação e a inutilidade de uma discussão mais aprofundada?

[o texto seguinte se trata de uma carta]
Caro ..., 
Eu não tive a intenção de provocar tal resposta enviando-lhe minha curta declaração - embora ilustre um pouco meu ponto sobre a dificuldade de ter qualquer discussão frutífera até que se tenham resolvido alguma das questões preliminares - questões que os cientistas modernos, no total, nunca levam em conta e até mesmo são completamente alheios a elas. Suponho que estas perguntas possam ser chamadas de puramente epistemológicas, no sentindo que elas lidam com as condições que devem ser cumpridas antes que alguém possa dizer que sabe de alguma coisa. Pessoalmente, nunca encontrei tais questões sendo levantadas por qualquer cientista. E, no entanto, qual é o sentido de tentar obter um conhecimento de algo que você ainda não satisfez nem as condições que permitem você obtê-lo? Minha declaração foi simplesmente afirmar que nenhum cientista moderno (até onde eu tenho conhecimento) sequer começou a cumprir as condições que permitiriam ele ou ela a obter o conhecimento da natureza da consciência.

Pensei que minha declaração anterior tinha explicado de forma clara mas, obviamente, não aconteceu. Eu suspeito, em qualquer caso, que há pelo menos duas barreiras inter-relacionadas - praticamente intransponíveis - para que fique claro aos cientistas. A primeira é que pouquíssimos cientistas, se existirem, mesmo se reconhecerem realidades supranaturais, ainda não percebem que não existem duas ciências, uma conectada com o material e o aspecto exterior das coisas estendidas no tempo e espaço, e outra com a dimensão espiritual e eterna, não estendida no espaço e tempo. Existe apenas uma ciência. Mas o que há, por outro lado, são dois modos dominantes de consciência no homem: o primeiro, o que poderíamos chamar de consciência do ego, que é o modo de consciência inferior, correspondendo ao que é mais desumano e satânico nele; e o segundo, sua consciência espiritual ou angélica, que é seu modo mais elevado de consciência.

A consciência superior ou espiritual percebe e experimenta as coisas como elas são em si mesmas, interiores e exteriores, espirituais e materiais, interpretações metafísicas e físicas - formando uma única realidade inseparável. A consciência do ego, ou profana, não pode perceber e experimentar as coisas como são desta maneira. Ela permite perceber e experimentar apenas aquilo que sua própria opacidade permite que perceba e experimente, e isso é apenas o aspecto das coisas estendidas no espaço e no tempo, nesse aspecto as coisas possuem existência e ser, e até mesmo realidade, em seu próprio direito. Esse tipo de consciência - consciência do ego - não percebe ou entende que, separado de sua dimensão interior e espiritual, nada que pertença ao mundo dos fenômenos possui uma qualquer realidade, seja física, material ou substância, e que a noção de que ela possui realidade é apenas uma ilusão ou distorção inerente ao ponto de vista da consciência do ego.

Em sua carta, por exemplo, você fala que deve ser feito uma distinção entre a consciência e suas expressões formais, e que, enquanto o cientista não pode estudar o primeiro, ele pode estudar o último. Mas isso é precisamente colocar o dualismo na realidade, que acontece simplesmente pelo fato de que a consciência do ego está separada da consciência espiritual. E como tal, esse dualismo representa um estado totalmente ilusório e distorcido da mente, e não corresponde a nada na realidade em si; que "conhecimento" das coisas igualmente ilusório e distorcido pode ser adquirido estudando-os como se correspondessem a algo na realidade - isto é, como se as coisas possuíssem ser e existência própria e além de suas dimensões espirituais e interiores?

Posso colocar isso de outra forma: tudo que possui forma é uma expressão da consciência. Como, então, eu posso estudar a própria natureza de uma expressão formal da consciência se eu sou ignorante da natureza da consciência da qual ela é uma expressão, e em que seu ser e existência são inerentes?

Pensar que se pode adquirir um conhecimento da consciência apenas estudando suas expressões formais é tão tolo como pensar que se pode ganhar conhecimento da alma por meio de análise, dissecação, quantificação, etc da estrutura do corpo humano. Platão sabia melhor: "Se a alma deseja conhecer a si mesma, é preciso olhar para seu próprio eu." O mesmo ocorre quando se lida com o conhecimento da consciência: tal conhecimento só pode ser adquirido através da consciência "olhando" para si mesma. Nenhum conhecimento disso pode ser adquirido através do estudo de suas expressões formais. Na verdade, nenhum conhecimento de qualquer coisa estendida no tempo e espaço - no plano "horizontal" - pode ser obtido sem um conhecimento anterior de sua dimensão espiritual e eterna - sua dimensão "vertical" - não estendida no tempo e espaço. Não há absolutamente nenhum sentido em discutir a natureza da consciência em uma conferência, a menos que isso seja compreendido.

Este é o primeiro ponto. E o segundo ponto, relacionado com o primeiro, é o seguinte: é extremamente raro - tão raro que que pode-se dizer que constitui a exceção que prova a regra - para qualquer um alcançar o modo mais elevado ou espiritual de consciência sem seguir um caminho de disciplina espiritual sob orientação, direito ou indireta, de um mestre espiritual qualificado. Mas, além disso, para estar em condições para discutir tais coisas como se fosse apenas de segunda mão, depois de um estudo de escritos de tais mestres espirituais, ou ser para ser capaz de usar uma linguagem metafísica universal discursiva de forma coerente, requer pelo menos um treinamento como se é necessário para dominar as convenções de uma matemática superior. E, como disse antes, eu nunca deparei com um cientista que tenha aprendido esta linguagem. Quando Einstein se aventura nesta esfera, o que ele diz é positivamente embaraçoso em sua ingenuidade. E as poucas coisas que eu li de pessoas como [Niels] Bohr deixa claro que eles são um pouco mais que novatos nessas matérias. O mesmo vale para [Frithjof] Capra. Em todos os casos aquelas questões preliminares que falei nessa carta são simplesmente ignoradas. Dessa forma, que diálogo pode haver?

Espero que posso ter deixado um pouco mais claro - ou pelo menos não ter confundido ainda mais. O ponto determinante a ser entendido é que o conhecimento principal - ou daquilo que pensamos como conhecimento - não é o objeto que buscamos para obter conhecimento, mas o modo de consciência que possuímos quando buscamos obtê-lo. Se for possível entender esse princípio, o resto todo cai em seu lugar. 

