quinta-feira, 23 de abril de 2015

Julius Evola sobre o uso de drogas

Indo além da música e dança, somos levados para uma área ainda maior e mais problemática, que abrange muitos outros métodos que estão sendo cada vez mais utilizado pela geração mais jovem. A geração Beat norte-americana, reúne álcool, o orgasmo sexual e drogas como ingredientes essenciais para dar-lhes um sentido de vida, técnicas radicalmente associados que, na realidade, têm uma algo em comum ao que me referi mais cedo.

Não preciso ficar muito nesse assunto. Além do que será dito sobre sexo em outro capítulo, devo dirigir aqui apenas algumas considerações sobre as drogas, que são meios que, entre todos aqueles usados em certos setores do mundo contemporâneo, é aquele que mais claramente possui um objetivo de um refúgio em êxtase.

A disseminação crescente de drogas entre os jovens hoje é um fenômeno muito significativo. O especialista, Dr. Laennec, escreve: "Em nossas terras, a categoria mais comum de viciados em drogas é representada pelos neuróticos e psicopatas para quem a droga não é um luxo, mas um alimento essencial, a resposta à angústia ... A toxicomania agora aparece como um sintoma adicional de síndrome neurótica do paciente, um sintoma entre outros, a última defesa, logo tornando-se a única defesa". Essas considerações podem ser generalizadas, ou melhor, estendida, a um círculo ainda maior de pessoas que não são clinicamente neuróticas: estou falando acima de tudo sobre os jovens que têm mais ou menos distintamente percebido o vazio e tédio da existência moderna, e estão buscando uma fuga dela. O impulso pode ser contagioso: o uso de drogas se estende a indivíduos que não têm esse ímpeto original como um ponto de partida e, em tais pessoas, isso só pode ser considerado como um evitável mau hábito. Dando início ao uso de drogas, para se encaixar ou estar em voga, eles sucumbem à sedução dos estados causados ​​pela droga, o que muitas vezes destrói sua já fraca personalidade.

Com as drogas, nós temos uma situação semelhante àquela da música sincopada. Ambas eram frequentemente transposições ao plano profano e "físico" de meios que eram originalmente utilizados para abrir-se até o supra-sensível em ritos de iniciação e experiências similares. Assim como as danças das músicas sincopadas modernas derivam da dança êxtase [Afrikansk], várias das drogas utilizadas hoje e criadas em laboratórios correspondem a drogas que foram muitas vezes utilizadas com fins "sagrados" nas populações primitivas, de acordo com as tradições antigas. Isto é verdade até mesmo para o tabaco; fortes extratos de tabaco eram usados pelos jovens nativos americanos em vista de sua retirada da vida profana e para obter "sinais" e visões. Uma reivindicação semelhante pode ser feita ao álcool, dentro de certos limites; estamos cientes da tradição centrada em bebidas "sagradas", como o uso do álcool nos rituais dionisíacos e similares. Por exemplo, bebidas alcoólicas não eram proibidas no Taoísmo antigo: ao contrário, elas eram consideradas "essências da vida", induzindo uma intoxicação que, como a dança, poderia levar a um "estado mágico de graça", procurados pelos chamados homens de verdade. Além disso, extratos de coca, mescalina, peyote e outros narcóticos eram usados, e muitas vezes ainda utilizados, ​nos rituais de sociedades secretas da América do Sul e Central.

Ninguém mais tem uma ideia clara ou adequada sobre tudo isso, porque não há ênfase suficiente no fato de que os efeitos dessas substâncias são bastantes diferentes de acordo com a constituição, a capacidade específica para reação, e - nesses casos de usos não-profanos - a preparação espiritual e a intenção do usuário. Lewin falou sobre uma "equação tóxica" que é diferente em cada indivíduo, mas esse não foi dado ênfase necessária nesse contexto, dado que a situação existencial bloqueada da maioria de nossos contemporâneos limita a possível variedade de reação as drogas.

No entanto, a "equação pessoal" e a zona específica sobre quais as drogas, incluindo o álcool, agem, levam o indivíduo em direção a uma alienação e uma abertura passiva para estados que lhe dão uma ilusão de maior liberdade, uma intoxicação e uma sensação de intensidade desconhecida, mas que na verdade tem um caráter de dissolução e que de nenhum modo "leva para o além". De modo a esperar um resultado diferente a partir dessas experiências, ele teria que ter em seu comando um grau excepcional de atividade espiritual, e sua atitude seria o oposto daqueles que procuram e precisam de drogas para escapar de tensões, eventos traumáticos, neuroses, e sentimento de vazio e absurdidade.

Já mencionei a técnica africana polirítimica: a energia é bloqueada em uma estase contínua, a fim de desencadear uma energia de ordem diferente. Na estase inferior dos povos primitivos isso abre o caminho para a posse de poderes obscuros. Eu disse que, em nosso caso, essa energia diferente deve ser produzida pela resposta do "ser" ao estímulo. A situação criada pela reação a drogas e até mesmo ao álcool não é diferente. Mas esse tipo de reação quase nunca ocorre; a reação à substância é muito forte, rápida, inesperada, e externa para ser simplesmente experimentada, e, portanto, o processo não pode envolver o "ser". É como se uma poderosa corrente penetrasse na consciência sem a necessidade de consentimento, deixando a pessoa apenas notar uma mudança de estado; ele está submerso nesse novo estado, e é "usado por ele". Assim, o efeito verdadeiro, mesmo que não seja notado, é um colapso, uma lesão do Eu, por todo sentido de uma vida exaltada ou de uma beatitude transcendental.
Para o processo de proceder de forma diferente, deveria ocorrer esquematicamente da seguinte forma: no ponto em que a droga libera energia x de uma forma exterior, um ato do Eu, do "ser", deve trazer sua própria energia dual, x + x, para a corrente e mantém-la até o fim. Da mesma forma, uma onda, apesar de inesperada, pode servir a um nadador hábil com a qual colide, impelindo-o para além dela. Assim, não haveria colapso, o negativo seria transformado em positivo, nenhuma condição de passividade seria formada com respeito à droga, a experiência de uma certa maneira seriam descondicionada, e, como resultado, não se submeteria a uma dissolução extática, desprovido de qualquer verdadeira abertura para além do indivíduo e só apoiada por sensações. Em vez disso, em certos casos, haveria a possibilidade de entrar em contato com uma dimensão superior de realidade, que era a intenção do uso não profano e antigo das drogas. Até certo ponto, os efeitos prejudiciais das drogas seriam eliminados.

Neste ponto, vai ser útil adicionar alguns detalhes. Em geral, as drogas podem ser divididas em quatro categorias: estimulantes, antidepressivos, alucinógenos e narcóticos. As duas primeiras categorias não nos dizem respeito: por exemplo, o uso de tabaco e álcool é irrelevante a menos que se torne um vício, ou seja, leve ao vício.

