domingo, 7 de junho de 2015

Sobre a Índia e Budismo - Conversações com o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I

Por trás do movimento "New Age" também se pode perceber uma redescoberta da Índia, e em particular, do Budismo.

Muitos ocidentais atualmente dizem encontrar uma verdadeira serenidade no Budismo. Eles aprendem que existe um dharma (para usar a palavra em sânscrito), um caminho de salvação, uma ordem do mundo; alguém poderia até mesmo chamar de Sabedoria, quase no sentido bíblico da palavra. E este dharma, não muito diferente do Decálogo, pede-lhes para não matar, não roubar ou mentir, ser casto, e (muito útil para as nossas sociedades) abster-se de álcool e drogas! Eles parecem, de certa maneira, se distanciar de suas emoções e tendem a ver os outros e, a si mesmos, com grande tolerância e paz.

Curiosamente, a popularidade do Budismo hoje substitui aquela do Hinduísmo, que parecia ser maior no período seguinte da Segunda Guerra Mundial. Isso pode ser o resultado da expansão do Budismo Tibetano, que hoje constrói mosteiros em toda Europa Ocidental e na América do Norte.  Ou pode ser devido à personalidade marcante do Dalai Lama, que é capaz de interpretar o Budismo para o Ocidente. Mas há algo mais: a Índia representa algo luxuoso, superabundante, uma espécie de alegria robusta; enquanto que o Budismo fala essencialmente de sofrimento e libertação da dor. Portanto, o Budismo parece particularmente atraente para muitas pessoas das sociedades ocidentais que estão cansados, que estão "estressados" e que buscam um pouco de paz e tranquilidade...

Para o Budismo, de fato, tudo é doloroso: nascer, inexoravelmente decair, sofrer muitos tormentos, ser submetido ao que se odeia, e ser separado daquilo que se ama.  E qual é a motivo para este sofrimento? O motivo é que não conseguirmos parar de desejar, de ser "sedento", de "queimar". O desejo nasce da ignorância. Ele acredita na realidade, na importância, dos seres e das coisas. Dessa forma, ele produz erro, luxúria, ódio, que são "as três raízes do mal". O "caminho da libertação" corrige nosso comportamento (as exigências morais são extremas - algo que o Ocidente geralmente se esquece), e, através da prática de meditação, nos permite discernir o processo de crescimento e, finalmente, nos despertar. Despertar para a realidade única, inefável, é apagar as chamas da paixão, do erro e ilusão. É se tornar impassível, ou seja, triunfar sobre as paixões que constantemente nos faz de brinquedo.

Este tipo de ascetismo, que é monástico, é semelhante à nossa ascese monástica. A espiritualidade hesicasta, "a arte das artes e a ciência das ciências", também fala sobre ignorância e das paixões, que começam com o orgulho e avidez, com o egocentrismo - philautia - todos nascem de nossa angústia escondida quando nós somos confrontados com a natureza transitória deste mundo. E os métodos para atingir esta libertação das "paixões" são similares: limpar a mente de "pensamentos", alcançar a apatheia (estado desapaixonado ou de impassibilidade) e o "estado de vigília". Esta última palavra é tão importante no hesicasmo como no Budismo, pois a palavra buddha significa "despertado". De fato, os grandes testemunhas do hesicasmo são os chamados Padres "népticos", um adjetivo derivado do gregro nepsis, que significa vigília! 

O termo Nirvana, muita vezes tão mal compreendido, significa extinção - do desejo, da sede, do fogo. Designa um estado de completamento sobre o qual só se pode falar utilizando negações. Isto nos lembra da "oração além da oração" hesicasta, quando o homem o homem se torna tão infinitamente pequeno que ele observa a luz divina. 

Não seria o Budismo, nas profundezas da Ásia, uma espécie de pré antecipação Cristã? O próprio Budismo, é claro, seria ignorante deste fato. Podemos perceber dois aspectos em sua doutrina: a primeira é uma verdade parcial; a segunda permanece encerrada nesta parcialidade. 

Nirvana é um símbolo negativo de uma entrada no centro divino de seu próprio ser. Que um amor libertador é revelado neste "vazio", que é uma plenitude, um amor que restaura tanto o outro e o mundo - tudo isso é desconhecido ao Budismo. Ou ainda não é conhecido? A questão permanece. Dentro da tradição hesicasta, o coração e o espírito deve morrer para si mesmos, a fim de redescobrir uma "alteridade" de Deus na unidade, uma unidade que se transforma em comunhão. 

Estamos de acordo com os Budistas que "este mundo", como diz o Evangelho, encontra-se no mal. Mas, para os Budistas, o mundo não é nada mais que isso. Ele consiste em agregados transitórios de matéria, que estão constantemente sendo transformados e desaparecendo, apenas para dar à luz a novos agregados, que não são menos transitórios. Para nós, Ortodoxos, sob o véu da ilusão que somos chamados parar remover, a criação de Deus tem substância. É boa, boa precisamente por causa de sua diversidade. Este mundo não esgota a realidade do mundo de Deus. 

