terça-feira, 16 de junho de 2015

O Simbolismo do Teatro (Por René Guénon)

Acabamos de comparar a confusão de um ser com sua manifestação exterior e profana [1] com a identificação de um ator com o personagem que ele está atuando; a fim de demonstrar em que medida esta comparação está correta, algumas considerações sobre o simbolismo do teatro não estarão fora do escopo, embora tal simbolismo não pertença exclusivamente ao domínio iniciático. É desnecessário dizer que este simbolismo pode estar ligado ao caráter original das artes e ofícios, os quais costumavam possuir um significado iniciático pelo fato de que estavam ligados a um princípio superior a partir do qual eles eram derivados como aplicações contingentes; ele só se tornou profano, como já explicamos, muitas vezes, com o resultado da degeneração espiritual da humanidade durante o curso descendente de seu ciclo histórico.

Pode-se dizer, de modo geral, que o teatro é o simbolo da manifestação, do caráter ilusório que expressa tão perfeitamente quanto é possível [2]. Este simbolismo pode ser visto ou do ponto de vista do ator ou daquele do teatro em si. O ator é um simbolo do Si ou do "homem interior" manifestando-se em uma série indefinida de estados e modalidades que podem ser consideradas como os muitos diferentes papéis; e deve-se notar a importância do antigo uso da máscara como uma exata expressão desse simbolismo [3]. Da mesma forma, o "homem interior" continua "não afetado" por suas manifestações; o desaparecimento da máscara, pelo contrário, força o autor mudar sua própria fisionomia. No entanto, em qualquer caso, o agente permanece fundamentalmente diferente daquilo que parece ser, da mesma forma como a "pessoa interior" é diferente da multiplicidade dos seus estados manifestados. São nada mais que as aparências e mudanças exteriores que ele coloca afim de realizar, ao longo dos vários modos que convêm a sua natureza, as indefinidas possibilidades que ele contem dentro de si mesmo no eterno momento de não-manifestação. 


Movendo-se para um outro ponto de vista, podemos dizer que o teatro é uma imagem do mundo: tanto o teatro como o mundo são propriamente "representações". O próprio mundo, por existir somente como uma consequência e uma expressão do Princípio do qual é essencialmente dependente em todos aspectos, pode ser considerado simbolização da ordem principial em sua própria maneira. É este caráter simbólico que confere ao mundo um valor superior aquele que possui em si mesmo, sendo o modo em que participa em um grau mais elevado de realidade. [4] Em árabe, o teatro tem sido designado pela palavra tamthīl que, como todas outras palavras que derivam da mesma raiz, mthl, denota os significados de semelhança, comparação, imagem ou figura; e alguns teólogos muçulmanos usam a expresão “ālam tamthīl", que pode ser traduzida por "mundo figurativo" ou "mundo de representação", para se referir a tudo aquilo que é descrito simbolicamente nas Sagradas Escrituras e, portanto, não podem ser tomadas literalmente. É notável que alguns aplicam esta expressão especificamente para o reino dos anjos e demônios, que na verdade representam os níveis mais elevados e inferiores do ser, que só podem ser descritos por termos simbólicos emprestados do mundo sensível. Além disso, por uma coincidência que é digno de nota, deve-se mencionar o papel considerável que estes anjos e demônios tinham no teatro religioso no Ocidente medieval. 

Do que foi dito, pode-se dizer que o teatro não está necessariamente limitado a função de representar o mundo humano, ou seja, de um único estado de manifestação; também pode representar ao mesmo tempo mundos superiores ou inferiores. Por esta razão, nas peças de mistérios da Idade Média, o palco era dividido em vários níveis correspondendo com os diferentes mundos; esses níveis geralmente correspondiam a sequencia da divisão ternária: céu, terra e inferno. Além disso, uma vez que a peça era realizada simultaneamente dentro dessas várias divisões, se tornava uma representação precisa da essencial simultaneidade dos estados do ser. Por falta de compreensão deste simbolismo, os modernos tem considerado como "ingenuidade", para não dizer desajustado, o que na verdade é algo de mais profundo significado. O que é mais surpreendente é a rapidez com que esta incompreensão apareceu, como é demonstrado pela sua manifestação impressionante entre os escritores do século XVII; este cisma radical entre a mentalidade da Idade Média e da mentalidade dos tempos modernos não é um enigma de mínima importância na história.

