terça-feira, 31 de março de 2015

O Estudo da Consciência não está sob competência da Ciência Moderna (Por Philip Sherrard)

Sobre o porquê que o conhecimento da natureza da consciência não está dentro da competência do cientista moderno - Philip Sherrard

1. É com minha consciência que eu percebo qualquer coisa que eu percebo.

2. Assim, a forma como algo aparece para mim depende do modo de minha consciência.

3. Eu só posso perceber aquilo que eu sou capaz de perceber, observar apenas o que sou capaz de observar, entender apenas aquilo que sou capaz de entender.

4. Daí que minha compreensão da natureza de algo só pode estar de acordo com o modo de consciência que eu possuo; e isso significa que a verdadeira natureza daquilo que percebo pode ser bem diferente daquilo que eu percebo que seja.

5. Um modo mais elevado de consciência que a minha será capaz de perceber a verdadeira natureza de algo mais claramente do que eu posso perceber; e assim por diante, até o modo mais elevado de consciência.

6. Essas mesmas proposições aplicam-se também ao conhecimento da natureza da própria consciência; minha compreensão da natureza da consciência só pode estar de acordo com o modo de consciência que eu possuo.

7. Nada pode ser conhecido, exceto de acordo com o modo do conhecedor.

8. Uma consciência mais elevada que a minha será capaz de uma maior compreensão da natureza da consciência do que aquela que sou capaz.

9. Em última análise, para saber o que a natureza da consciência é em si mesma, devo ter atingido o maior modo de consciência de que se é capaz de atingir, ou seja, aquele que é um só com a própria consciência.

10. Somente tal modo de consciência pode experimentar e deste modo verificar um conhecimento da natureza da consciência.

11. Apenas minha experiência da natureza da consciência em si pode constituir um conhecimento e evidência para ela.

12. Partes dessa minha compreensão da natureza da consciência só pode ser hipotéticas, mera opinião adaptada de acordo com as limitações do meu modo particular de consciência, viciado pela ignorância dessas limitações impostas, e totalmente inacessível a verificação através da experiência. Em tais circunstâncias, como a consciência aparece para mim será muito diferente do que é na realidade.

13. O modo mais elevado de consciência, ou a consciência em si mesmo, é aquele em que não há dualismo entre o conhecedor e aquilo que é conhecido, o observador e o observado, consciência e aquilo que a consciência está consciente.

14. Isto significa que, enquanto houver na minha consciência algum dualismo desse tipo, posso ter certeza que não atingi o mais elevado modo de consciência que se é possível de atingir. Daí minha concepção da natureza da consciência só pode uma hipótese ou opinião, distorcida pela ignorância que pertence a qualquer consciência que ainda está na escravidão do dualismo em questão. Na natureza das coisas, tais hipóteses, ou opiniões, não podem constituir conhecimento.

15. Como o modo de consciência efetivo para o cientista moderno é aquele que ainda está sob influência do dualismo - pois, se não fosse o caso, ele não seria um cientista moderno - é muito claro que o conhecimento da natureza da consciência não reside sob sua competência. Sua competência, a este respeito, assim como em outros aspectos, é necessariamente limitada a hipóteses, opiniões, especulações e nenhum desses pode-se dizer que constitui conhecimento.

16. Por definição, qualquer tentativa de entender a natureza da consciência que não seja baseado na experiência e no conhecimento daqueles cuja consciência transcendeu todas as formas de dualismo está condenado a futilidade. Não há menor motivo em desperdiçar tempo em empreendimentos que, a priori, estão condenados a futilidade.

17. Além disso, proceder em uma investigação da natureza da consciência que não seja através do estudo dos testemunhos daqueles - metafísicos divinamente inspirados, místicos, videntes, profetas - que através de uma experiência direta atingiram o conhecimento da natureza da consciência seria uma manifestação de extrema arrogância, para não dizer pura imprudência; pois, para proceder de outra forma que não seja através de tal estudo seria assumir a posse de um grau de compreensão e discernimento superior aqueles que possuíram a mais elevada inteligência conhecida pela raça humana. Seria, de fato, inesperado encontrar numa conferência onde exista até mesmo um único cientista que tenha estudado em profundidade - ou seja, com pelo menos o mesmo empenho e dedicação que ele tem estudado sua própria disciplina - os escritos dessas pessoas. No entanto, a menos que ele tenha estudado tais escritos, quais qualificações ele possui que lhe dá o direito de falar com qualquer finalidade sobre o tema em discussão? O cego não pode guiar outro cego.

18. E, se, em resposta a última questão for alegado que a questão em si é irrelevante porque a consciência continuamente evolui e, portanto, a nossa compreensão da consciência está em um estado continuo de evolução, que evidência adicional é necessária para mostrar a falência da mente que se pode fazer tal afirmação e a inutilidade de uma discussão mais aprofundada?

[o texto seguinte se trata de uma carta]
Caro ..., 
Eu não tive a intenção de provocar tal resposta enviando-lhe minha curta declaração - embora ilustre um pouco meu ponto sobre a dificuldade de ter qualquer discussão frutífera até que se tenham resolvido alguma das questões preliminares - questões que os cientistas modernos, no total, nunca levam em conta e até mesmo são completamente alheios a elas. Suponho que estas perguntas possam ser chamadas de puramente epistemológicas, no sentindo que elas lidam com as condições que devem ser cumpridas antes que alguém possa dizer que sabe de alguma coisa. Pessoalmente, nunca encontrei tais questões sendo levantadas por qualquer cientista. E, no entanto, qual é o sentido de tentar obter um conhecimento de algo que você ainda não satisfez nem as condições que permitem você obtê-lo? Minha declaração foi simplesmente afirmar que nenhum cientista moderno (até onde eu tenho conhecimento) sequer começou a cumprir as condições que permitiriam ele ou ela a obter o conhecimento da natureza da consciência.