A terceira categoria inclui drogas que trazem a estados em que se experimenta várias visões e aparentemente outros mundos dos sentidos e espírito. Por conta desses efeitos, elas também são chamadas de "psicodélicas", sob o pressuposto que as visões projetam e revelam conteúdo oculto da profundidade da sua própria psique, mas que não são reconhecidos como tais. Como resultado, os médicos até mesmo tentaram utilizar drogas como mescalina para exploração psíquica análoga a psicoanálise. Entretanto, quando tudo é reduzido a projeção de um substrato psíquico, nem mesmo experiências desse tipo podem interessar ao homem diferenciado. Deixando de lado os conteúdos perigosos das sensações e seus paraísos artificiais, essas fantasmagorias ilusórias não levam alguém para além, mesmo se não se possa excluir a possibilidade que o que está agindo não é meramente apenas o conteúdo do seu próprio subconsciente, mas influências obscuras que, encontrando a porta aberta, se manifestam nessas visões. Podemos até dizer que essas influências, e não o substrato simples reprimido pela psique individual, são responsáveis ​​por certos impulsos que podem estourar nesses estados, até mesmo levando alguns compulsivamente a cometer atos criminosos.

A utilização eficaz dessas drogas pressupõe uma "purificação" preliminar, isto é, uma neutralização adequada do substrato inconsciente do indivíduo que é ativado; assim, as imagens e os sentidos podem se referir a uma realidade espiritual de uma ordem superior, em vez de ser reduzido a uma subjetiva, orgia visionária. Se deve enfatizar que instancias desse uso mais elevado de drogas eram precedidos não somente por períodos de preparação e purificação do sujeito, mas também que o processo seja devidamente guiado através da contemplação de certos símbolos. Às vezes, "consagrações" também eram prescritas para fins de proteção. Há relatos de certas comunidades indígenas na América do Sul, cujos membros, apenas sobre influência de peyote, ouviam as figuras esculpidas nas ruínas de templos antigos "falarem", revelando seu significado em termos de iluminação espiritual. A importância de atitudes individuais claramente aparece dos completamente diferentes efeitos da mescalina sob dois escritores contemporâneos que experimentaram drogas, Aldous Huxley e RH Zaehner. E isso é um fato, no caso de alucinógenos como ópio e, em parte, haxixe, essa suposição ativa da experiência que é essencial, do nosso ponto de vista, é geralmente excluída.

Resta a categoria de narcóticos e de substâncias que também são usados para anestesia geral, cujo efeito normal é a suspensão total da consciência. Isto corresponde a um descolamento que excluiria todas as formas intermediárias "psicodélica" e os conteúdos insidiosos, êxtase, e sensuais, deixando um vazio. No entanto, se a consciência for mantida, com o Eu puro no centro, poderia facilitar a abertura de uma realidade superior. Mas as vantagens seriam compensadas pela extrema dificuldade de qualquer treinamento capaz de manter a consciência individual.

Em geral, deve-se ter em mente que o uso de drogas, mesmo para um fim espiritual, isto é, para vislumbrar transcendência, tem seu preço. Como drogas produzem determinados efeitos psíquicos ainda não foi determinado pela ciência moderna. Diz-se que algumas, como o LSD, destroem certas células cerebrais. Um ponto é certo: uso habitual de drogas traz uma certa desorganização psíquica: deve-se substituir a elas o poder de atingir estados análogos através de meios próprios. Portanto, quando se opta por uma via com base na unificação máximo de faculdades psíquicas, estes inconvenientes devem ser mantidos em mente.

O leitor comum, provavelmente, acha essas ideias tediosas, faltando-lhe os pontos de referências pessoais para dar orientação. Mas, novamente, é o desenvolvimento de nosso argumento que exigiu essa breve digressão. Na verdade, apenas em lidar com essas possibilidades, tão incomuns como são, pode-se identificar adequadamente como uma antítese necessária. Isso nos mostra o bloqueio que impede qualquer valor positivo na evocação do elementar no mundo de hoje, deixando apenas os processos puramente dissolutivos e regressivos que prevalecem cada vez mais nas novas gerações.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Filomania (Por Giovanni Papini)

Hoje á noite, na Coupole, me fizeram conhecer um tal Rabah Tehom, que veio a Paris para iniciar, ao que diz, a revolução anti-filosófica Na nossa "roda", onde estavam reunidos dois romenos, um senegalês, um peruano o um sueco, o pequeno Rabah Tehom, gnomo do Oriente vestido de cor de laranja, arrotava as suas palavras em péssimo francês.

A cor do seu rosto, sob a luz deslumbrante, lutava entre o violeta extinto e o verde pisado. Falta-lhe um braço: diz que o perdeu em uma batalha, mas não se sabe em que guerra. Em torno dos cabelos gordurosos carregava uma corôa de louros de papel dourado. Nenhum licor o atemorizava.

— Que é que tem ganho os senhores — grasnava Rabah Tehom, levantando o único braço para os alampadários — seguindo a razão e adotando a inteligencia? "Não se alcançou a verdade, o homem é cada vez mais infeliz, e a filosofia, que deveria ser, segundo os antigos farsantes gregos, a coroa da sabedoria, se retorce entre as contradições ou confessa a sua impotência. Os dois malfeitores foram castigados desde o princípio - Sócrates com o veneno, Platão com a escravidão - mas não foi suficiente. Eles envenenaram e aprisionaram oitenta gerações com os seus ensinamentos pestilenciais. O monstruoso Sócrates se vingou da cicuta ateniense intoxicando os passivos europeus durante vinte e quatro séculos, com a sua dialética. Os resultados são visíveis. O exercício teimoso e estéril da razão levou ao ceticismo, ao niilismo, ao tédio, ao desespero. As poucas verdades entrevistas com aquele método conduziram ao terror. Na idade moderna, os filósofos se refugiaram finalmente na loucura: Rousseau, Comte e Nietzsche morreram loucos. E só graças a essa fortuna puderam renovar o pensamento ocidental com ideias mais fecundas e temerárias.

"Aqui está o segredo da redenção . Se a inteligencia leva a dúvida ou a falsidade, é de presumir que a insensatez, por idêntica lei, conduza a certeza e a luz. Se o excesso de raciocínio leva, não a conquista da verdade, mas a loucura, é claro que é preciso partir da loucura para chegar a uma racionalidade superior que resolverá os enigmas do mundo.

"A filosofia - amor à sabedoria - precisa ser substituída pela Filomania, o amor à loucura. Mas, a loucura não se ensina como se pode ensinar a lógica e a ciência do método. É necessário desabituar os cérebros humanos das práticas nefastas do velho racionalismo. Não basta abolir o culto desastroso da inteligência; é preciso extirpar das nossas mentes os tumores do intelectualismo, digamos antes, se o querem, a claridade, o bom sentido, a mania indutiva e dedutiva, o intelecto. Quem quiser ascender ao céu superior da revelação interna e universal, deve, antes de mais nada, enlouquecer. O sábio nunca poderá entrar no paraíso da verdade; vinte e cinco séculos de experiência contra a natureza, demonstram-no de modo irrefutável.