Já que falamos das peças de mistério, não acreditamos que seja inútil apontar para a singularidade dessa denominação que tem um duplo sentido: deve-se escrever, em todo rigor etimológico, "mistérios", pois essa palavra deriva da palavra ministerium, que significa "trabalho" ou "função", que claramente indica até que ponto que as representações teatrais deste tipo eram originalmente consideradas partes integrantes de uma celebração de feriados religiosos. [5] O estranho é que esse nome tenha sido usado e resumido de forma a tornar-se exatamente homônima dos "mistérios", e, finalmente, sendo confundida com esta outra palavra, que é de origem grega e tem uma derivação totalmente diferente; é somente através de uma alusão aos "mistérios" da religião, que eram encenados nas peças que assim foram designadas, que essa assimilação foi feita. Isso, sem dúvida, pode ser uma razão plausível; mas, por outro lado, se se considerar que representações simbólicas aconteciam nos "mistérios" da Antiguidade, como na Grécia e provavelmente também no Egito [6], pode-se ser tentado a ver nisto algo que remonta muito mais longe no tempo e se interpretar como uma indicação da continuidade de uma tradição esotérica e iniciática que se afirmava exteriormente, em intervalos mais ou menos distantes no tempo, por manifestações similares, com a adaptação exigida pela diversidade de circunstancias do tempo e lugar. [7] Nós tivemos oportunidades bastantes frequentes para apontar para importância de assimilações fonéticas entre palavras que são filologicamente distintas, como uma modalidade de linguagem simbólica; não há nada de arbitrário nisso, o que quer que a maioria de nossos contemporâneos possam pensar sobre isso,  e este método não é completamente sem conexões com os modos de interpretações pertencentes ao nirukta Hindu; mas os segredos da constituição intima das linguagens são tão completamente perdidas hoje que é difícil fazer alusões sem ser suspeito de ceder a "falsas etimologias" ou até mesmo a um mero "jogo de palavras". O próprio Platão, que ocasionalmente usa esse tipo de interpretação - como nós já indicamos em referência aos "mitos" - não é mais favoravelmente recebido pelo "criticismo" pseudo-científico das mentes que estão limitadas por preconceitos modernos.

A fim de concluir estas poucas observações, mencionaremos ainda um outro ponto de vista sobre o simbolismo do teatro: a do dramaturgo. A partir deste ponto de vista, os vários personagens, assim como as produções mentais, podem ser consideradas como modificações secundárias e como se fossem extensões do autor, aproximadamente da mesma maneira como as formas sutis que são produzidas no estado de sonho [8]. Além disso, a mesma consideração, obviamente, pode ser relevante em respeito a produção de qualquer obras de imaginação de qualquer gênero; no entanto, no caso particular do teatro, esta produção é especificamente realizada em um modo sensível que processa a própria imagem da vida, como também acontece nos sonhos. Por isso, o autor preenche uma função verdadeiramente "demiúrgica" uma vez que ele produz um mundo que é inteiramente elaborado de si mesmo. Ele pode ser considerado, por essa razão, como o próprio símbolo do Ser como produtor da manifestação universal. Neste caso, como no caso dos sonhos, a unidade essencial do produtor de "formas ilusórias" não é afetado por esta multiplicidade de manifestações acidentais, como a unidade do Ser permanece inalterado pela multiplicidade da manifestação. Portanto, a partir de qualquer ponto de vista que se observe, sempre se encontra no teatro este profundo raison d'être - mesmo que seja desconhecido por aqueles que fizeram desta forma de arte algo puramente profano; o de ser, por sua própria natureza, um dos mais perfeitos símbolos da manifestação universal. 

1 No capítulo "Noms profana et noms initiatiques" ("Nomes profanos e iniciáticos").
2 Nós não dizemos irreal; pois é bastante óbvio que a ilusão só pode ser considerada como uma realidade inferior.
3 É relevante notar aqui que essa máscara é chamada no latim persona; o "homem interior" é, literalmente, aquele que se esconde sob a máscara do indivíduo.
4 Esta é também uma consideração ao mundo, quer como ligado ao Princípio ou no seu próprio ser somente, que distingue fundamentalmente o ponto de vista das ciencias tradicionais das ciencias profanas. 
5 É a partir da mesma palavra, ministerium, no sentido de "função", que a palavra francesa métier é derivada. 
6 Pode-se, além disso, conectar diretamente a essas representações simbólicas do ritual de "encenação" de "lendas" iniciáticas que mencionamos anteriormente.
7 A "exteriorização" no modo religioso que ocorreu na Idade Média podem ter sido a conseqüência de tal adaptação. Não constitui, portanto, uma objeção contra o o caráter esotérico desta tradição em si.
8 Cf. Estados Múltiplos do Ser, Capítulo 6. 