Pensei que minha declaração anterior tinha explicado de forma clara mas, obviamente, não aconteceu. Eu suspeito, em qualquer caso, que há pelo menos duas barreiras inter-relacionadas - praticamente intransponíveis - para que fique claro aos cientistas. A primeira é que pouquíssimos cientistas, se existirem, mesmo se reconhecerem realidades supranaturais, ainda não percebem que não existem duas ciências, uma conectada com o material e o aspecto exterior das coisas estendidas no tempo e espaço, e outra com a dimensão espiritual e eterna, não estendida no espaço e tempo. Existe apenas uma ciência. Mas o que há, por outro lado, são dois modos dominantes de consciência no homem: o primeiro, o que poderíamos chamar de consciência do ego, que é o modo de consciência inferior, correspondendo ao que é mais desumano e satânico nele; e o segundo, sua consciência espiritual ou angélica, que é seu modo mais elevado de consciência.

A consciência superior ou espiritual percebe e experimenta as coisas como elas são em si mesmas, interiores e exteriores, espirituais e materiais, interpretações metafísicas e físicas - formando uma única realidade inseparável. A consciência do ego, ou profana, não pode perceber e experimentar as coisas como são desta maneira. Ela permite perceber e experimentar apenas aquilo que sua própria opacidade permite que perceba e experimente, e isso é apenas o aspecto das coisas estendidas no espaço e no tempo, nesse aspecto as coisas possuem existência e ser, e até mesmo realidade, em seu próprio direito. Esse tipo de consciência - consciência do ego - não percebe ou entende que, separado de sua dimensão interior e espiritual, nada que pertença ao mundo dos fenômenos possui uma qualquer realidade, seja física, material ou substância, e que a noção de que ela possui realidade é apenas uma ilusão ou distorção inerente ao ponto de vista da consciência do ego.

Em sua carta, por exemplo, você fala que deve ser feito uma distinção entre a consciência e suas expressões formais, e que, enquanto o cientista não pode estudar o primeiro, ele pode estudar o último. Mas isso é precisamente colocar o dualismo na realidade, que acontece simplesmente pelo fato de que a consciência do ego está separada da consciência espiritual. E como tal, esse dualismo representa um estado totalmente ilusório e distorcido da mente, e não corresponde a nada na realidade em si; que "conhecimento" das coisas igualmente ilusório e distorcido pode ser adquirido estudando-os como se correspondessem a algo na realidade - isto é, como se as coisas possuíssem ser e existência própria e além de suas dimensões espirituais e interiores?

Posso colocar isso de outra forma: tudo que possui forma é uma expressão da consciência. Como, então, eu posso estudar a própria natureza de uma expressão formal da consciência se eu sou ignorante da natureza da consciência da qual ela é uma expressão, e em que seu ser e existência são inerentes?

Pensar que se pode adquirir um conhecimento da consciência apenas estudando suas expressões formais é tão tolo como pensar que se pode ganhar conhecimento da alma por meio de análise, dissecação, quantificação, etc da estrutura do corpo humano. Platão sabia melhor: "Se a alma deseja conhecer a si mesma, é preciso olhar para seu próprio eu." O mesmo ocorre quando se lida com o conhecimento da consciência: tal conhecimento só pode ser adquirido através da consciência "olhando" para si mesma. Nenhum conhecimento disso pode ser adquirido através do estudo de suas expressões formais. Na verdade, nenhum conhecimento de qualquer coisa estendida no tempo e espaço - no plano "horizontal" - pode ser obtido sem um conhecimento anterior de sua dimensão espiritual e eterna - sua dimensão "vertical" - não estendida no tempo e espaço. Não há absolutamente nenhum sentido em discutir a natureza da consciência em uma conferência, a menos que isso seja compreendido.

Este é o primeiro ponto. E o segundo ponto, relacionado com o primeiro, é o seguinte: é extremamente raro - tão raro que que pode-se dizer que constitui a exceção que prova a regra - para qualquer um alcançar o modo mais elevado ou espiritual de consciência sem seguir um caminho de disciplina espiritual sob orientação, direito ou indireta, de um mestre espiritual qualificado. Mas, além disso, para estar em condições para discutir tais coisas como se fosse apenas de segunda mão, depois de um estudo de escritos de tais mestres espirituais, ou ser para ser capaz de usar uma linguagem metafísica universal discursiva de forma coerente, requer pelo menos um treinamento como se é necessário para dominar as convenções de uma matemática superior. E, como disse antes, eu nunca deparei com um cientista que tenha aprendido esta linguagem. Quando Einstein se aventura nesta esfera, o que ele diz é positivamente embaraçoso em sua ingenuidade. E as poucas coisas que eu li de pessoas como [Niels] Bohr deixa claro que eles são um pouco mais que novatos nessas matérias. O mesmo vale para [Frithjof] Capra. Em todos os casos aquelas questões preliminares que falei nessa carta são simplesmente ignoradas. Dessa forma, que diálogo pode haver?

Espero que posso ter deixado um pouco mais claro - ou pelo menos não ter confundido ainda mais. O ponto determinante a ser entendido é que o conhecimento principal - ou daquilo que pensamos como conhecimento - não é o objeto que buscamos para obter conhecimento, mas o modo de consciência que possuímos quando buscamos obtê-lo. Se for possível entender esse princípio, o resto todo cai em seu lugar. 

Philip Sherrard

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