"Tomando o caminho contrário, adotando, andazamente, o delírio como ponto de partida, poderemos, talvez, aferrar o que não ponde ser aferrado por nenhuma especie de raciocínios. Contudo, a Filomania não pode ser difundida por meio de livros corno a fracassada Filosofia. É preciso extrair a inteligencia aos mais aptos; educar fora dos sistemas normais, os futuros criadores da Filomania. Não nos podemos servir dos loucos no estado natural, no qual lhes restam muitos rastros do ensino racionalista e do antigo pensamento. Estou percorrendo a Europa para recolher dinheiro que me permita fundar o primeiro "Instituto de Demência Voluntaria", do qual deverão sair os pionniers da Filomania. Os programas estão dispostos e eu me comprometo a transformar, em três anos, o animai mais racional, empestado de lógica, em um louco milagroso, profético e demiúrgico. Em três gerações, a Filomania florescerá sobre a terra, iniciando uma civilização nova,  que corresponderá ás exigências milenares do espirito humano e dará a paz a todos na suprema certeza."

Rabah Tehom reajustou a coroa de louros que lhe havia caído quase sobre os olhos, enxugou a fronte, bebeu whisky que um dos romenos lhe fizera trazer e interrogou com o olhar os ouvintes silenciosos. Apiedando-me de sua melancólica maluquice, tirei do bolso uma nota de cem francos e entreguei-a ao apóstolo da Filomania.

- Aqui está - disse-lhe - o meu donativo para a Escola da Demência Voluntária. É pouco, mas creio que uma escola tal deve ser muito menos necessária do que se lhe afigura.
Rabah Tehom moveu a cabeça com ar de comiseração.

- Todos podres pela inteligencia! - murmurou. - Vem o médico e lhe respondem com uma esmola.
Mas, apesar dos eu mau humor, meteu com cuidado os cem francos na carteira, sem me agradecer, e pôs-se de pé. Tirou a coroa dourada da cabeça, enfiou-a no bolso, e, depois de haver feito uma inclinação muito mesureira, saiu da Coupole, orgulhoso e solene como um profeta enviado ao desterro.


Conto do livro Gog de Giovanni Papini 

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Sendo você mesmo (por Lord Northbourne)

Se as observações deste capítulo são endereçadas ao leitor em pessoa é porque a questão tratada diz respeito apenas ao indivíduo como tal, como uma relação consigo mesmo. Não é abstrato, teórico e remoto, mas imediato e pessoal. Surge de um conselho, concedido generosamente para nós nesses dias: é necessário acima de tudo “ser você mesmo”. Esse conselho parece simples o bastante até que se comece a perguntar como exatamente aplicar isso em seu próprio caso. Para você, o leitor, “seu próprio caso” é o seu caso e de ninguém mais.

O que exatamente é você, essencialmente e não acidentalmente? O que é você “em você mesmo” e não como um açougueiro, padeiro ou vendedor? Você não pode tirar proveito em ser você mesmo até que você tenha certeza que sabe responder essa questão.

É você um ser criado por Deus a Sua própria imagem, nomeado por ele como seu representante na terra e, portanto, dado o domínio sobre ela, equipado para o cumprimento dessa função com uma relativa liberdade de escolha tanto em pensamento e ação? Você possui liberdade, que reflete a ausência total de restrição atribuível somente a Deus, mas ao que ao mesmo tempo te faz susceptível ao erro? Você é essencialmente isso e somente acidentalmente algo diferente?

Ou, alternativamente, você é essencialmente uma espécie do produto mais avançado até então conhecido de uma evolução contínua e progressiva, começando desde o ajuntamento fortuito de uma molécula proteica em alguma lama primitiva, sendo a própria lama um raro e mais ou menos produto da evolução das galáxias desde um ponto inicial que os físicos ainda não chegaram em consentimento?

Se você escolhe a primeira, a alternativa mística ou religiosa, você não necessariamente exclui a priori qualquer descrição plausível de sua situação física no Universo. Você, entretanto, exclui absolutamente tanto a primazia e a finalidade de tal descrição. Ela nunca pode ser mais que uma descrição, e como tal, não é uma explicação, mesmo se ela for a mais correta e completa que o homem possa fazer. Então, se você aceita a alternativa mística, você deve recusar aceitar qualquer descrição como uma explicação adequada do que você é.

Se você escolhe a segunda, a alternativa física (a palavra ‘física’ aqui está sendo usada no sentido mais ou menos da palavra ‘natural’, então isso inclui tanto a mente como o corpo) você desse modo exclui a primeira. Assim você considera seu corpo, seus pensamentos e seus sentimentos comprometendo tudo que você é, de tal forma que qualquer coisa chamada de ‘mística’ ou ‘religiosa’ só pode ser explicada como um produto desses três. Se você escolhe a alternativa física, “ser você mesmo” significa simplesmente soltar as rédeas de seus desejos corporais, seus pensamentos e seus sentimentos. Isso, de fato, parece o que você e eu, e especialmente nossas crianças, somos aconselhados a fazer. A desordem que daí surge frequentemente provoca nossa surpresa e reprovação.  Incidentalmente, se você solta as rédeas a essas três coisas, você está se jogando diretamente nas mãos de quem sabe como manipula-los para seus próprios fins. Com a ajuda da psicologia moderna, essa manipulação tornou-se uma ciência.

E mesmo assim, quão correto foi o conselho nos deram! Se nós somos ‘feitos à imagem de Deus’, tudo que precisamos fazer é ‘ser nós mesmos’.

Se, com esse fim, você tentar encontrar o que você é através de uma observação de você mesmo, o que você parece ser para você mesmo será o que você quer ser acidentalmente e não o que você é essencialmente. Quando você olha pra si mesmo, ou pensa que você está fazendo algo, há um que olha e há algo que ele vê. Eles não podem ser o mesmo. Se eles fossem o mesmo, eles seriam um só e não dois, portanto nenhuma relação de “olhando para” ou outra de qualquer tipo poderia surgir. Por isso, quando você olha pra si mesmo, o seu “eu” essencial está realmente olhando para o seu “eu” acidental. Em outras palavras, você está olhando para aquilo que nos dias de hoje é chamado de sua “personalidade”.

Ainda assim você é uma pessoa e não duas. Não importa o que aconteça, você é sempre a mesma pessoa; você continua você mesmo sob todas as vicissitudes que possam afetar seu corpo ou sua mente, pelo menos enquanto você é são. Seu corpo e sua mente juntos constitui o que as vezes é chamado de ‘complexo psicofísico’. Esse complexo nunca é o mesmo, nem por dois minutos, seja materialmente ou fisicamente; mas sua identidade se mantem constante seja você jovem ou velho, gordo ou magro, feliz ou triste, estando acordado ou dormindo. Se não fosse assim, não haveria continuidade em sua existência, nenhuma individualidade e nenhuma percepção de mudança. Existe um “você” que é o ponto de referência invariável, ou centro, e existe coisas mutáveis que você é consciente. O primeiro não é identificado com o último. Essas coisas mutáveis incluem tudo que você pode perceber e conhece distintivamente, e elas são do ambiente, periféricas e externas em relação ao centro consciente que é seu verdadeiro “eu”. Seu complexo psicofísico por inteiro, na medida que você pode perceber e conhecê-lo distintamente, evidentemente está entre essas coisas externas e mutáveis. Ele pertence a você, mas não é ao “você” que ele pertence. É a “personalidade” que você pode procurar desenvolver, mas não é o “você” que busca por desenvolvimento.