domingo, 7 de junho de 2015

Sobre a Índia e Budismo - Conversações com o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I

Por trás do movimento "New Age" também se pode perceber uma redescoberta da Índia, e em particular, do Budismo.

Muitos ocidentais atualmente dizem encontrar uma verdadeira serenidade no Budismo. Eles aprendem que existe um dharma (para usar a palavra em sânscrito), um caminho de salvação, uma ordem do mundo; alguém poderia até mesmo chamar de Sabedoria, quase no sentido bíblico da palavra. E este dharma, não muito diferente do Decálogo, pede-lhes para não matar, não roubar ou mentir, ser casto, e (muito útil para as nossas sociedades) abster-se de álcool e drogas! Eles parecem, de certa maneira, se distanciar de suas emoções e tendem a ver os outros e, a si mesmos, com grande tolerância e paz.

Curiosamente, a popularidade do Budismo hoje substitui aquela do Hinduísmo, que parecia ser maior no período seguinte da Segunda Guerra Mundial. Isso pode ser o resultado da expansão do Budismo Tibetano, que hoje constrói mosteiros em toda Europa Ocidental e na América do Norte.  Ou pode ser devido à personalidade marcante do Dalai Lama, que é capaz de interpretar o Budismo para o Ocidente. Mas há algo mais: a Índia representa algo luxuoso, superabundante, uma espécie de alegria robusta; enquanto que o Budismo fala essencialmente de sofrimento e libertação da dor. Portanto, o Budismo parece particularmente atraente para muitas pessoas das sociedades ocidentais que estão cansados, que estão "estressados" e que buscam um pouco de paz e tranquilidade...

Para o Budismo, de fato, tudo é doloroso: nascer, inexoravelmente decair, sofrer muitos tormentos, ser submetido ao que se odeia, e ser separado daquilo que se ama.  E qual é a motivo para este sofrimento? O motivo é que não conseguirmos parar de desejar, de ser "sedento", de "queimar". O desejo nasce da ignorância. Ele acredita na realidade, na importância, dos seres e das coisas. Dessa forma, ele produz erro, luxúria, ódio, que são "as três raízes do mal". O "caminho da libertação" corrige nosso comportamento (as exigências morais são extremas - algo que o Ocidente geralmente se esquece), e, através da prática de meditação, nos permite discernir o processo de crescimento e, finalmente, nos despertar. Despertar para a realidade única, inefável, é apagar as chamas da paixão, do erro e ilusão. É se tornar impassível, ou seja, triunfar sobre as paixões que constantemente nos faz de brinquedo.

Este tipo de ascetismo, que é monástico, é semelhante à nossa ascese monástica. A espiritualidade hesicasta, "a arte das artes e a ciência das ciências", também fala sobre ignorância e das paixões, que começam com o orgulho e avidez, com o egocentrismo - philautia - todos nascem de nossa angústia escondida quando nós somos confrontados com a natureza transitória deste mundo. E os métodos para atingir esta libertação das "paixões" são similares: limpar a mente de "pensamentos", alcançar a apatheia (estado desapaixonado ou de impassibilidade) e o "estado de vigília". Esta última palavra é tão importante no hesicasmo como no Budismo, pois a palavra buddha significa "despertado". De fato, os grandes testemunhas do hesicasmo são os chamados Padres "népticos", um adjetivo derivado do gregro nepsis, que significa vigília! 

O termo Nirvana, muita vezes tão mal compreendido, significa extinção - do desejo, da sede, do fogo. Designa um estado de completamento sobre o qual só se pode falar utilizando negações. Isto nos lembra da "oração além da oração" hesicasta, quando o homem o homem se torna tão infinitamente pequeno que ele observa a luz divina. 

Não seria o Budismo, nas profundezas da Ásia, uma espécie de pré antecipação Cristã? O próprio Budismo, é claro, seria ignorante deste fato. Podemos perceber dois aspectos em sua doutrina: a primeira é uma verdade parcial; a segunda permanece encerrada nesta parcialidade. 