Philip Sherrard

quinta-feira, 19 de março de 2015

A Atitude de Direita no Pensamento de András Lászlo

Um ponto altamente significativo na filosofia de András László e que, portanto, deve ser abordado é a atitude de direita. Tradicionalidade é um Weltanschauung complexo que abrange todos os aspectos e níveis da existência humana. No entanto, podemos dizer que a tradição, enquanto conceito de mundo dos povos antigos, e a tradicionalidade como abordagem das pessoas anti-modernas contemporâneas, tem dois pilares. Um desses pilares é a espiritualidade que, sendo um instrumento, um método e um caminho, ao mesmo tempo, leva ao homem a superar a si mesmo, em relação a sua própria totalidade divina última possível; o outro é a política no sentido mais amplo, que organiza as pessoas em uma estrutura hierárquica social e governamental. Espiritualidade carrega a marca da Liberdade, pois seu último objetivo é superar as os laços condicionados, isto é, fazer que o homem reconheça ele mesmo como o Absolutum, a totalidade incondicional do ser. A política, por outro lado, é caracterizada pela Ordem, o reflexo terrestre e imagem do mundo celestial, cuja a missão é garantir essas condições para o mundo humano, tanto para o nível coletivo como para o individual, o que permite a vida harmonizar com os princípios divinos; pois a Ordem terrestre deve, em todos os aspectos, adaptar-se harmoniosamente à Ordem celestial. Assim, o objetivo normativo de uma sociedade ou coletivo deve sempre coincidir com e servir ao propósito normativo de um indivíduo. E isso realmente sempre acontece pois, assim como o sagrado permeia todos os aspectos da vida numa sociedade ideal tradicional, o consumo penetra tudo na sociedade "ideal" moderna.
Na era arcaica, ou de um modo geral, na era da tradição, o homem vivia, quase espontaneamente e sem objetificar qualquer tipo, de acordo com o que podemos chamar de uma atitude de direita, no sentido original da palavra. Aquilo que é chamado uma atitude de esquerda hoje, no entanto, dificilmente é mais velho que algumas centenas de anos; surgiu no período de desintegração da Tradição e desde o seu aparecimento, tornou-se cada vez mais dominante, gradualmente mudando o centro político relativo e atual para a esquerda (o centro absoluto, é claro, nunca muda). Este tipo de deslocamento para a esquerda ainda está em andamento visto que hoje, cada partido político notável, é quase totalmente de esquerda. Aquilo que é considerado como uma atitude de direita hoje, ou o partido que se define como sendo de direita, só pode ser considerado pouco relativamente de direita, do ponto de vista tradicional. O mesmo se dá com a direita parlamentar e a ultra-direita, assim como os movimentos de extrema-direita da primeira metade do século 20, uma vez que eram - e ainda são - contaminados com ideias de esquerdas, de tal forma que, se tivéssemos de designar seu lugar entre a atitude absoluta da direita e da esquerda, eles estariam mais próximos da extremidade da esquerda do que o meio da linha entre os dois extremos, o qual é o centro absoluto (ver ilustração abaixo).

A atitude de direita, no sentido tradicional, portanto, não pode ser identificado com o que é chamado a atitude de direita atualmente, porque o primeira, sendo muito mais à direita que o última, é uma atitude maximamente de direita, não contaminada por idéias de esquerda. A atitude de direita não pertence a qualidades e valores que são de forma otimizada ideal, mas as que são maximamente ideal. Portanto, o termo "atitude de extrema-direita" é, de fato, um contradictio in adjecto, porque a atitude direita não pode ter variações extremas. Só aquilo que tem variações extremas possui um ponto ótimo que, em seguida, oscila sobre esse ponto.  Hoje, o que se chama uma "atitude de extrema-direita", se o termo "extrema" pode ser aplicado, é extremista não por conta da atitude de direita, isto é, não por que exagera os valores de direita, mas por outras razões (atitude agressiva a esquerda, violência, populismo, demagogia, etc.)

AAD ---------------------------------- CPA ---------------------------------- AAE
are2 crd2 ard2 <---------------------------------------------------------- are1 crd1 ard1
 [hoje]                                                                                               [no passado]

A relação entre a atitude absoluta de direita e esquerda
e a atitude relativamente de direita e esquerda.

AAD: Atitude absoluta de direita / CPA: Centro político absoluto / AAE: Atitude absoluta de esquerda / ard1: atitude relativamente de direita no período inicial de desintegração tradicional / crd1: centro relativo direita no período inicial de desintegração tradicional / are1: atitude relativamente de esquerda no período inicial de desintegração tradicional / ard2: atitude relativamente de direita hoje / crd2: centro relativo de hoje / are2: atitude relativamente de esquerda hoje / < ---: a direção do movimento do centro relativo na história.


Quais são os critérios da atitude maximamente de direita? Colocando de forma negativa, é a negação de quaisquer componentes de ideias de esquerda:

seja o democratismo, ou seja, o princípio da soberania dos povos que representa o domínio da quantidade no nível social e que pode-se manifestar sob a forma de democracia burguesa ("governado pela turba" diz Platão), bem como a ditadura comunista (que, devido a sua falta de efeito e sua natureza aparentemente conservadora, teve que desaparecer da cena política);

seja o socialismo que é um humanismo no nível social, isto é, uma espécie de "narcisismo social" quando a sociedade foca em si mesma;

seja o nacionalismo ou internacionalismo, cujo os objetivos são primeiramente desintegrar a velha ordem e, em seguida,m formar uma nova contra-ordem;

seja o igualitarismo que desqualifica todos os individuos, ou liberalismo, a teoria e a pratica da privação universal de valores e ideias que, enquanto anuncia a livre competição de ideias, mantem a posição de direção externa pra si mesmo;

seja a ideologia revolucionária, cujo o princípio fundamental é aquele que, se dois fatores são hierarquicamente dispostos um acima e outro abaixo, o que está na posição maior certamente oprimirá e explorará o subordinado, por isso o último é forçado a recorrer a "violência revolucionária" a fim de abalar o jugo do primeiro;

seja o relativismo, esta sendo a teoria samsárica por excelência, que visa fazer com que todas verdades sejam relativas, exceto a sua própria;

seja o racionalismo, que surge quando a faculdade totalmente instrumental e essencialmente executiva (ratio) - sabendo apenas a questão "como?" -  estreme as "algemas" do intelecto supra-racional (intellectus), que sempre considera uma partícula em relação ao todo, e que é apenas é competente para responder questões de "que?" e "por que?"; fazendo que a razão se torne independente ou entre diretamente em serviço de poderes sub-racionais;

seja o messianismo secularizado, isto é, o utopismo (inseparável das ambas formas da atitude de esquerda) que quanto mais trabalha pela "Causa Nobre", mais tenta esconder a verdadeira natureza do "fim da história" e o "papel lamentável do último homem" na mesma;

seja o self-service religioso, que, em vez de levantar o homem, continuamente degrada o nível da religião;

seja na roda indefinida de produção e consumo, o único ciclo conhecido pelo homem moderno, que é forçado a passar a um ritmo cada vez mais furioso;

e, finalmente, não devemos esquecer que as duas formas mais básicas da atitude de esquerda andam de mãos dadas tanto com o materialismo como com o dogmatismo ideológico (social democracia) e a mente materialista (liberalismo)


A atitude de esquerda também se manifesta no nível psicológico, pois o objetivo geral de hoje é que os instintos devam ser liberados, a ponto de chegarem em posição dominante, onde as inibições devam cessar, e que os desejos continuamente crescentes devam buscar por novas satisfações; o que realmente acontece é que aquilo que deve ficar lá em baixo e em detenção, tem permissão a brotar e mandar (uma das palavras mais assustadoras para uma pessoa esquerdista moderno e pós-freudiano é "repressão"). Este princípio que se tornou a base da psicologia do século 20, nada mais é que a invasão da atitude de esquerda na esfera da psicologia. A atitude de esquerda, sem exceção, tem suas maiores conjunturas políticas determinadas pela kali-yuga, em outras palavras, a atitude de esquerda não controla as mudanças (como acreditavam certos teóricos como Friedrich A. Hayek), serve apenas como um mecanismo cego. De um modo geral, a atitude de esquerda - pelo menos em sua variação liberal, exclusivamente progressiva - tende a deixar que as coisas se organizem por si só, permitindo que sigam seus próprios caminhos ("sistema de auto-adaptação", laissez faire), que naturalmente resulta em uma inflação contínua, uma "nivelação" e perda de valores em todos os campos, seja na economia, na cultura, na religião, etc. Se, no entanto, esse processo não alcançar o ritmo desejado, ou se determinada categoria já atingiu seu nível natural e se espera que não possa afundar mais por si só, a atitude de esquerda muitas vezes tenta "organizar" - mas sim, desorganizar! - processo que levará a um afundamento ainda maior.