Assim, se você quer saber quem você realmente é, para que você saiba o que significa “ser você mesmo”, você deve dirigir sua atenção para o interior e não para o exterior; isso é, para longe de todos os objetos dos sentidos, incluindo seu próprio corpo, mente e sentimentos, em direção ao ponto central indistinguível do seu ser. Essa atenção para o interior deve, evidentemente, se voltar para o oposto daquela atenção exterior. Hoje em dia nós somos ensinados que o único caminho para chegar a verdade é pela intensificação e refinamento da observação. Dessa forma, para a maioria de nós, a atenção interior envolve algo que nunca tentamos conscientemente, ou mesmo nem sequer consideramos.

É verdade que não podemos viver sem observação, nossos sentidos não possuem outra função. Entretanto, se aquilo que foi dito é verdade, qualquer aproximação da verdade que se dá pela observação e nada mais, exclui a mais importante de todas as verdades, a verdade onde todas as outras verdades se fixam, isto é, a verdade sobre o que nós verdadeiramente somos. Se nós estamos enganamos sobre o que somos, e por tanto em relação com tudo mais, e sobre o propósito da nossa vida, e sobre qual é nosso destino, não é de muita utilidade saber qualquer coisa a mais, por que as chances são que usemos nosso conhecimento de forma errada, provavelmente para nosso próprio mal. Isso não é óbvio? E isso não sugere, de forma bastante alarmante, exatamente o que parece estar acontecendo?

Sem dúvidas você já deve ter percebido que essa outra aproximação à verdade, essa atenção interior ou ‘concentração’ como se fosse contrária ou complementar a aproximação via observação, não pode ser nada mais que o caminho contemplativo, o caminho seguido pelos homens sábios e santos de todas as épocas e povos. Uma vez que o objetivo não pode ser percebido distintivamente, esse caminho não pode ser mapeado. Apenas aqueles que seguiram esse caminho, e somente eles, podem ensinar.

Se você é um daqueles que somente aceita a validade da aproximação científica, tudo isso parecerá para você como um mero sofismo vazio. Por isso pode valer a pena levar a questão um pouco mais longe.

Você deve ter notado que dizer ‘meu’ ser essencial pode sugerir que ele pertence a você; e que está, até certa medida, ao seu dispor ou sujeito a sua influência, como se fosse sua propriedade.  Mas claro que não é assim. Nada que você pode fazer afeta de alguma maneira o fato de que você é o que você é. Como vimos, seu ser essencial continua o que é enquanto a correnteza de formas mutáveis e perecíveis passam. Mas seu ser essencial não deve ser confundido com os acréscimos que estão tão fortemente associados nele durante sua estadia temporária na terra, incluindo, claro, suas observações do próprio complexo psicofísico. Aqui é onde muito dos religiosos se atrapalham quando estão considerando os estados pós-morte do ser essencial, que são as vezes chamados de ‘paraíso’, ‘purgatório’ e ‘inferno’.

Só mais uma observação. Se somente sua ‘acidentalidade’ é distinguível, enquanto que sua essencialidade não, o mesmo se aplica ao seu vizinho. Isso sugere que você e ele são essencialmente um e apenas acidentalmente dois. Se você ver a situação dessa forma, você naturalmente amá-lo-ia ‘como se fosse você mesmo’; mas você só pode ver a situação dessa forma na medida em que você tiver realizado quem você é. Essa realização envolve o a travessia da multiplicidade em constante mudança da sua acidentalidade terrestre e a busca com todo seu coração, mente e força a Unidade imutável que é a realidade central e essencial de si mesmo, de seu vizinho e de todos os seres. E você só pode esperar encontra-la onde pode ser encontrada, e que é "dentro de si".


 Agora você entende que a frase 'ser você mesmo' pode ser interpretada em duas maneiras criticamente diferentes, não é mesmo?

Lord Northbourne em Looking Back on Progress

sexta-feira, 10 de abril de 2015

A Doutrina Svadharma e o Existencialismo (por Julius Evola)

Em um ensaio anterior, destaquei a importância de esclarecer alguns pontos em relação as doutrinas tradicionais do leste e certas tendências intelectuais bastante avançadas que emergem no Ocidente. Então disse que, em muitos casos, um conhecimento sério - e não um conhecimento amador das doutrinas - pode muito bem servir para complementar as tendências, libertando-as de seu aspecto de opiniões de natureza puramente individual e especulativa, e também de tudo que está afetado por uma atmosfera de crise, tal como se encontra, de fato, a nossa civilização ocidental moderna. Dessa forma, seria possível elevar a partir dessas intuições ocasionais, atingidas pelos europeus que estão lutando em um estado de profundo trabalho crítico, em um plano de um conhecimento objetivo e supra-pessoal, que deveria ser definido como "sabedoria", em vez de "filosofia".


Eu desejo tratar aqui, neste sentido, com certos aspectos de uma tendência de pensamento, muito na moda hoje em dia, conhecido como "existencialismo", selecionando como contrapartida a ele a doutrina hindu de "svadharma". [seu próprio dharma ou dever em relação a uma maior ordem cósmica]

Em relação ao existencialismo, naturalmente, não considerarei sua forma excêntrica e boêmia, de caráter predominantemente literário, que infelizmente, são os responsáveis pela nova popularização desta tendência. Ao contrário, farei referência ao existencialismo sério, filosófico, que tomou forma mesmo antes da Segunda Guerra Mundial e que, depois de Søren Kierkegaard (e em certos aspectos Nietzsche), teve como seus principais intérpretes Jaspers, Heidegger e Barth. Tentarei, primeiramente, expor algumas ideias básicas do existencialismo de maneira mais acessível. Esta não é uma tarefa fácil em um ensaio curto, tendo em conta a natureza peculiar e sua terminologia quase esotérica dos existencialistas, em quem muitas palavras frequentemente são usadas com significados totalmente diferentes de sua forma usual.

A base do existencialismo reside na concepção de "existência". Essa expressão não deve ser tomada no sentido mais comum e simples. Existência, de acordo com Kierkegaard, significa o ponto paradoxal e contraditório, em que o finito e o infinito, o temporal e o eterno estão implícitos e se encontram. A existência aqui, naturalmente é aquela do Ego, do ser individual, que é, portanto, considerada uma síntese de elementos contraditórios. Sua situação espiritual é tal que ele não pode se afirmar (o ser finito que existe no tempo), sem também afirmar o "outro" além dele próprio (o incondicionado, o temporário e o ser absoluto); mas, por outro lado, ele não pode afirmar o transcendente sem também afirmar ele mesmo, o ser existente no tempo. Duvidar de um desses lados significa também duvidar do outro. Essa é a premissa geral do existencialismo, assim afirmado pelos seus principais intérpretes, de Kierkegaard até Lavelle, de Barth até Jaspers. Aqui é adequado apontar a harmonia dessa linha de pensamento com os pontos de vista do hinduísmo tradicional. Em primeiro lugar, existe uma questão de método: o existencialismo procura alcançar uma intimidade no centro do indivíduo, que deve ao mesmo tempo ter um valor de uma experiência metafísica. Tal método pode ser considerado aquele do conjunto do ioga upanixádico e também da filosofia budista, a qual podemos aplicar a formula de um "experimentalismo transcendental". Em segundo lugar, é óbvio que que este ponto de encontro ambíguo entre o centro do ser finito e o incondicionado de certa forma nos lembra de atma, que apresenta características reais, por assim dizer, de uma "transcendência imanente", de algo que é o Ego, e ao mesmo tempo o Super-Ego, o Brahman eterno.