De forma semelhante, para o Budismo, o homem é simplesmente uma "combinação" não-essencial que pode, por exemplo, ser comparado com uma carroça. O homem é um simples processo, uma continuidade sem identidade. Certamente há uma reencarnação, mas ocorre através da simples casualidade de ação produzindo efeitos. Não há nenhuma transmigração, porque não há nenhuma alma que pode passar de uma habitação para outra. Se libertar é rejeitar a noção do "eu" - como bem, é claro, qualquer noção do "outro". Reincarnação, a "roda da existência", é um ciclo infernal, mas não existe indivíduos para serem condenados! Buddha nunca deixou de denunciar a "multidão ignorante" que se alimentava das absurdas "teorias da alma" e que acreditavam em reincarnações "pessoais". Este "não-Eu", seja mitigado ou não, é, de fato, não diferente do Si do Vedanta - a escola Hindu que sucedeu em perseguir o Budismo na Índia! Só se pode falar do Si em termos negativos, a fim de identifica-lo com o divino - e é apenas este aspecto divino que é transmigrado! 

Assim, podemos ver, que isto é muito diferente do "reencarnacionismo" ocidental, aquela invenção de turistas ocidentais. Nós também não compreendemos totalmente ioga (e seus objetivos metafísicos são quase sempre mal interpretados no Ocidente). Ioga dá ao seu praticante ocidental a ilusão de descobrir seu verdadeiro Si, enquanto que, normalmente, somente leva-o para expandir e mostrar seu ego! 

Tudo, acrescenta o Patriarca, centra-se no conceito de "pessoa" De acordo com o Budismo, a pessoa não existe. O Cristão, no entanto, afirma a existência da pessoa. Mas a Ortodoxia não identifica a pessoa com o indivíduo, com a "substância individual de natureza racional", como Boethius desajeitadamente declarou no mundo latino. Isto significaria que a pessoa não é nada mais do que uma máscara, que é, de fato, o sentido original da palavra latina persona, ou o grego prosopon. A pessoa só é revelada na conclusão de uma antropologia negativa, e os esforços do Hinduísmo e do Budismo podem ser útil para nós. O absoluto não está além da pessoa (pois então, na verdade, não haveria ninguém!). Em vez disso, o absoluto é a profundidade, a "profundidade sem fundo", da pessoa, ou melhor, da comunhão. E se a pessoa, e portanto, a possibilidade de encontro, existe, então história existe. No entanto, nem o Hinduísmo, nem o Budismo está interessado em história, porque para eles, o tempo, em seus ciclos intermináveis, consiste em nada além de terror. Se a pessoa e, portanto, a comunhão existe, então a atração do homem para Deus transfigura o desejo: eros se transforma em agape. É particularmente o milagre da graça e do perdão que destrói a fatalidade do karma - a relação automática entre o ato e suas consequências - e o medo de que "teremos que pagar tudo" como dizem alguns Cristãos que não conseguem entender a infinita graça da cruz e da ressurreição

De Buda à Gandhi

Devemos, no entanto, estar cientes que o Hinduísmo e o Budismo nunca deixaram de se desenvolver. Isto é certamente verdadeiro em nossa própria época, quando os valores de origem Cristã foram espalhados pelo mundo. Mas também pode ter sido o caso durante séculos, tanto por causa de um impulso cristão que só podemos imaginar, ou através da longa influencia da evangelização "Nestoriana" no coração da Ásia. 

Dentro do Budismo chinês e japonês, por exemplo, tem havido uma evolução, por um lado, em direção a ascese e para uma estética de beleza cósmica, e, por outro, em direção a uma religião de misericórdia. No movimento Zen - Ch'an na China-  o asceta aguçado, durante e depois de um momento de iluminação, experimenta nitidamente o nascimento de uma árvore, de uma flor, da luz. Ele conhece as coisas como elas são. Ele ouve "o ah! das coisas." Isso não está muito longe da "contemplação da natureza", Cristã, que é uma etapa necessária no hesicasmo. No Amidismo, o monoteísmo se afirma. Amida (Omito em Chinês), o meditador, era um monge que, voluntariamente, interrompeu sua ascensão no caminho da iluminação, colocando a realização da perfeição em espera, até que toda a humanidade e toda a criação, até a última folha de grama, sejam salvos por sua intercessão. O fiel pratica o nembutsu, a humilde invocação da fórmula, "Buda Amida, salva-me". Um grupo que veio do Amidismo ainda chamava-se Yuzy Nembutsu, "Invocação em comunhão"! Tudo isso faz com que qualquer Cristão lembrar-se da Oração de Jesus.

O monoteísmo do amor tem gradualmente se espalhado por todo Hinduísmo. Mesmo o ioga, um exercício metódico humano, tem vindo a concentrar-se mais e mais na atração à divindade. O Vedanta Vinshu confessa e adora um Deus pessoal que estava presente na criação, como a alma está presente no corpo - uma imagem que São Gregório de Nissa gostava de usar! O Deus Vinshu, de sua livre Vontade, criou um mundo real que expressa sua beleza e que, portanto, merece uma consideração positiva pelo homem. Ele providenciou cada pessoa uma uma identidade, tornando assim possível, não uma fusão, mas uma comunhão. Como um místico desta escola disse, "se eu amo açúcar, isso não significa que eu desejo virar açúcar!". O movimento Shakti celebra a energia divina, que celebram como uma presença divina: aqui, novamente, nós somos lembrados da Sabedoria! E essa religião tem promovido respeito para com as mulher, para com as esposas. 

No nosso século, um encontro entre este tipo de Hinduísmo e do Evangelho já começou, particularmente na pessoa, ações, e martírio de Gandhi e seus seguidores. Discípulos de Gandhi permanecem nos Estados Unidos e na África do Sul.

Nós, Cristãos, temos muito a fazer para se preparar para esse encontro. E é muito mais interessante que discutir entre nós.

Conversas com o Patriarca Ecuménico Bartolomeu I por Olivier Clement, pp 219-224




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