Nirvana é um símbolo negativo de uma entrada no centro divino de seu próprio ser. Que um amor libertador é revelado neste "vazio", que é uma plenitude, um amor que restaura tanto o outro e o mundo - tudo isso é desconhecido ao Budismo. Ou ainda não é conhecido? A questão permanece. Dentro da tradição hesicasta, o coração e o espírito deve morrer para si mesmos, a fim de redescobrir uma "alteridade" de Deus na unidade, uma unidade que se transforma em comunhão. 

Estamos de acordo com os Budistas que "este mundo", como diz o Evangelho, encontra-se no mal. Mas, para os Budistas, o mundo não é nada mais que isso. Ele consiste em agregados transitórios de matéria, que estão constantemente sendo transformados e desaparecendo, apenas para dar à luz a novos agregados, que não são menos transitórios. Para nós, Ortodoxos, sob o véu da ilusão que somos chamados parar remover, a criação de Deus tem substância. É boa, boa precisamente por causa de sua diversidade. Este mundo não esgota a realidade do mundo de Deus. 

De forma semelhante, para o Budismo, o homem é simplesmente uma "combinação" não-essencial que pode, por exemplo, ser comparado com uma carroça. O homem é um simples processo, uma continuidade sem identidade. Certamente há uma reencarnação, mas ocorre através da simples casualidade de ação produzindo efeitos. Não há nenhuma transmigração, porque não há nenhuma alma que pode passar de uma habitação para outra. Se libertar é rejeitar a noção do "eu" - como bem, é claro, qualquer noção do "outro". Reincarnação, a "roda da existência", é um ciclo infernal, mas não existe indivíduos para serem condenados! Buddha nunca deixou de denunciar a "multidão ignorante" que se alimentava das absurdas "teorias da alma" e que acreditavam em reincarnações "pessoais". Este "não-Eu", seja mitigado ou não, é, de fato, não diferente do Si do Vedanta - a escola Hindu que sucedeu em perseguir o Budismo na Índia! Só se pode falar do Si em termos negativos, a fim de identifica-lo com o divino - e é apenas este aspecto divino que é transmigrado! 

Assim, podemos ver, que isto é muito diferente do "reencarnacionismo" ocidental, aquela invenção de turistas ocidentais. Nós também não compreendemos totalmente ioga (e seus objetivos metafísicos são quase sempre mal interpretados no Ocidente). Ioga dá ao seu praticante ocidental a ilusão de descobrir seu verdadeiro Si, enquanto que, normalmente, somente leva-o para expandir e mostrar seu ego! 

Tudo, acrescenta o Patriarca, centra-se no conceito de "pessoa" De acordo com o Budismo, a pessoa não existe. O Cristão, no entanto, afirma a existência da pessoa. Mas a Ortodoxia não identifica a pessoa com o indivíduo, com a "substância individual de natureza racional", como Boethius desajeitadamente declarou no mundo latino. Isto significaria que a pessoa não é nada mais do que uma máscara, que é, de fato, o sentido original da palavra latina persona, ou o grego prosopon. A pessoa só é revelada na conclusão de uma antropologia negativa, e os esforços do Hinduísmo e do Budismo podem ser útil para nós. O absoluto não está além da pessoa (pois então, na verdade, não haveria ninguém!). Em vez disso, o absoluto é a profundidade, a "profundidade sem fundo", da pessoa, ou melhor, da comunhão. E se a pessoa, e portanto, a possibilidade de encontro, existe, então história existe. No entanto, nem o Hinduísmo, nem o Budismo está interessado em história, porque para eles, o tempo, em seus ciclos intermináveis, consiste em nada além de terror. Se a pessoa e, portanto, a comunhão existe, então a atração do homem para Deus transfigura o desejo: eros se transforma em agape. É particularmente o milagre da graça e do perdão que destrói a fatalidade do karma - a relação automática entre o ato e suas consequências - e o medo de que "teremos que pagar tudo" como dizem alguns Cristãos que não conseguem entender a infinita graça da cruz e da ressurreição

De Buda à Gandhi

Devemos, no entanto, estar cientes que o Hinduísmo e o Budismo nunca deixaram de se desenvolver. Isto é certamente verdadeiro em nossa própria época, quando os valores de origem Cristã foram espalhados pelo mundo. Mas também pode ter sido o caso durante séculos, tanto por causa de um impulso cristão que só podemos imaginar, ou através da longa influencia da evangelização "Nestoriana" no coração da Ásia. 