Colocando de forma positiva, a atitude pura de direita leva tal conceito de mundo ao ponto de partida, ao ápice onde está posicionado Deus. Analogamente, se tanta organizar todos os campos da vida de tal maneira que seja harmonioso com esse Principium Principorum (cf. "faça- se a tua vontade, assim na terra como no céu"), ajustando o que está embaixo com o de cima e o de cima com o que está acima dele, continuando até chegar ao Ser Supremo que está acima de tudo e, ultimamente, determina todas as coisas. Assim, a direita é teocrática em princípio, dessa forma este domínio divino só pode ser realizado por formações políticas monárquicas e aristocráticas (feudais). No ponto de intersecção entre o céu e a terra está o rei, o homem por excelência, aquele que realizou plenamente o caráter humano, não no sentido de determinadas condições, mas da possibilidade, e que é a personificação do princípio central, que permeia todo o mundo "abaixo do céu", especificamente manifesta-se de acordo com tal campo. A atitude de direita não separa o Estado e a Igreja, as esferas profanas das sagradas, porque, essencialmente, ambos apontam para o mesmo último Ponto, em direção a sua origem.

O slogan do sistema de direita numa sociedade tradicional sempre foi de Ordem baseada em um princípio organizador superior (dharma em sânscrito). A Tradição sempre esteve consciente do fato que o que o povo ou as massas precisam, não é liberdade, mas Ordem. Assim como José Ortega y Gasset apontou excelentemente, a inércia, e não a maioria numérica das pessoas fazem a massa ser massa. A massa pode sempre ser mobilizada. Sabendo disso, a tradição sempre esteve consciente que o povo e as massas, por ser inerte e consequentemente estarem sujeitos ao afundamento, deve ser controlada a partir de cima. Obviamente, se o poder de manutenção da Ordem enfraquece ou deixar de existir, a massa começa a afundar em virtude da força de inércia de seu próprio peso (isso que é o "poder" do povo: o seu próprio momento de inércia). Ao se encontrar com culturas e civilização seculares, os povos tradicionais quase que imediatamente começam a ir de ladeira abaixo, arruinando-se no final, porque as ligações, que sempre os manteve relativamente nas alturas, quebram. Essa modo "desenfreado", característica do período de transição entre a tradicionalidade e a modernidade, foi coroado pela ativação das forças especiais degradantes na era moderna e particularmente na pós-moderna.

Isto, naturalmente, não significa que o mundo tradicional rejeitou a liberdade; ao contrário, só o mundo tradicional manteve a liberdade em sua maior dignidade. Liberdade, como uma faculdade e virtude, era um privilégio de poucos - as pessoas proeminentes -, enquanto que a Ordem era uma tarefa de todos. O "homem antigo" estava ciente do fato de que a Liberdade não pode ser democratizada, pois o virtus, a virtude viril ligada as altas qualidades no sentido geral da palavra, não pode, na prática, ser compartilhada. Liberdade não é uma base a ser fornecida para as pessoas, mas uma faculdade para ser alcançada. Nem o sindicato, nem o Parlamento, nem o movimento pelo direito das mulheres pode obter a liberdade para as pessoas, porque a liberdade que eles garantem nunca é uma liberdade real. Aquele que precisa ser liberado é um servo; e um servo que foi liberado ainda é um servo: um servo liberado. Apenas o vencedor é livre; só aquele que é capaz de controlar e, em primeiro lugar, aquele que é capaz de auto-controle, pode ser livre. Tal como o auto-conhecimento é a base de toda cognição, o autocontrole é a base e o coroamento de todo tipo de controle. Além disso, o controle está intimamente conectado a Ordem, isto é, escolher a Ordem já implica a Liberdade, é um passo importante para a Liberdade, pois a Liberdade só pode ser adquirida superando a Ordem realizada e maximalizada. Seria absurdo pensar que a liberdade pode ser realizada sem força ou poder - ou, sendo mais preciso, sem força pessoal ou poder. Seria igualmente pouco razoável acreditar que qualquer um além do superior pode ser livre; o inferior nunca pode ser livre, pela própria razão que é - até mesmo no seu auge de seu poder político - sempre inferior. Somente aquele que está acima pode ser livre, do mesmo modo, a manutenção do poder só pode ser possível desde cima.

A liberdade considerada pelas massas da esquerda/liberal é apenas uma libertação, um "afrouxamento": emantipatio. Isto não é resultado de um poder pessoal e vitória, mas de uma privação de restrições - que até mesmo algo externo pode realizar. Enquanto liberdade exige poder, o 'afrouxamento', ao contrário, requer fraqueza e a ausência de controle. A massa não pode manter-se, porque a manutenção sempre precisa de um poder controlador interior; a massa só pode ser mantida desde cima: ela deixa-se ir por natureza. Portanto, quando o poder de manutenção e controle da Ordem deixa de existir, as massas entrarão num estado de desenfreio. É isso que a libertação e o "afrouxamento" significa. A massa se sente livre apenas quando é liberada de cima e pode, assim, abandonar-se à força redutora de seu próprio peso, a gravidade ontológica que sempre atua de baixo pra cima e puxando aquilo que está acima. A liberdade da massa, portanto, não é a liberdade do homem que conquistou sua própria força de inércia para que ele possa ascender livremente, mas do homem que está em queda livre. Assim, o que é glorificado como liberdade hoje é diametralmente oposto - e, ao mesmo tempo, uma paródia - da imagem de liberdade real.

Como Julius Evola nitidamente notou, uma pessoa moderna de esquerda se encontra essencialmente atraída para a escravidão e teme a liberdade real. Isto é claramente demonstrado pelo fato de que os tempos arcaicos são considerados a idade do jugo e da escravidão e o homem moderno se identifica com aqueles que eram inferiores e não com aqueles que eram seus superiores e livres naquele tempo. Com uma honestidade surpreendente, Francis Fukuyama, o teórico célebre da democracia liberal diz o mesmo, declarando que o cidadão liberal de hoje é o descendente espiritual do escravo liberto, e de fato, isso pode ser facilmente detectado auto-interesse emparelhado com a mentalidade de escravo, comportamento característico do homem-massa moderno democratizado. Que a liberdade não permeia o estilo de vida do homem moderno é claramente demonstrado pelo fato de que sob o termo "liberdade" ele só pode entender liberdade de escolha - ou, em termos políticos - liberdade de eleição. Pois a liberdade de escolher, na maioria dos casos - seja sobre partidos políticos, bens ou metas de viagens - é apenas de escolher a coisa que mais atraí o homem. Em outras palavras, na liberdade de escolha, o homem pode "livremente" escolher a coisa que é mais fascinante para ele. Portanto, durante sua escolha "livre", o homem médio quase sempre infalivelmente escolhe a maior escravidão em vez da menor. As massas foram enganadas em "ter seus próprios desejos: eles infalivelmente ficam com a ideologia pela qual foram subjugados" - diz Theodor W. Adorno, que não pode ser acusado de ser de direita. Está longe de liberdade, sem mencionar a livre escolha, quando o homem sucumbe ao mais forte, ao fascínio mais atraente entre os vários outros. Liberdade de escolha, então, é a escolha da possibilidade aparentemente mais favorável, apesar de que uma verdadeira escolha livre implica que o homem não está restrito apenas a escolher as alternativas oferecidas, mas por uma rejeição de todas elas, ele é capaz de criar novas. A livre escolha dos homonculi produzidos na linha de montagem da ideologia liberal dificilmente pode ir além da escolha livre do homem que pode - livremente - escolher entre ser preso por 30 dias e pagar uma multa de cem mil forintes. No que diz respeito as eleições políticas, o controle dos processos na democracia moderna não está na mão dos partidos e políticos que representa a pessoa na zona frontal da política, possuindo apenas uma pouca liberdade de movimento.  Está na mão dos poderes de fundo que são icógnitos, seja eles os lobbies acima do partido - que em qualquer ocasião farão valer sua vontade "de cima" -, ou seja eles os chamados "formadores de opinião" que, através da formação da opinião pública, fazem o mesmo desde baixo e que, por isso, fazem as "eleições democráticas" uma mera "peça" que já serviu para ilusão de liberdade do homem desqualificado. Assim, a liberdade é quase desconhecida no mundo liberal moderno, e só nas ocasiões mais raras é que se torna uma questão, de fato. Em vez de liberdade, o homem escolhe Tahiti ou Haiti para tomar um bronze pelo Sol de Deus; Mercedes ou Volvo pelo qual ele pode ir pra lá; o partido político que ele acredita que proporcionará o maior bem-estar social, e assim por diante. Para resumir, ele escolhe a escravidão em vez da liberdade, a maior escravidão ao invés da menor, a menor liberdade ao invés da maior, em uma palavra, ele escolha aquilo que mais satisfaz seus desejos materiais mais crescentes e cada vez mais incorpora-o no sistema de dependência "ser atendido = estar sobre a misericórdia de alguém".