No entanto, o paradoxo da "existência", entendido no sentido mencionado acima, toma forma de um problema. Encontramo-nos, por assim dizer, diante de uma posição insustentável de equilíbrio instável, que deve ser resolvido em função de um ou de outro dos termos, que se encontram no indivíduo, mas que parecem excluir, bem como a contradizerem entre si: o condicionado e o incondicionado, o temporal e o não-temporal.

As duas soluções possíveis correspondem as duas direções seguidas pelo existencialismo, em relação das quais posso mencionar os nomes de Heidegger e Sartre por um lado, e Jaspers e acima de tudo Barth, de outro.

A solução adequada à filosofia de Heidegger é aquela do homem que tenta encontrar o incondicionado no transitório. O ponto, de acordo com esse pensador, apresenta-se da seguinte forma: a existência no tempo significa existir como um indivíduo e como um ser individualizado. Mas, a individualidade significa particularidade, significa a afirmação e a assunção de um determinado grupo de possibilidades, com a exclusão de outras, e o conjunto de todas outras; mas essas subsistem, elas vivem dentro do indivíduo, elas constituem o senso do infinito dentro dele, e tendem a encontrar expressão, para que se realizem. Isso determina o movimento do Ego no tempo, um movimento concebido no sentido de sair de nós mesmos (de nossa própria particularidade definida), como uma tendência para realizar tudo aquilo que nós excluímos de nós mesmos, para viver com elas como uma sucessão de experiências: uma sucessão que se desenvolve no tempo, e que deve representar o substituto para a totalidade, para tudo aquilo que o indivíduo, enquanto tal, não pode ser simultaneamente. Naturalmente, a infinitude de possibilidades corresponde necessariamente com a infinitude do tempo, e tudo isso nos dá, em certa medida, um sentimento que estamos perseguimos a nossa própria sombra: uma busca que nunca alcançamos, sem nunca termos inteiramente a posse de si mesmo, a fim de acalmar e resolver a antítese e a "angústia" própria da existência.

Esta solução de Heidegger termina, assim, em uma espécie de justificação metafísica da santificação daquilo que, em termos hindus, pode ser chamado de samsara, a consciência samsarica. Isto parece-nos uma posição perigosa, na medida em que tende para as diversas filosofias ocidentais modernas de imanência, de "Vida", de tornar-se, uma posição que, em nossa opinião, dificilmente pode ser vinculada a uma concepção tradicional do mundo. Na verdade, um pessimismo dissimulado e sombrio paira sobre toda a filosofia de Heidegger.

A segunda tendência existencialista, aquela de Jaspers e Barth, se encontra em uma situação diferente. Partindo de premissas mais ou menos semelhantes, a importância é dada ao conceito que, se o indivíduo representa uma possibilidade particular em meio de uma infinidade de outras, que estão fora dele, essa possibilidade definitiva emana de uma escolha. Esta escolha, naturalmente, nos leva a algo anterior ao tempo e anterior a existência dentro do tempo. A solução da antítese é dada pela "ética da fidelidade": que, estando nós no tempo, devemos assumir, devemos considerar "a nossa essência como idêntica a nossa própria existência", devemos permanecer fiéis ao que somos, tendo o pressentimento de que algo é eterno, que, através de nós mesmos, torna-se "temporalizado" em si mesmo, que tudo que aparece como uma necessidade, como um destino, como dificuldade, nos remete a algo desejado, a algo que só é assim por que ele escolheu que fosse assim, assumindo essa natureza particular, excluindo qualquer outra natureza possível.

Assim, juntamente com o preceito de fidelidade a nós mesmos, existe, no existencialismo, também um preceito de esclarecimento (Erhellung). A regra de vida desse existencialismo não é a busca por algo mais, a dispersão de nós mesmos no infinito, na problemática das perspectivas que se apresentam no mundo exterior, e menos ainda significa uma busca no tempo - como Heidegger clama - da miragem do incondicionado que sempre escapa; devemos então assumir nossa própria perspectiva ou visão de mundo, aprender e compreender o seu significado, que é equivalente a sua raiz transcendental, aquela vontade pela qual eu sou o que sou, e que, na existência nós possamos perceber apenas com base em seus traços e seus efeitos. Assim, então, a existência aparecerá apenas como julgamento no tempo de algo que existe antes do tempo, e cada necessidade ou finitude revelar-se-á como a consequência de um ato primordial de poder livre.

Aqueles que conhecem a doutrina do dharma e do svadharma não pode deixar de notar as analogias com essas visões existencialistas. De acordo com a concepção hindu, cada ser tem sua própria natureza. Não é por acaso que somos o que somos e não outra coisa. Para essa natureza - a menos que sentimos uma vocação para uma subida superior - devemos permanecer fiéis; fidelidade a nossa própria natureza, qualquer que seja, é o mais elevado culto que podemos render ao Espírito Supremo.
Assim, para ser nós mesmos devemos assumir nossa própria posição e tender a nossa própria perfeição individual, sem que os interesses exteriores nos distraiam ou seduzam. Não há natureza própria, dharma, superior ou inferior a outra, se tomamos - como devemos tomar - o infinito, aquilo que está além do tempo, como medida. Dessa forma, trair seu próprio dharma - a lei da natureza de si mesmo - assumir o dharma - o jeito de ser, a lei, o caminho - de outro é um erro e culpa: culpa, não no sentido moral, mas no sentido ontológico. É um ferimento contra a própria ordem cósmica - rta - equivalente a uma violência contra nós mesmos; porque, assim, entramos em contradição com nós mesmos, desejamos ser aqui, no tempo, algo diferente daquilo que nós desejamos ser além de todos os tempos. O efeito disso é a desintegração, e, por conseguinte, uma descida na hierarquia dos seres (simbolicamente, o inferno). Estes são conceitos tradicionais hindus que encontramos expressos nas Leis de Manu e, de uma forma ainda mais definida, no Bhagavad Gita. Sabemos que na Índia elas não permaneceram na mera teoria e filosofia, mas exerceram uma forte influência na vida individual e coletiva, constituindo, entre outras coisas, a base ética e metafisica do sistema de castas, aquele sistema que é tão pouco compreendido por ocidentais (embora na Idade Média houve algo do mesmo tipo), enquanto que está prestes a ser posta de lado, pelos orientais modernizados.

Mas, na visão geral do homem e do mundo, em que a doutrina svadharma está enquadrada, existem dimensões que não faltam no existencialismo; é mais integral que esse ponto duvidoso da filosofia ocidental.