Dentro do Budismo chinês e japonês, por exemplo, tem havido uma evolução, por um lado, em direção a ascese e para uma estética de beleza cósmica, e, por outro, em direção a uma religião de misericórdia. No movimento Zen - Ch'an na China-  o asceta aguçado, durante e depois de um momento de iluminação, experimenta nitidamente o nascimento de uma árvore, de uma flor, da luz. Ele conhece as coisas como elas são. Ele ouve "o ah! das coisas." Isso não está muito longe da "contemplação da natureza", Cristã, que é uma etapa necessária no hesicasmo. No Amidismo, o monoteísmo se afirma. Amida (Omito em Chinês), o meditador, era um monge que, voluntariamente, interrompeu sua ascensão no caminho da iluminação, colocando a realização da perfeição em espera, até que toda a humanidade e toda a criação, até a última folha de grama, sejam salvos por sua intercessão. O fiel pratica o nembutsu, a humilde invocação da fórmula, "Buda Amida, salva-me". Um grupo que veio do Amidismo ainda chamava-se Yuzy Nembutsu, "Invocação em comunhão"! Tudo isso faz com que qualquer Cristão lembrar-se da Oração de Jesus.

O monoteísmo do amor tem gradualmente se espalhado por todo Hinduísmo. Mesmo o ioga, um exercício metódico humano, tem vindo a concentrar-se mais e mais na atração à divindade. O Vedanta Vinshu confessa e adora um Deus pessoal que estava presente na criação, como a alma está presente no corpo - uma imagem que São Gregório de Nissa gostava de usar! O Deus Vinshu, de sua livre Vontade, criou um mundo real que expressa sua beleza e que, portanto, merece uma consideração positiva pelo homem. Ele providenciou cada pessoa uma uma identidade, tornando assim possível, não uma fusão, mas uma comunhão. Como um místico desta escola disse, "se eu amo açúcar, isso não significa que eu desejo virar açúcar!". O movimento Shakti celebra a energia divina, que celebram como uma presença divina: aqui, novamente, nós somos lembrados da Sabedoria! E essa religião tem promovido respeito para com as mulher, para com as esposas. 

No nosso século, um encontro entre este tipo de Hinduísmo e do Evangelho já começou, particularmente na pessoa, ações, e martírio de Gandhi e seus seguidores. Discípulos de Gandhi permanecem nos Estados Unidos e na África do Sul.

Nós, Cristãos, temos muito a fazer para se preparar para esse encontro. E é muito mais interessante que discutir entre nós.

Conversas com o Patriarca Ecuménico Bartolomeu I por Olivier Clement, pp 219-224




sábado, 6 de junho de 2015

Sobre historicismo (Por Julius Evola)

O que vou dizer pode causar algumas dificuldades para aqueles que não tenham renunciado a mentalidade historicista.

Devemos começar observando que a ênfase dada à noção de "história" é recente e alheio a toda civilização normal; muito mais recente é a personificação da história em algum tipo de entidade mística que é o objeto de uma fé supersticiosa, como são muitas das outras abstrações personificadas que se tornaram moda em uma idade que afirma ser "positivista" e "científica". Muitas pessoas estão acostumadas a escrever História com H maiúsculo, assim como no passado, a primeira letra do nome de uma divindade se encontrava em maiúsculo.

O primeiro e mais geral significado do historicismo refere-se ao colapso ou a desastrosa mudança da civilização do ser (caracterizada pela estabilidade, a forma, a adesão a princípios supratemporais) para civilização do devir (caracterizado pela mudança, fluxo e contingência) [1]. Este deve ser nosso ponto de partida. Numa segunda fase, os valores foram invertidos, e esse "escavamento" passou a ser visto como uma coisa positiva, que não só não deve ser resistido, mas também exaltado, aceitado e desejado. Nestas circunstancias, as ideias de "História", "progresso" e "evolução" estiveram intimamente associadas umas com as outras; assim, o historicismo tem frequentemente aparecido como uma parte integrante do progresso do século XIX, constituindo o fundo de uma civilização racionalista, científica e tecnológica.