Na verdade, o problema não está no fato de que a liberdade de eleição é a liberdade de escolher entre os "superiores" (e, geralmente, os "superiores" que foram escolhidos força o eleitor a fazer um serviço ainda maior e faz dele um servo); o problema é que a coisa que se tornou o "mestre" do eleitor, não serve o eleitor. Um sintoma desse processo é, como Gábor Czakó colocou, quando o homem "passa" de um estado de ser subjugado pelas pessoas à um estado de ser subjugado as coisas; ou quando, de acordo com Adorno, em vez de ter a matéria impregnada de alma (animismo) eles escolhem ter a alma impregnada de matéria (industrialismo). Zenão de Citium, o fundador da escola estoica, contrário as tipologias psicológicas horizontais, classificava as pessoas em dois grupos, de acordo com uma tipologia vertical e qualitativa: do inútil ao adequado, ou de acordo com outra tradução, do vulgar ao excelente.  Mas quem é o inútil? Nos tempos modernos, o sinal infalível de inutilidade se dá quando o homem, rebelando-se contra a tensão que surge entre seu estado atual e seu estado mais elevado - ou possibilidade -, duvida, mente sobre e "mal-interpreta" seu estado mais elevado e abaixa seu próprio nível (privando a si mesmo a chance de ascender). O inútil nos tempos antigos era capaz de conviver com essa tensão e com sua própria incapacidade de ascender mais alto - o que também prova sua superioridade a seus descendentes -, enquanto o inútil hoje, partindo de sua "dignidade" democrática (Dignidade para todos!) e praticando uma forma específica da velha violência revolucionária, carrega pra baixo tudo o que eles conseguem enxergar acima deles para seu próprio nível. Mas a natureza da inutilidade e da vulgaridade pode vir à tona justamente quando é comparada com a idoneidade, pois os ‘adequados’ não são aqueles que são especialistas em, digamos, artes, profissões ou esportes, mas aqueles que são adequados em superarem a si mesmo, ad indefinitum e ad infinitum, aqueles que podem ganhar a liberdade total para si mesmos. Eles são conhecidos pelo bem conhecido guia, o Buddha: "Olhe a felicidade dos Arhats! Você não pode ver qualquer traço de desejo neles. Eles cortaram o pensamento do "Eu sou" e quebraram a rede ilusória. Eles são imóveis, sem começo, imaculados, Pessoas reais, eles são aqueles que se tornaram Deus, são grandes heróis, são filhos da Consciência, imperturbáveis em qualquer situação, livre da compulsão da reencarnação, são aqueles que estão acima do seu "ego" conquistado, eles venceram sua própria batalha no mundo, eles expressam o "rugido do leão"; aqueles que acordaram são verdadeiramente incomparáveis".  Mas há alguma esperança de alcançar a liberdade e superação - se não a si mesmo - pelo menos de sua própria natureza vulgar, entre aqueles milhões que se tornam vulgares dia a dia? Existe um meio mais eficaz de se fazer vulgar do que assistindo, ouvindo, lendo e fazendo o mesmo que os outros, ou seja, tendo o mesmo alimento cultural como os centenas e centenas de milhares de outros?

A espiritualidade moderna se desvia para um caminho muito perigoso se ela tem aversão, ou melhor, se ela se debruça sobre política e acredita na incompatibilidade da espiritualidade e política, do espírito e poder, porque o apoliticismo inevitavelmente leva - a menos que haja uma negação indiferenciada da política precedida por uma diferenciação afiada - estar à mercê da radiação-de-fundo das políticas vigentes. Obviamente, a espiritualidade que está sob a égide dessa radiação-de-fundo política terá o carimbo de suas características e perderá sua própria espiritualidade que possuía na era da tradição, aquilo que faz a espiritualidade ser o que é em qualquer circunstância. Assim, o homem moderno pseudo-espiritual, em vez de escolher uma batalha espiritual heroica, se entra as forças de poderes obscuros e indefiníveis, e em vez de ascender ele prefere abandonar-se a alguma coisa, embora ele não saiba exatamente o quê. Não é de se estranhar, então, que a "meditação" efeminada no self-service da espiritualidade-de-consumo não é uma "batalha real" (Ramana Maharshi) como aquela do homem antigo mas, na verdade, uma relaxação. A "glória" da era moderna é que ela conseguiu fazer a meditação - que costumava ser privilégio das pessoas mais proeminentes - uma das formas de relaxamento disponíveis para qualquer um. Como todos nós sabemos bem, quando um homem totalmente materializado - demasiadamente pesado - que perdeu contato com sua vida mais elevada, "começa a relaxar", apenas o ponto mais baixo pode definir o limite ao seu afundamento. 


András László and Metaphysical Traditionality by Ferenc Buji 


domingo, 15 de março de 2015

O Presente percebido por Liberais, Conservadores, Céticos, Radicais e Reacionários (Por Eric Hoffer)



É interessante comparar aqui as atitudes em relação ao presente, futuro e passado mostrado pelo conservador, o liberal, o cético, o radical e o reacionário. 

O conservador duvida que o presente possa ser melhorado, e ele tenta moldar o futuro na imagem do presente. Ele vai ao passado para se tranquilizar sobre o presente: "Eu queria o sentido de continuidade, a garantia que os nossos erros contemporâneos eram endêmicos na natureza humana, que os nossos novos modismos eram heresias muito antigas, que as coisas queridas ameaçadas fizeram estremecer não menos fortemente no passado." Como, de fato, o cético é parecido com o conservador! "Existe alguma coisa que se possa dizer: Veja, isso é novo? Isso já esteve nos tempos antigos, muito antes de nós." Para o cético, o presente é a soma de tudo o que foi e que será. "O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol."  O liberal vê o presente como filho legítimo do passado que está constantemente crescendo e desenvolvendo em direção um futuro melhor: danificar o presente é mutilar o futuro. Todos os três, então, valorizam o presente, e, como é de se esperar, eles não aceitam de boa vontade a ideia de auto sacrifício. Sua atitude em relação ao auto sacrifício é melhor expressa pelo cético: "melhor um cão vivo do que um leão morto. Pois o vivo sabe que morrerão: mas o morto não sabe de coisa alguma...  Já não possuem parte alguma de qualquer coisa que se faz debaixo do sol."