Neste contexto Barth deve ser esquecido. Ele termina em um teocentrismo que lhe permite conectar o existencialismo com a teologia cristã. Esta teologia, como sabemos, com o tomismo defendeu a teoria da "nossa própria natureza" - natura própria - e a ética de fidelidade à essa natureza, a qual é diferente em cada homem e é desejada por Deus. Mas aqui, em nossa opinião, nós estamos nos elevando demais, e a referência à divindade teísta, cuja vontade deve ser responsável por estarmos nesse modo particular, é resumir demais a explicação. O problema existencialista só é resolvido pela fé, pela confiança em Deus, embora com a promessa de uma visão de futuro de todas as coisas, e, consequentemente, também de nós mesmos, do curso da sua própria vida, "sub specie aeternitatis", uma visão que através da qual toda a obscuridade desaparecerá. Mas isso tudo é religião em vez de metafísica, e pode não ser satisfatório para todos.

Mas vamos voltar para Jaspers. Os pontos fracos de sua teoria, nos quais as ideias hindus podem ser úteis, dizem a respeito à natureza daquela "escolha", que deve ter sido feita no plano não-temporal e que nos permite explicar a coexistência, dentro da existência, do finito e infinito. Acima de tudo, o lugar desta escolha, continua ser totalmente obscuro - não menos do que em Kant e Schopenhauer, que já tinham formulado algo do tipo com suas teorias sobre o "caráter inteligível".

Essa obscuridade é inevitável, devido a praticamente não-existência, na filosofia ocidental e na religião em si, da doutrina da pré-existência e dos múltiplos estados do ser. Que, antes do nascimento, existia não somente a vontade de Deus, criando a sua boa vontade almas a partir do nada; que, em vez disso, preexistiu uma certa consciência-entidade, a qual a existência de cada um de nós na terra é sua manifestação - tudo isto é "terra incognita" para a maioria dos filósofos ocidentais e teólogos: eles não sabem nada deste tipo.

Mas, sem referências desse tipo, toda a teoria existencialista sofre de uma obscuridade inicial e básica. Aliás, deve ser notado que falamos da teoria da pré-existência e não de "reencarnação" ou karma, como os teosofistas espalharam no fim do último século em certos grupos espiritualistas ocidentais. A primeira teoria não tem nada em comum com a segunda -uma possui um caráter metafísico e a outra um caráter popular- e, como já expliquei em várias ocasiões, quando tomada literalmente, nada explica, e é, na verdade, um erro.

A partir da primeira falta, a segunda é derivada, que se refere ao senso do ato pelo qual nós quisermos ser o que nós nos encontramos ser na terra e no tempo, ou seja, o senso da escolha ou opção transcendental, que toma espaço na vontade Divina e que também é a pre-condição necessária para falar de alguma responsabilidade e para justificar o preceito de fidelidade ao que somos.

Nisso, Jaspers só observa uma falha: ter desejado ser indivíduos significa ter desejado limitar a nós mesmos; mas, limitar nós mesmos significa pecar, pecar contra o infinito, contra o incondicionado, que é fatalmente negado em todas as possibilidades, em todas as maneiras de ser excluído do horizonte dessa única vida definitiva. E com esse pecado está naturalmente associado a angústia, a famosa "angustia existencial" do Ego.

Isso certamente é uma ideia estranha, que traz consigo um certo pessimismo, o qual encontramos vestígios nos primórdios da filosofia grega e até mesmo no Orfismo. Se no início das coisas, lá no alto, no outro lado do tempo, houve verdadeiramente um poder livre, nós não conseguimos entender qual "falha", qual "pecado" pode haver para que permitisse ter feito uma escolha, por ter decidido a favor de um determinado modo de existência e não de outro. Assim, que outras possibilidades devem ter sido excluídas e negadas, é lógico e inevitável, mas não sabemos a quem essa liberdade deve responder.

Em qualquer caso, falar aqui de "pecado" é um verdadeiro absurdo. Se assim for, deveríamos considerar pecado - gerando uma angústia existencial - o fato de, possuindo uma noite livre, eu preferi gastá-la em uma casa noturna, que obviamente me impede de fazer outras coisas igualmente possíveis, como ir ao teatro, ou a uma palestra, ou permanecer em casa estudando, assim por diante.

O verdadeiro infinito, para nós, e para qualquer metafísica de verdade, não é aquele que, por assim dizer, se está condenado a sua infinitude extática e indeterminada, mas é aquele que, deseja ser, permanecendo incondicionado em todos nossos atos, mantendo seu sentido de liberdade primordial e do estado incondicionado em tudo o que ele quis e em que se tornou. Assim, uma vez que entramos no domínio da temporalidade, devemos ter em mente aquilo que os Orientais chamam de lei concordante de ações e reações, e que os hindus chamam de karma, mas em seu verdadeiro sentido, não aquele dado pelos teosofistas e seus popularizadores.

Seria suficiente entrar nesta ordem de ideias para dar as noções existencialistas referidas um significado totalmente diferente, para retirar-lhes tudo que é "crise", "angústia", "invocação", ou dispersão em uma ação arbitrária; tudo passaria em um plano calmo mais elevado, de transparência, de decisão. E o preceito de ser nós mesmos, de fidelidade a nós mesmos e para com a "posição" que nós temos no reino da temporalidade, adquiriria um esclarecimento - graças à sua relação com uma ordem verdadeiramente incondicionada e supra-individual.


Em verdade, a visão hindu correspondente - que o antigo ocidente já sabia (Plotino, por exemplo, ou até mesmo Platão, antes dele) - pode agir nesse sentido sobre os existencialistas que realmente querem viver seus problemas, e este seria um dos pontos significativos de um possível encontro entre o pensamento do Oriente e do Ocidente.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Situando a Psique (por William Stoddart)

A Constituição tripartite do Homem


“Psicologia” significa literalmente “ciência da alma”. Como, então, se deve situar a “alma” metafisicamente? 


De acordo com a metafísica tradicional (seja Vedântica, Grega, Medieval, Islâmica ou outra), a constituição do homem é tripartite: ou seja, Espírito (ou Intelecto), alma e corpo.

O Intelecto (o Espirito) é a faculdade que permite o homem conceber o Absoluto. É a fonte de sua capacidade de objetividade e de sua habilidade de – ao contrário dos animais – livrar-se do aprisionamento na subjetividade; é a própria definição do estado humano. Como Frithjof Schuon mais de uma vez disse: “O Intelecto pode conhecer tudo aquilo que é conhecível”. Isto por que o Conhecimento-do-Coração ou gnosis é inato, e está totalmente presente dentro de nós num estado de virtualidade. Essa virtualidade deve ser realizada e este processo corresponde a doutrina Platônica de “reminiscência” que, em última análise, é a mesma da prática cristã de “lembrança de Deus” (memoria Dei). “O Reino dos Céus está dentro de ti”.

O Intelecto e o Espírito são dois lados da mesma moeda, o primeiro pertencente ao teórico ou intelectual, e o último pertencente a prática ou espiritual. Eles pertencem, respectivamente, ao modo de conhecimento objetivo (ou discriminativo) e o subjetivo (ou contemplativo). 