Afora isso, o historicismo em um sentido específico está na visão básica da filosofia, originalmente inspirada por Hegel, que esteve representada na Itália pelos filósofos Benedetto Croce e Giovanni Gentile. Passo agora a explicar sobre o espírito e a "moralidade" do último tipo de historicismo.

Como é conhecido, Hegel viu uma coincidência entre as esferas de realidade e da racionalidade, portanto, seu famoso axioma: "Tudo o que é real é racional, e tudo o que é racional é real". Eu não vou examinar este problema de uma perspectiva metafísica, ou sub specie aeternitatis [a partir da perspectiva da eternidade]. No entanto, é certo que a partir de um ponto vista concreto e humano este axioma é dúbio por duas razões. A primeira é que, a fim de que seja útil, deveria primeiramente conhecer diretamente, a priori, e numa forma determinada, o que deve ser chamado de "racional" e usa-lo como a ordem ou a lei que que a História e todos os eventos sempre supostamente refletem. O desacordo entre os historicistas sobre esta questão é significativa: a verdade é que cada um deles é inspirado por suas próprias especulações subjetivas, no nível de filosofia de faculdade; o que realmente falta aqui é a visão de um 'olho de pássaro' mais modesto, necessário para compreender não só o que está além dos fenômenos, mas também o que está escondido por trás das causas mais evidentes nos levantes históricos. A segunda razão é que (mesmo se fôssemos acreditar no que este ou aquele filósofo postula como "racional") no curso da experiência comum não é possível detectar a identidade completa do racional e do real; assim, podemos nos perguntar se alguém ao fazer a afirmação dessa identidade chama algo "real" porque é racional, ou vice-versa, se ele chama de algo "racional" só porque é apenas real, ou porque se apresenta como realidade factual.

                                                   

Mesmo sem se envolver em uma crítica filosófica apropriada - como fiz em outros lugares, quando critiquei o chamado "idealismo transcendental" [2] - isso é suficiente para expor o caráter ambíguo e efêmero do historicismo. É precisamente por vivemos no mundo do devir, que se caracteriza por uma rápida mudança de eventos, circunstâncias e forças, que, por um lado historicismo se reduz a uma "filosofia passiva do fato consumado" e a uma teoria que concede uma "racionalidade" em tudo o que se afirmou com sucesso [3]; por outro lado, o historicismo pode promover igualmente reivindicações "revolucionárias" quando alguém não quer reconhecer o real como "racional". Neste caso, em nome da "razão" e "História", interpretado em proveito próprio, uma condenação é transmitida no que é. Uma terceira solução ainda é possível, como uma mistura dos dois anteriores, ou seja, rotular tudo como "anti-História" aquilo que procura afirmar-se ou tende a realizar-se ou restaurar uma ordem diferente da existente, mas ainda sem sucesso, exceto quando se justifica e é dado como "racional", no caso de sua vitória ou afirmação, pois então tornou-se "real". 

Assim, dependendo da situação, o historicismo pode, igualmente estar no lado de um conservadorismo de segunda categoria ou que de utopias revolucionárias, ou, como provavelmente ocorre mais frequentemente, do lado de quem sabe como se adaptar a novas circunstâncias, deslocando fidelidade de acordo com o caminho que o vento sopra. Assim, 'História' e 'anti-História torna-se slogans desprovidos de qualquer conteúdo concreto e que podem ser utilizados em ambos os sentidos, de acordo com as preferências pessoais, no contexto de um jogo de dados que os representantes dessa visão chamam de "dialética" ou "dialética histórica".

O exemplo típico disso foi o desenvolvimento que ocorreu na Alemanha, partindo das premissas do historicismo hegeliano, de uma teoria da autoridade e estado absoluto de um lado (uma teoria inútil de um sistema que, estando arraigados em valores tradicionais, não haveria necessidade alguma de uma justificativa filosófica), e uma ideologia marxista revolucionária e "dialética" no outro. Um exemplo mais recente, na Itália, é a inimizade entre Gentile e Croce, ambos eram historicistas comprometidos. No entanto, Gentile, ao assumir como racional o que foi posto na arena política, concedeu o caráter de "historicidade" sobre o fascismo, colocando sua filosofia a seu serviço. Por outro lado, Croce, devido a suas preferências pessoais e ideológicas, pensou que o "racional" correspondia ao anti-fascismo liberal; assim, ele estigmatizou a ordem fascista, embora fosse 'real', como sendo "anti-histórica". Depois que o vento mudou de direção, muitas pessoas que foram fascistas ontem acordou alguns anos mais tarde como anti-fascistas; esses vira-casacas podem ser considerados como os representantes da terceira possibilidade - aqueles que se tornam 'atualizados' sobre o que a "História" e sua "racionalidade" deseja de tempos e tempos. [4]