O radical e o reacionário detestam o presente. Eles têm o passado como uma aberração e uma deformidade. Ambos estão prontos para prosseguir sem piedade e de forma imprudente com o presente e ambos são favoráveis a ideia de auto sacrifício. Onde então eles diferem? Principalmente na sua visão da maleabilidade da natureza do homem. O radical tem uma fé apaixonada na perfectibilidade da natureza humana. Ele acredita que mudando o ambiente do homem e aperfeiçoando a técnica de formação da alma, a sociedade pode ser forjada de maneira totalmente nova e sem precedentes. O reacionário não acredita que o homem possui potencialidades insondáveis pelo bem. Se uma sociedade estável e saudável deve ser estabelecida, ela deve ser moldada através de modelos comprovados pelo passado. Ele vê o futuro como uma restauração gloriosa, em vez de uma inovação sem precedentes.

Na realidade, a linha divisória entre radical e reacionário nem sempre é distinta. O reacionário manifesta o radicalismo quando ele tenta recriar seu passado ideal. Sua imagem do passado é baseada menos sobre o que realmente era do que sobre o que ele quer que o futuro seja. Ele inova mais do que ele reconstrói. Uma mudança semelhante ocorre no caso do radical quando vai construir seu novo mundo. Ele sente a necessidade de uma orientação prática, e desde que ele rejeitou e destruiu o presente, ele é obrigado a ligar o novo mundo com algum ponto do passado. Se ele tem que empregar a violência na formação do novo, a sua visão da natureza do homem escurece e se aproxima mais àquela do reacionário. A mistura do reacionário e o radical é particularmente evidente naqueles envolvidos em um renascimento nacionalista. Os seguidores de Gandhi na Índia e os Sionistas na Palestina ressuscitavam um passado glorioso e, simultaneamente, criavam um a Utopia sem precedentes. Os profetas também, são uma mistura de reacionário e radical. Eles pregaram o retorno a uma antiga fé e também visavam um novo mundo e uma nova vida.

Retirado do livro The True Beliver por Eric Hoffer 

domingo, 8 de março de 2015

O Funcionalismo Substitui a Abordagem Ontológica (por Christos Yannaras)

O entendimento moderno do ser implica o abandono deliberado da abordagem ontológica para a natureza da realidade.

A humanidade na era moderna visa explorar todas as facetas da realidade e da existência, tudo o que existe e acontece. Os limites mais distantes do microcosmo e macrocosmo devem ser acessíveis para a mente humana. Mas a realidade nos interessa como fenômenos objetivos e constituintes funcionais, não como um fato existencial. A própria onticidade das coisas ("ser enquanto ser"), ou a existência como o principal fato de nosso ser, o que chamamos de problema ontológico, se tornou marginal. Questões relacionadas com a causa, a finalidade ou propósito da existência, o princípio causal ou origem dos seres, as relações entre as coisas da mesma espécie, ou entre conceitos universais e entidades individuais, já não engajam as pessoas modernas.

Esta rejeição é facilmente explicada. A ontologia está associada com uma arrogância intelectual e a inflexibilidade dogmática fundamentada pelo pensamento medieval. A ideologia religiosa dominante na Idade Média européia era baseada na absoluta prioridade da ontologia. Apodítica obrigatória, interpretação abstratas dos fatos da existência e limitadas investigações sobre o que era conhecível. A substituição do conhecimento empírico pelo raciocínio abstrato inspirou uma ênfase na ontologia interpretada como a superioridade axiomática do transcendente sobre o temporal e sensível, e como a autoridade absoluta dos representantes terrestres daquele poder transcendente.

A ruptura com o passado medieval pressupõe o rompimento com o problema ontológico. A humanidade na era moderna se recusa reconsiderar questões que aprisionaram-na por séculos em uma subserviência humilhante à uma hermenêutica e a uma camisa de força reguladora de proibições axiomáticas. A rejeição moderna e a marginalização da ontologia é identificada com o senso comum empírico, liberdade de pensamento e de pesquisa, busca de uma prova matemática e a validação experimental.

Parece que não há sentido em interpretar o fato da existência, ou em conectá-lo com alguma causa hipotética ou extra-empírica. Coisas reais são de interesse como parte da "natureza": a matemática e a experiência decodificante racional e a função natural como um todo, fazendo a interpretação ontológica ser supérflua. A mente humana pode dar sentido aos fatos reais como funções rígidas ou mutáveis e pode intervir para fins utilitários.

A reivindicação da humanidade por uma maior soberania possível sobre a natureza através do intelecto destaca a compreensão funcional da natureza como "devir". As observações científicas tendem a confirmar as leis estáveis e imutáveis da natureza. Procura-se na natureza uma estrita conformidade as leis, o que implica um determinismo. Descartes, os empiristas ingleses, os racionalistas franceses e Newton construíram uma imagem mecanicista do universo e seu funcionamento. O cosmos é um relógio bem interligado, e é de menor interesse se algum Deus criou e colocou em operação, já que desde então funciona em sua própria consistência estrita lógica. Se decodificarmos corretamente como a natureza funciona, podemos domá-la para servir nossas próprias necessidades e objetivos.

Esta imagem mecanicista do mundo se estende até a biologia no instrutivo mas exagerado livro de La Mettrie, L'homme machine, chegando a uma brilhante conclusão na teoria de Darwin da evolução das espécies. A interpretação mecanicista é uma metodologia "constante" e também uma garantia de validade científica, adotado como verdade auto evidente pelas ciências sociais. O caráter "científico" da ciência social pressupõe a classificação de fenômenos da vida sob constantes mensuráveis que permitem a inferência. Observações definem consistentemente os fenômenos comportamentais repetidos sob as mesmas condições, assim as leis causais podem ser formuladas. Causas interdependentes e efeitos no comportamento coletivo podem ser articuladas como um sistema racional. A previsão positiva torna-se então uma justificativa utilitária da sistematização científica.
A abordagem científica para a sociedade significa evitar as questões ontológicas - os seres humanos são equiparados a "átomos físicos", como unidades neutras do todo social. Se a antropologia darwiniana se torna a base auto-evidente das ciências sociais, o enigma existencial da alteridade subjetiva pode ser anulado. Um ser humano é uma unidade biológica assumindo o seu lugar com qualquer outro elo da cadeia de desenvolvimento a partir do organismo mais simples e menos perfeito ao mais complexo e completo, um desenvolvimento regulado pela implacável lei da "seleção natural". O instinto de auto-preservação forma e controla a simbiose social, que é um produto do poder deste impulso.

Desta forma, a justiça e a moralidade são separadas de qualquer pretensão metafísica. O conceito de "indivíduo natural" inspira a lógica da "justiça natural", e os princípios reguladores racionalistas da ética tornaram-se "autônomos", como no utilitário "contrato social".