Os três elementos ou “níveis” na constituição do homem pode ser representada como se segue:

Português
Inglês
Latim
Grego
Árabe
Espírito (Intelecto)
Spirit (Intellect)
Spiritus (Intellectus)
Pneuma (Nous)
Ruh (‘Aql)
alma
soul
anima
psyche
nafs
corpo
body
corpus
soma
jism

O Espírito ou Intelecto, com suas duas “faces”, criada e incriada, é supra-formal ou universal, e é diretamente tocado pelo Divino; É o único elemento supra-individual, “arquetípico”, ou objetivo na constituição do homem. A alma, ao contrário, é formal e individual. O Espírito é, portanto, a “medida” da alma; a alma nunca pode ser a “medida” do Espírito. O erro fundamental dos psicanalíticos como o Jung é sua incapacidade de distinguir entre a alma e o Espírito e, consequentemente, na prática, ocorre a eliminação efetiva do Espírito. Dessa maneira, de uma só vez é abolido a própria base da objetividade e, ao mesmo tempo, da espiritualidade. O caos e o dano resultante desse ato de cegueira, fatal e anti-Platonico, é incalculável. Nós somos deixados num reino satânico onde tudo (verdade, moralidade, arte) é relativo. Apenas as filosofias antigas – os sistemas tradicionais de conhecimento – pode se opor a esse erro moderno da psicologia e dos cultos new age.

Deve-se entender que o termo “Intelecto” aqui é utilizado no senso Eckhartiano (aliquid est in anima quod est increatum et increabile “Existe algo na alma que é incriado e incriável). Deve ser dito de uma vez por todas que não existe uma barreira impenetrável entre o Intelecto e a mente: a relação do primeiro com o último é como a relação do centro do círculo com a circunferência ou como o pináculo do cone com sua base circunferencial. Falando metaforicamente, a maioria dos filósofos desde o fim da Idade Média, somente se preocuparam com a circunferência ou a periferia, com pouco ou nada de transcendente em seus pensamentos.  Assim, o transcendente (que anteriormente se sabia ser acessível através de revelação ou intelecção) foi tachado como um mero “dogma” ou “superstição”. O resultado tem sido uma tumultuosa dégringolade – desde Descartes, através de Kant, aos “filósofos” narcisistas dos dias atuais – conhecida como “história da filosofia”! Uma interrupção milagrosa dessa descida decadente foi dada pelos Platonistas de Cambridge do século 17. Fora esses “milagres”, o processo parece ser irreversível; as palavras de Virgílio nunca foram tão apropriadas: Facilis descensos Averno; sed revocare gradum, hic ops, hic labor est! (“A descida ao inferno é fácil; mas, para voltar a nossa trilha e subir, isso é um trabalho duro!”)

Infelizmente, a descuidada linguagem moderna confunde “intelectual” com “mental” ou “racional”. De fato, diferentemente do Intelecto que se encontra “acima” da alma, a mente ou a razão é um conteúdo da alma, assim como outras faculdades humanas como: vontade, afeição ou sentimento, imaginação e memória. Então: 














A teologia “ordinária” distingue entre Deus e homem e, dentro do homem, entre alma e corpo. Assim, imediatamente, temos três “níveis”: Deus, alma e corpo. A teologia mística, por outro lado, faz uma distinção dentro do próprio Deus, entre “Deus Supremo” e “Deus”, entre “Essência Divina” e “Deus Criador”, entre “Deus Impessoal” e “Deus Pessoal”, ou entre “Supra-Ser” e “Ser”. A Essência Divina e Deus Criador constituem o primeiro dos cinco “níveis”; cada um desses dois elementos é Divino e Incriado. A alma e o corpo é o quarto e o quinto nível; esses são humanos e criados. Ainda resta o nível terceiro ou intermediário, e esse é o Espírito ou Intelecto.  Os termos “criação” e “criado” são sinônimos com os termos “manifestação” e “manifestado”, respectivamente.

Esses “Cinco Níveis de Realidade” ou “Cinco Presenças Divinas”, juntamente com seu significado e suas relações, estão indicados na tabela abaixo: 

A Doutrina do Logos
Frithjof Schuon elucida a doutrina do Logos da seguinte maneira:

A Divindade é absoluta, a criação é relativa. Todavia, dentro do Absoluto (ou a Divina Essência), já existe uma prefiguração do relativo, e este é o Deus Pessoal (ou o Criador). Essa prefiguração da criação dentro do Incriado é o “Logos Incriado”. 


Além disso, dentro da criação, que é relativa, existe uma reflexão do Absoluto, e essa é o Espírito ou o Intelecto. Esta reflexão do Absoluto dentro do relativo (ou do Incriado dentro do criado) se mostra em coisas como Verdade, Beleza, Virtude, Símbolo e Sacramento. É também manifestado como Profeta, Redentor, Tathagatha, Avatara. Essa reflexão do Absoluto é o “Logos criado”. 


Sem o Logos (e suas duas “Faces”, criada e incriada), nenhum contato entre o homem e Deus seria possível. Esta parece ser a posição dos Deístas. Sem o Logos, haveria um dualismo fundamental, e não uma “Unidade” (ahadiya) como os Sufis chamam, ou “Não-dualismo” (advaita) como os Vedantistas chamam. A doutrina e o papel do Logos pode ser expresso em um diagrama como se segue:

As espiritualidades ou misticismos de todas as grandes religiões ensinam que é unindo-se (através de oração e sacramento) com o “Logos criado” que o homem alcança a união com Deus.


William Stoddart - Situating the Psyche

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Tradição e o “Inconsciente” (Por René Guénon)

Nós já expomos em outra parte o papel da psicanálise na obra de subversão que, após a "solidificação" materialista do mundo, constitui a segunda fase da ação antitradicional característica na época moderna em sua totalidade. É preciso voltar um pouco sobre essa questão pois, desde um tempo notamos que a ofensiva psicanalista está cada vez maior, no sentido de estar se dirigindo diretamente a tradição com o pretexto de explicar-se, tendendo a deformar de forma mais perigosa. A este respeito, deve-se fazer uma distinção entre as variedades desigualmente "avançadas" da psicanálise: esta, que foi primeiramente concebida por Freud, se encontrava em certa medida limitada a uma atitude materialista, que ele sempre teve a intenção de manter. Naturalmente, a psicanálise até então, não tinha um caráter puramente "satânico", pois Freud tentava proibir qualquer tentativa de penetrar em determinados domínios, ou, mesmo que tentassem, apesar de toda intenção, logravam apenas em falsificações doentes e grosseiras, onde a confusão era relativamente fácil de dissipar. Assim, quando Freud falava em "simbolismo", o que ele designava abusivamente assim, não era senão um simples produto da imaginação humana, variável de um indivíduo ao outro, sem nada em comum verdadeiramente com o autêntico simbolismo tradicional. Mas isso foi apenas o primeiro passo, e estava reservado aos outros psicanalistas modificar as teorias de seu "mestre" no sentido de uma falsa espiritualidade com a finalidade de - em conjunto com uma confusão muito mais sutil - aplicar a uma interpretação do próprio simbolismo tradicional. Foi principalmente o caso de C.G. Jung cujas primeiras tentativas neste domínio datam de bastante tempo; é de se notar que é muito significativo que esta interpretação parta de uma comparação que acreditou estabelecer entre certos símbolos e alguns desenhos de pacientes; e deve-se reconhecer que, de fato, esses desenhos, por vezes, em relação aos símbolos verdadeiros, possuíam certa semelhança "paródica" que continua sendo bastante perturbador em respeito à natureza do que os inspira.