Estas breves referências mostram o que equivale o historicismo. É essencialmente uma filosofia sem forma, inútil e vã, às vezes até mesmo covarde e oportunista; ou é irrealista ou grosseiramente realista, dependendo das circunstâncias. Mas, além das elucubrações do historicismo como uma filosofia e sua correspondente deformidade mental que parte da cultura academica é culpada, nós devemos expor o mito da História com o H maiúsculo, especialmente quando este mito promove a narcose daqueles que não estão cientes das forças que se renderam, e isso ajuda aqueles que querem que a corrente se torne mais rápida, evitando qualquer oposição para cessar; apelando ao "sentido da história", essas pessoas estigmatizam toda atitude diferente das suas como "anti-histórica" ou "reacionária". 

Este tipo de historicismo, quando não é uma alucinação sem sentido de pessoas que não bate bem da cabeça, se trata obviamente da cortina de fumaça da qual as forças de subversão mundial operam. Surpreendemente, mesmo entre aqueles que anseiam restaurar uma ordem antiga, existem alguns que não estão cientes disto; eles são incapazes de rejeitar o mito historicista em todas as suas formas, não reconhecendo que são os homens que fazem ou desfazem a história, se for dado a oportunidade. Temos que ser opostos a qualquer consagração e "racionalização" do status quo e devemos negar qualquer reconhecimento das forças ou correntes que assumiram o poder. Devemos recordar que o anátema de ser "anti-histórico" e "fora da história" é lançado contra aqueles que ainda se lembram do modo como as coisas eram antes e que chamam a subversão pelo seu nome, em vez de se conformar com os processos que estão precipitando o declínio do mundo.

Tendo feito isso claro, o homem é restaurado a uma liberdade de movimento; ao mesmo tempo, o terreno para trabalho está posto para uma possível investigação destinada a julgar as influencias efetivas que promoveram esta ou aquela reviravolta na história. Tendo vencido todos os historicismo, estamos livre tanto da ideia que o passado é algo que mecanicamente determina o presente e também do conceito de uma lei teleológica, evolucionária e transcendental que, para todos efeitos práticos, nos leva de volta ao determinismo. Em seguida, cada fator histórico aparecerá ter um papel condicionante, mas nunca determinante. A possibilidade de uma atitude ativa para o passado será salvaguardado, especialmente a possibilidade de defender tudo que é inspirado por valores supratemporais.
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[1] Em relação às civilizações do ser e devir, ver meu L'Arco e la Clava [O Arco e a Maça] (Milan: Scheiwiller, 1971), cap. 1.
[2] Ver a minha Teoria dell'Individuo Assoluto [Teoria do Absoluto Individual] (Turim: Bocca, 1927) e Saggi sull'Idealismo Magico [Ensaios sobre idealismo mágico] (Roma: Atanor, 1925).
[3] É necessário salientar que o espírito da filosofia original de Hegel era um tipo de processo de sanção da razão pura, tanto assim que Hegel, quase como Platão ou os Eleatas, acusa a natureza ou realidade de 'impotência' onde quer que ela não se apresentou em conformidade com a racionalidade apriorística sancionada. O colapso completo do "racionalismo ético", no sentido historicista de uma conformidade passiva de vontade e realidade; da idéia e fato, ocorreu nos epígonos de Hegel, e especialmente no 'atualismo' de Gentile.
[4] Embora a filosofia de Gentile seja desagradável (ou seja, fraca, presunçosa e confusa) como suas atitudes parternalistas, autoritárias e monopolizadoras durante a era fascista, no entanto, devemos atribuir seu mérito como um homem que teve coragem de permanecer no lado do fascismo mesmo quando ele deveria ter considerado-o como 'historicamente passé', como ficou ao lado perdedor da guerra. 

Retirado do livro Men Among the Ruins: Post-War Reflections of a Radical Traditionalist, por Julius Evola