A arte da política é igualmente organizada como uma "ciência" metódica equilibrando os direitos e obrigações do indivíduo social. Esta é a era dos "direitos do indivíduo". A ideia de igualdade de direitos é derivada da semelhança natural entre indivíduos e sua semelhança biológica básica. O balanço de direitos e obrigações substitui interesse no problema ontológico, questões colocadas pelo livre jogo das forças sociais e os aspectos indeterminadas de relações interpessoais.

Paralelo a isso, a ciência política interpreta e programa os problemas humanos sobre a produção e troca, como se o indivíduo natural fosse uma unidade de produção e consumo. As unidades são equiparadas uma a outra, reduzindo-as ao menor denominador comum, cada pessoa produz e consome bens e serviço. A variedade da produção humana é reduzida a uma visão de "trabalho" como "força produtiva", identificado com os meios utilitários de produção. Ao mesmo tempo, "unidade humana" despersonalizada é julgada de acordo com os subprodutos do "mecanismo" econômico tais como: "renda per capita", "produto per capita", "poder de compra", "horas-homem" para a medição da produtividade, etc ou então funciona como uma constante para construção de conceitos macroeconômicos como força de trabalho, produto nacional bruto, rendimento médio, poder de compra médio, etc.


Esta cosmologia mecanicista e sua antropologia análoga de prioridades sociais e práticas assumem o axiológico "progresso" da humanidade e da natureza. A demanda por progresso rompe com a ontologia medieval. Na prática, evita a metafísica ou transcendência, até sacrificando o próprio progresso que está sendo perseguido. Mas o progresso axiológico da humanidade e da natureza é menos preocupante do que a mudança brutal em sua interpretação ontológica. Pseudo-ciência e afirmações sobre o sentido permeiam a idade moderna, desvalorizando quando não depreciando tanto o homem e a natureza, sem qualquer protesto. A teoria da evolução tem sido popularizada como uma simples descendência da humanidade a partir dos macacos, e as pessoas querem acreditar que a vida e seres inteligentes existem em outros planetas, apesar de pesquisas científicas mostrarem o contrário. A humanidade moderna parece incapaz de suportar a superioridade ontológica e a singularidade existencial. Nós insistimos em depreciar a nós mesmos, submetendo-nos à dependência natural e necessidades, reivindicando para nós mesmos um nível existencial de um animal e a casualidade da natureza. Esse "realismo" racionalismo procurando por "manter uma realidade inferida" e uma "libertação total de qualquer ilusão metafísica" é, em si, provavelmente, outra ilusão.

Do livro - Metafísica Pós-Moderna por Christos Yannaras (Meta-neoterike meta physike, Athens, 1993)

Psicoterapia Cristã - Batalha Contra as Provocações (por Robin Amis)

É necessário compreender plenamente o conflito interno que leva à formação da separação interior, uma vez que esta é a restauração lenta de nosso poder de escolha que perdemos desde a infância. Uma das diferentes formas de entender isso é através da idéia de provocação: a ideia de que a mente ativa, com suas associações, constantemente apresenta estímulos ao nous, ao qual o nous pouco discriminado, habitualmente responde de forma indiscriminada. Muitos dos primeiros Padres, e seus sucessores russos, descreveram o processo de provocação como uma sequência através de seis ou mais fases de perda progressiva de controle da mente, embora Evágrio, em sua obra Praktikos, descreve oito tipos específicos de provocação.

Pode-se perguntar: como isso difere de insanidade? A resposta simplista é que a sexta e última etapa da provocação, que os eremitas russos chamam de plenenie (cativeiro), descreve a condição de constante auto-satisfação e busca por distração que hoje não é só lugar-comum, mas também é promovido ativamente nos ensinamentos modernos de auto-expressão e assertividade. Isso freqüentemente perturba o corpo, levando a compulsões, e estas podem dominar a vida do indivíduo até o ponto em que o indivíduo não consegue manter sua relação com a sociedade, neste ponto ela ou ele é classificável como insano.

Ao estudar provocação, devemos notar que o homem moderno difere daqueles para quem essas descrições foram originalmente escritas. Quase todos os homens e mulheres ocidentais são subservientes às suas provocações, simplesmente porque eles consideram essas provocações como suas posses, como se as tivessem originado, o que é inteiramente falso, como se fossem as suas próprias ideias, os seus próprios sentimentos, suas próprias crenças. Na verdade, esses estímulos que nos impulsionam são meramente "gravações" do passado. Sempre que tocamos no estado de separação interna, que normalmente conseguimos brevemente, nós não reconhecemos que habitualmente respondemos à primeira provocação energética (ou "excitante")", e o resultado é que voltamos imediatamente para fora do estado de separação interna, novamente. E então esquecemos de nós mesmos, passando para o que Mouravieff chama de "confluência", o estado normal do homem moderno. Entre outras coisas, esta é uma das razões pela qual somos incapazes de controlar nossos pensamentos, e entender esse processo de provocação pode nos mostrar como é possível estabelecer o controle do pensamento.

Evágrio Pôntico, escreveu sobre essas provocações: "Existem oito categorias gerais e básicas de pensamentos provocadores nos quais estão incluídos todos eles. Em primeiro lugar está a gula, em seguida a impureza, a avareza, a tristeza, a apatia, a vanglória e por último o orgulho. Não está em nosso poder determinar se estamos perturbados por esses pensamentos, mas somos capazes de decidir se deixaremos dentro de nós ou não, se eles agitarão ou não nossas paixões."

Não está escrito nessa passagem de Evágrio o fato de que o "centro de comando", o centro magnético no estado de separação interior, ou além, é o resultado de um treinamento especial. É, na verdade, um órgão artificial ou feito pelo homem na mente. Até que ele seja construído, estamos submersos sob uma provocação contínua, emergindo deste estado, apenas por períodos curtos, em uma ação intencional. Desenvolver novas atividades intencionais para nossas vidas não é uma coisa fácil: isso nos envolverá em uma luta com esses pensamentos inúteis e muitas vezes prejudiciais, que tendem a se acumular à medida que aumentamos o orgulho, se isso nos levar a crer que os pensamentos, sentimentos, atitudes aos estímulos provocantes são nossos, como se faz normalmente, isso nos levará a um fracasso nessa luta. Essa luta, entretanto, está longe de ser inútil. Não só nos leva a completar alguma terefa que estava anteriormente além de nossa capacidade, mas aumenta nossa capacidade para futuras ações intencionais e lentamente nos liberta de nossas provocações recorrentes, e por isso desempenha um papel importante na formação do centro magnético que nos deixará prontos para uma consciência superior.

Estágios da Provocação

O emigrante russo, I.M. Kontzevitch, escreveu sobre o processo de provocação dentro do conteúdo da mente, colocando em termos modernos idéias que foram primeiramente importadas para a Rússia por São Nilo de Sora no final do século XIII. Primeiro disse que: "Os Santos Padres, ascetas, discernem por volta de (seis ou) sete momentos no desenvolvimento e crescimento das paixões." Estes estágios, diz ele, são descritos posteriormente por outras autoridades russas. Pensamentos provocadores, os sentimentos que nos fazem responder a eles, e as atividades habituais que repetimos sempre que as mesmas provocações ocorrem, todos são predisposições. Mas, como já foi sugerido, há dificuldades em descrever a maneira exata em que esses elementos agem. Em fatos observados, as fases ocorrem de forma distinta em diferentes "níveis de ser" e, em verdade, essas diferenças são o principal meio pelo qual é possível distinguir os níveis do ser. Kontzevitch resume a forma como estes são descritos pelos professores russos; mas as descrições gregas não são completamente as mesmas, provavelmente por causa da diferença no entendimento de que foram utilizadas as ideias. Temos dito mais de uma vez que a provocação é necessária, a fim de testar o nosso caráter, de modo a tornar-nos conscientes do que somos. Ela nos prova, descobrindo o que assentimos em um momento particular durante o teste, e as vezes, continuará até possamos ganhar o controle sobre nossos momentos de assentimento. Evágrio disse sobre este peirasmos, provação ou tentação, que:

A tentação é o fado do monge, pois pensamentos que escurecem sua mente inevitavelmente subirão para parte de sua alma que é a sede das paixões.
O pecado que o monge deve particularmente observar é aquele de dar consentimento mental para prazeres proibidos.