O que agravou muito as coisas é que Jung, para explicar algo que os fatores puramente individuais não pareciam dar conta, foi levado a formular uma hipótese de um suspeito "inconsciente coletivo", existente de alguma forma abaixo do psiquismo de todos os indivíduos humanos, o qual ele acreditou poder se referir indistintamente tanto a origem dos símbolos como as de suas caricaturas patológicas. Não é preciso dizer que o termo "inconsciente" é totalmente inadequado, e aquilo que é designado por ele, na medida em que pode ter alguma realidade, pertence ao que os psicólogos denominam de forma mais habitual de "subconsciente", isto é, um conjunto de extensões inferiores da consciência. Temos observado em outros lugares a confusão que ocorre continuamente entre o "subconsciente" e "superconsciente"; como este escapa completamente, por sua própria natureza, o domínio sobre o qual se dá a investigação de psicólogos, eles nunca conseguem sair, e quando eles têm a oportunidade de se familiarizar com algumas das suas manifestações, atribuem ao "subconsciente". É precisamente essa confusão que encontramos também aqui: que as produções dos pacientes observados pelos psiquiatras procedem do "subconsciente" certamente não é duvidoso; mas, ao contrário, tudo que é da ordem tradicional e, especialmente o simbolismo, só pode ser referido ao "supraconsciente", ou seja, aquele pelo qual se estabelece uma comunicação com o suprahumano, enquanto que o "subconsciente" tende, inversamente, ao infrahumano. Há, portanto, nisso, uma verdadeira inversão que é inteiramente característica do gênero de explicação em questão; e o que lhe dá uma aparente justificação é o fato de que, em casos como esses citados, ocorre que o "subconsciente", graças a seu contato com as influências psíquicas de ordem mais baixa, imita efetivamente o "supraconsciente"; isso, para aqueles que se deixam ser enganado por tais falsificações e são incapazes de discernir sua verdadeira natureza, dá origem a ilusão que leva ao que chamamos de uma "espiritualidade invertida".


Por meio da teoria do "inconsciente coletivo", acredita-se ser possível explicar que o símbolo é "anterior ao pensamento individual" e que o transcenda; o verdadeiro problema, que parecem nem considerar, é saber qual direção que ocorre essa transcendência: se é para baixo, como parece indicar essa referência ao suposto "inconsciente", ou para cima, como afirmam expressamente todas as doutrinas tradicionais. Encontramos em um artigo recente uma frase onde essa confusão aparece de forma mais clara possível: "A interpretação dos símbolos..., é a porta aberta ao Grande Todo, isto é, o caminho que conduz a plena luz através do escuro labirinto do submundo de nossa individualidade".  Infelizmente, há maior probabilidade de que, perdendo-se nesses "labirintos escuros", alcance outra coisa que a "plena luz"; além disso, observe também o perigoso equívoco do "Grande Todo" que, como sendo a "consciência cósmica", em que uns aspiram se unir, não pode ser nada mais nada menos que o psiquismo difuso das regiões mais inferiores do mundo sutil; assim, portanto, a interpretação psicanalítica dos símbolos e sua interpretação tradicional conduzem, em verdade, a extremidades diametralmente opostas.



Cabe entender outra observação importante: entre as muitas coisas que supostamente são explicáveis pelo "inconsciente coletivo", há de se contar, é claro, o "folclore", e este é um dos casos que a teoria pode apresentar alguma aparência de verdade. Para ser mais preciso, deveria se falar de uma espécie de "memória coletiva", que é como uma imagem ou um reflexo, no domínio humano, dessa "memória cósmica" que corresponde a um dos aspectos do simbolismo da lua. Só que pretender concluir que a natureza do "folclore" é a mesma origem da tradição, é cometer um erro semelhante aquele, tão difundido em nossos dias, que considera como "primitivo" o que nada mais é que um produto de uma degradação. É evidente, de fato, que o "folclore", constituído essencialmente por elementos pertencentes a tradições extintas, representa inevitavelmente um estado de degradação em relação as mesmas; mas, por outro lado, é o único meio pelo qual algo delas podem ser guardadas Seria necessário também perguntar em que condições de conservação tais elementos estão confinados na "memória coletiva"; como tivemos oportunidade de afirmar, não podemos ver aí senão um resultado de uma ação plenamente consciente dos últimos representantes de antigas formas tradicionais em ponto de desaparecimento. O que certo é que a mentalidade coletiva, na medida em que exista algo que assim possa ser chamado, se reduz propriamente a uma memória, que é expressa em termos de simbolismo astrológico ao dizer que é de natureza lunar; em outras palavras, pode desempenhar alguma função conservadora, a qual consiste precisamente o "folclore", mas é totalmente incapaz de produzir ou elaborar qualquer coisa, especialmente coisas transcendentes como todos os dados tradicionais.


A interpretação psicanalítica visa, na verdade, negar essa transcendência da tradição, mas de uma maneira nova, pode-se dizer, e diferente das negações até o momento: não se trata, como no racionalismo ou em todas suas formas, seja de negação radical, seja de uma ignorância pura e simples da existência de qualquer elemento "não-humano". Ao contrário, parece admitir que a tradição tenha efetivamente um caráter "não-humano", mas desviando completamente a significação desse termo; assim, ao fim do artigo citado anteriormente, lemos o seguinte: "Voltaremos talvez sobre essas interpretações psicanalíticas de nosso tesouro espiritual, cuja 'constante' através do tempo e civilizações diversas demonstra claramente o caráter tradicional, não humano, se se toma a palavra "humano" em seu sentido separativo, individual". Aqui se mostra talvez o melhor exemplo possível de qual é, no fundo, a verdadeira intenção de tudo isso, pois - querermos crer - não é sempre consciente que se escrevem coisas deste tipo, pois deve ficar claro que o que está em jogo não é esta ou aquela individualidade, assim como o "chefe de escola", Jung, mas uma "inspiração", a mais suspeita, de onde essas interpretações procedem. Não precisa ter ido muito longe no estudo das doutrinas tradicionais para saber que, quando se trata de um elemento "não humano", o que se entende por isso, e que pertence essencialmente aos estados supra-individuais do ser, não tem absolutamente nada a ver com o fator "coletivo", o qual, em si mesmo, em realidade, não pertence senão ao domínio individual humano, o qual é descrito como "separativo", e que, além disso, por seu caráter "subconsciente", não pode de maneira alguma abir uma comunicação com outros estados, exceto em direção ao infrahumano... Se entende, portanto, de maneira imediata, o procedimento de subversão que consiste, aproveitando-se de certas noções tradicionais, em inverter de certo modo, substituindo o "supraconsciente" pelo "subconsciente", o supra-humano pelo infrahumano. Essa subversão não é muito mais perigosa que uma simples negação? E acreditam que exageramos em dizer que isto contribui para preparar o caminho para uma verdadeira "contra-tradição", destinada a servir de veículo a esta "espiritualidade invertida" que, no fim do ciclo, o "reino do Anticristo" deverá aparecer com seu aparente e passageiro triunfo?

Capítulo do livro Miscellanea (Mélanges, 1976)