Este é o cativeiro: o estado do homem moderno, do homem caído. No Antigo Testamento, e em autores como São Gregório de Nissa, isto é simbolizado pelo cativeiro de Israel sob os Egípcios. Mas, como Boris Mouravieff escreveu em Gnosis: "a passagem de Esperança para o Amor é marcada pela renovação da mente, isto é, por um novo Conhecimento."

Para renovar a nossa mente ou inteligência - nous - precisamos remover de dentro de nós os obstáculos que impedem a consciência espiritual. Ou seja, nossa psique dever ser purificada. Uma parte importante deste processo é a purificação da memória. O resultado deste processo é descrito por São Macário: "É através da renovação da mente, da tranquilidade vivida em nossos pensamentos e o amor do Senhor e o amor pelas coisas celestes que cada nova criação de cristãos se distinguem dos homens de deste mundo. Por esta razão o Senhor vem, a fim de que ele possa dar estes dons espirituais para aqueles que realmente acreditam nele. Os cristãos possuem glória e beleza e uma riqueza celestial indescritível que chegam até eles com muito trabalho e suor, adquirida em tempos de tentações e muitas provações. Tudo isso deve ser atribuída à graça divina."

Quer sejam monges ou chefes de família, o teste é o destino de todos os homens decaídos quando tomam o caminho para superar a queda. Um tipo deste teste ocorre automaticamente à medida que começamos a tomar consciência do constante bombardeamento de provocações, um bombardeio que testa continuamente a nossa consciência emergente até que nos tornemos totalmente consciente da natureza secundária dos estímulos provocadores e assim nos separamos deles.

Este é um elemento importante no que é conhecido como a ''liberação menor".

A provocação passa através de vários estágios, cada um dos quais se torna mais difícil de "escapar" sem ajuda. Devemos agora elaborar a descrição de Kontzevitch desses estágios, com um pequeno comentário, onde for útil.

1. Provocação (em russo prilog)

A descrição de Kontzevitch da provocação inicial é:

O primeiro impulso para o surgimento do fenômeno psicológico que se torna uma paixão é conhecido como "provocação" ou "sugestão" (prilog). É uma concepção de um objeto ou de uma ação correspondente a uma das inclinações marcadas dentro de uma pessoa. Sob a influência de impressões externas, ou em conexão com o funcionamento psicológico da memória ou da imaginação de acordo com as leis da associação, esta provocação entra na esfera da consciência do homem. Esse primeiro momento ocorre independentemente do livre arbítrio do homem, contra a sua vontade, sem a sua participação, de acordo com as leis da inevitabilidade psicológica, da "espontaneidade" e, portanto, é considerado "inocente" ou desapaixonado. Isso não incrimina o homem no pecado, se não for causado por seus pensamentos "errantes", se não foi convidado, consciente e voluntariamente, e se uma pessoa não é negligente a respeito. Esta é a pedra de toque para testar a nossa vontade de ver se estará inclinado para a virtude ou o para vício. É nessa escolha que o livre arbítrio do homem se manifesta.

As "inclinações marcadas" que ele se refere são as memórias dos prazeres e dos desgostos: o termo deixa claro que nossa tendência natural é de desfrutar de certas coisas que normalmente adicionamos lembrando de impressões-sentimentos, que são evocadas da memória por associação, por exemplo, pela associação de eventos ou memórias despertadas em devaneios.

Na experiência, o processo de provocação é contínuo. Um após o outro, pensamentos e outras impressões entram em nossa percepção, e cada uma, ao fazer isso, desperta sentimentos, e estes nos provocam para reagir. Se somos capazes de resistir a este processo, mesmo por um momento, então uma série de provocações alternativas aparecem diante de nós como ações alternativas.

A não ser que já tivermos passado por um treinamento especial e prolongado, este estado de escolha não ocorre com tanta frequência.

2. Conjunção (em russo sochetanie)

O segundo estágio é a resposta de nossos sentimentos que determina nossa atitude para com o estímulo de provocação. Salvo se o coração é treinado, essa resposta será normalmente "desinformada", e nestas situações muitas das nossas respostas levarão a duas coisas que não queremos:

1. continuação do estado de confluência

2. ações erradas e frequentemente auto-destrutivas e limitadoras, juntamente com os problemas decorrentes que isto provoca em nossas vidas.

Em geral, esse segundo estágio ocorre muito rapidamente para que possamos pará-la. Ele é colorido pelos eventos passados, e quando ocorre sem que percebamos, isso significa que esses eventos passados moldaram nossa reação naquele momento. Este processo é descrito por Kontzevitch:

A provocação evoca uma resposta do sentimento, que reage à impressão ou a imagem invadindo a consciência ou por "amor" ou por "ódio" (simpatia ou antipatia). Este é o momento mais importante, pois aqui é decidido o destino do pensamento provocador: ele ficará ou irá embora? Somente o surgimento desse pensamento na consciência que ocorre independentemente da vontade do homem. Se não for imediatamente rejeitado e persistir, isso significa que na natureza daquela determinada pessoa ele encontra um terreno compatível, que se expressa em sua reação simpática à provocação. Uma inclinação simpática atrai a atenção, permitindo que o pensamento sugerido cresça e se torne uma imagem de fantasia que permeia toda a esfera da consciência e expulsando todas as outras impressões e pensamentos. A atenção permanece com o pensamento, porque o homem se agrada dele. Este segundo momento é chamado de conversação ou conjunção (sochetanie). São Efrém, o Sírio define como uma "livre aceitação do pensamento, seu entretenimento, por assim dizer, e uma conversa com ele acompanhado por prazer. ''

A fim de cortar a sequência de noções, para removê-lo de sua consciência, e para terminar a sensação de prazer, o homem precisa distrair sua atenção pelo esforço de sua vontade. Ele deve ativamente e firmemente resolver refutar as imagens do pecado atacando-o e não voltando a ele novamente.

3. Junção (em russo slozhenie)

Na personalidade, que carece de um centro magnético totalmente formado ou centro permanente, o equilíbrio que é destruído em um momento de provocação é puramente transitório e depende de esforços momentâneos que primeiro tiveram que ser aprendido. Quando o esforço aprendido termina, o controle desaparece e é substituído por aquilo Mouravieff solicita um estado de "confluência", isto é, de identificação com o conteúdo da mente. Quando não controlado, aquele conteúdo é puramente associativo em sua natureza. Sobre este terceiro estágio, Kontzevitch diz:

De outra forma, com a ausência da rejeição intencional das imagens introduzidas, o terceiro momento é induzido quando a própria vontade torna-se cada vez mais atraída ao pensamento, e como resultado o homem se torna inclinado a agir de acordo com o que o pensamento diz pra ele, para que possa obter satisfação participando daquilo. Neste momento, o equilíbrio de sua vida espiritual é totalmente destruído, a alma se entrega totalmente ao pensamento e se esforça para realizá-lo com o objetivo de experimentar um prazer ainda mais intenso.

No homem moderno ocidental a quebra deste controle é contínuo ou endêmico, na verdade, faz mais sentido dizer que o centro magnético como uma forma estável de controle existe apenas em alguns raros indivíduos, de modo que antes de despertar o centro magnético, o ensino em sua forma contemporânea começa pelo treinamento destinado a formação desse centro, que é artificial em sua natureza e é baseado em disciplinas que são, em parte, resultado da compreensão dos fatores descritos nesta passagem de Kontzevitch.

A formação de uma espécie de centro artificial, como o centro magnético, era objetivo da educação grega clássica ou paideia, e é provável que outras civilizações, que chamaríamos teocêntrica, em verdade formaram, em seu pleno desenvolvimento, assim como ainda formam, algo semelhante nos estágios mais elevados da educação normal. É quase certo que isso também aconteceu na igreja primitiva antes do terceiro século, e que aconteceu desde então, muito ocasionalmente em certas comunidades cristãs muito localizadas, de modo que, nessas civilizações, "ser civilizado" implicaria a posse do centro magnético; mas outros estudos são necessários antes que possamos estar inteiramente certos disso. Comunidades cristãs deste tipo provavelmente inclui algumas comunidades na Capadócia (na Turquia) entre os séculos IV e XX, e certos locais na Rússia, como a aldeia onde Teófano nasceu, do século XIV ao XIX.

4 & 5. A luta contra o hábito

Continuando a citação anterior de Kontzevitch:

Assim, o terceiro momento é caracterizado pela inclinação da vontade para o objeto do pensamento, por sua concordância em resolver e realizar fantasias prazerosas. Consequentemente, no terceiro momento, toda a vontade se rende ao pensamento e agora age de acordo com suas diretrizes, a fim de realizar os seus planos fantasiosos. Este momento, chamado de junção (slozhenie), se dá a cooperação da vontade, que é uma declaração de concordância com a paixão sussurrada pelo pensamento (Santo Efrém, o Sírio), ou consentimento [aprovação] da alma com o que foi apresentado pelo pensamento, acompanhado pelo prazer (São João Clímaco).

Este estado já se "aproxima do ato de pecado e é similar a ele" (Santo Efrém, o Sírio). Aqui vem a vontade deliberada de atingir a realização do objeto do pensamento apaixonado por todos os meios disponíveis para o homem. Em princípio, já foi tomada a decisão de satisfazer a paixão. O pecado já foi cometido em intenção. Resta agora, para satisfazer o desejo pecaminoso, transformá-lo em ato concreto.

Às vezes, porém, antes da decisão final do homem em proceder este último momento, ou mesmo após essa decisão, ele experimenta uma luta entre o desejo pecaminoso e a inclinação oposta de sua natureza.

Mais tarde, ele cita São Nilo de Sara que escreve:

A melhor e mais bem sucedida luta ocorre quando o pensamento é cortado por meio de oração sem cessar bem no início. Pois, como os Padres já disseram, quem se opõe ao pensamento inicial, ou seja, a provocação, parará sua subsequente destruição de uma só vez. Um asceta sábio destrói a mãe dos monstros malignos, ou seja, a provocação astuta (primeiros pensamento). No momento da oração, acima de tudo, o intelecto deve ser rendido, surdo e mudo (São Nilo de Sinai), e o coração vazio de qualquer pensamento, até mesmo um pensamento aparentemente bom (São Hesychius de Jerusalém). 

A experiência tem mostrado que a admissão de um pensamento desapaixonado, ou seja, uma distração, é seguido por um apaixonado (mau), e que a entrada do primeiro abre a porta para o último.
Esta oração sem cessar pode ter mais de um significado; pode assumir a forma de constante repetição de uma fórmula, como a Oração de Jesus, ou de um simples estado emocional de abertura para os níveis mais elevados ou centros superiores com nenhuma atividade específica, mas todos estes se tornam incessantes apenas quando são mais fortes do que as tentações. Isto, a ação da oração sem cessar dando controle sobre o comportamento sem rumo da mente, está muito perto de um centro magnético completamente formado. Mas primeiro é preciso visar nas fases iniciais de estabilidade parcial, que só podem ser ativamente mantidas em condições abrigadas, e nós precisamos compreender que, quando essas condições abrigadas não estão disponíveis, o mesmo estágio na formação do centro magnético torna-se uma luta contínua contra a perda de controle devido a condições externas. Esta luta longa e difícil com hábitos é característica deste trabalho fora do monasticismo.

A luta contra o hábito depende de quão profundo o hábito está estabelecido. Algum esforço, e particularmente uma longa persistência, é necessário para lutar contra todos os hábitos: "No entanto, o último momento psicológico de uma vacilação instável da vontade entre duas inclinações opostas, ocorre apenas quando o hábito ainda não foi formado dentro da alma, ou seja, o "mau hábito" de responder ao mau pensamento. Este tem lugar quando uma inclinação pecaminosa ainda não penetrou profundamente a natureza do homem e ao ponto de tornar-se uma característica constante de seu caráter, um elemento familiar em sua disposição, quando sua mente está constantemente preocupada com o objeto do desejo apaixonado, quando a própria paixão ainda não foi completamente formada."

6. Cativeiro (em russo plenenie)

No relato de Kontzevitch dos estágios de provocação, escreve sobre estágio 6, o "cativeiro":

Quando está sob o poder da paixão, homem alegremente e violentamente corre para satisfazer essa paixão, seja sem qualquer luta ou quase sem luta, aqui ele está perdendo o poder dominante, orientador e controlador de sua faculdade volitiva sobre nossas inclinações individuais e as exigências de natureza volitiva. Já não é a vontade que governa sobre inclinações pecaminosas, mas as inclinações que mandam sobre a vontade, forçando e seduzindo totalmente a alma, obrigando toda a sua energia racional e ativa a se concentrar no objeto de paixão. Este estado é chamado cativeiro (plenenie). Este é o momento do desenvolvimento completo de uma paixão, do estado plenamente estabelecido da alma, que agora manifesta toda a sua energia ao extremo.


Este quadro implica que o homem possui um grau de controle e, em seguida, perde-o. Em algum tempo, quase todo mundo aprendeu a controlar suas próprias respostas em situações específicas que variam de acordo com a sua vida prévia. Mesmo hoje em dia, quase todos nós aprendemos a não responder a algumas tentações. Mas, com ideias modernas de liberdade, até mesmo esse auto-controle ocasional torna-se cada vez menos comum ou opera apenas em situações especiais e muito limitadas, É por isso que o poder das paixões cresce mais forte ano a ano, algo que explica a epidemia do uso de drogas e outras distrações pelo qual as pessoas se escondem da vida. Para a humanidade em geral, isto conduz a problemas sociais. Para o indivíduo, isto significa somente que a dificuldade de superar as paixões torna-se maior de modo que a santidade parece mais e mais fora do nosso alcance. O fato é que, quando o processo de formação da paixão está completo, a luta contra o hábito só é possível através do sofrimento intencional; isto não é um "sofrimento estúpido", assumindo o sofrimento inutilmente, mas sim um "sofrimento útil" de forma voluntária, se recusando a satisfazer essas paixões. Esta luta é muito mais difícil sem a oração, embora certos estágios pode fazer que a oração em si pareça difícil, ou mesmo infrutífera por tempo.

retirado do livro A Different Christianity: Early Christian Esotericism and Modern Thought  - Robin Amis